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Apoio à leitura de O Ano da Morte de Ricardo Reis, de José Saramago     
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ODES A WALT WHITMAN


1.   Introdução





(1870)

Walt Whitman nasceu em Long Island, New York, em 1819 e morreu em Camden, New Jersey, em 1892. Autodidacta, aprendiz de tipografia, discreto jornalista entre outros vários insucessos e enfermeiro na guerra da Secessão, assistiu ao veloz crescimento americano, foi intérprete e cantor dessa epopeia de contradições, dessa realidade real de que tanto alimentou a sua poesia - poesia também do corpo e do desejo, desafio, exaltação. Em pleno século XIX escrever tão livremente, soltando o verso sem temor, cantar o corpo ainda mais do que a alma, e desse corpo avançar propostas de indisfarçável embora delicada homossexualidade, era tarefa que exigia uma invulgar ousadia. Whitman fê-lo, enfrentando assim os inevitáveis anátemas e incompreensões, ele, atlético, panteísta, uno e diverso herói. Ambígua fonte, geradora de inovadores ritmos e energias, a sua poesia foi razão de acesas polémicas, cujos ecos se foram extinguindo pouco a pouco, permitindo enfim o reconhecimento de quanto para os EUA e não só, representou tão generoso canto. [...] Cálamo [é] um dos mais sugestivos conjuntos de poemas de Leaves of Grass, título este que reúne o essencial da produção de Whitman, nove vezes editada, revista, emendada, aumentada, desde 1855 e até 1892, quando já se encontrava à beira da morte.

Prefácio de José Agostinho Baptista à edição de Cálamo,
Assírio & Alvim, Lisboa, 1993.

Exemplares disponíveis nas bibliotecas municipais
- Reprodução não oficial -







Walt Whitman, um cosmos, o filho de Manhattan
Turbulento, carnal, sensual, comendo, bebendo e procriando,
Não é um sentimental, não olha de cima os homens e as mulheres nem se
                afasta deles,
Não é mais modesto do que imodesto.

Retirai as fechaduras das portas!
Retirai as próprias portas dos seus umbrais!

Quem degrada outro degrada-me a mim,
E tudo o que é feito ou dito acaba por voltar a mim.

A inspiração emana sempre de mim, por mim passam a corrente e o índice.

Pronuncio o santo-e-senha primordial, dou o sinal da democracia,
Por Deus que nada aceitarei, nada que os outros não possam ter por igual.

Em mim vivem as vozes há muito tempo emudecidas,
Vozes de intermináveis gerações de prisioneiros e escravos,
Vozes de doentes e desesperados, de ladrões e anões,
Vozes de ciclos de gestação e crescimento,
E dos fios que ligam as estrelas, e dos úteros e da seiva paternal,
E dos direitos dos ofendidos,
Dos disformes, triviais, simples, idiotas, desprezados,
Névoa no ar, escaravelhos que fazem rolar bolas de excrementos.

Vozes proibidas que passam por mim,
Vozes de sexo e luxúria, veladas vozes cujo véu afasto,
Vozes indecentes por mim purificadas e transfiguradas.


Walt Whitman
in Canto de Mim Mesmo (XXIV)


Canto de Mim Mesmo
Walt Whitman
Tradução de José Agostinho Baptista
Assírio & Alvim, Lisboa, 1992

Exemplares disponíveis nas bibliotecas municipais
- Reprodução não oficial -







Fernando PessoaFederico Garcia LorcaPablo NerudaJorge Luís Borges


O conhecido crítico literário norte-americano Harold Bloom publicou em 1994 um ensaio sobre a literatura mundial com o título de O Cânone Ocidental, no qual agrupou Jorge Luis Borges, Pablo Neruda e Fernando Pessoa em associação a Walt Whitman, no capítulo 21 [Borges, Neruda e Pessoa: o Whitman Hispano-Português], da quarta parte [A Idade Caótica]. Abaixo seguem algumas das suas afirmações, incluindo ainda um comentário sobre a "Ode a Walt Whitman", de Garcia Lorca:



A Literatura hispano-americana do século XX, que é provavelmente mais vigorosa do que a norte-americana, tem três fundadores: o fabulista argentino Jorge Luis Borges (1899-1986), o poeta chileno Pablo Neruda (1904-1974), e o romancista cubano Alejo Carpentier (1904-1980).

Borges foi uma criança literária notável.[...] Borges começou por ser um whitmaniano, tendo-se depois afastado desta influência inicial. No entanto, isto não o impediu de desenvolver uma compreensão cuidadosa e penetrante de Whitman, a qual talvez esteja mais bem expressa na tradução que fez de uma selecção de poemas de Folhas de Erva (Leaves of Grass).

Pablo Neruda é, por consenso geral, o mais universal desse poetas, e pode ser visto como o herdeiro mais autêntico de Whitman. O poeta de Canto Geral é um rival mais respeitável do que qualquer outro descendente de Folhas de Erva.

Como contraste aos poetas latino-americanos, apresento o espantoso poeta português, Fernando Pessoa (1888-1935), que, enquanto invenção fantástica, ultrapassa qualquer criação de Borges. [...] Pessoa não era louco nem um mero ironista; é Whitman renascido, mas um Whitman que dá nomes separados a "o meu Eu", o "Eu verdadeiro" ou "Eu, eu mesmo", e "a minha alma", e escreve maravilhosos livros de poemas para os três, assim como um volume à parte com o nome de Walt Whitman.Os paralelos estão demasiados próximos para serem coincidências, em particular porque a invenção dos "heterónimos" (um termo de Pessoa) se seguiu a uma imersão em Folhas de Erva.

Saudando Whitman quinze anos mais tarde [...], Federico Garcia Lorca escreve uma "Ode a Walt Whitman", no seu surrealista Nova Iorque Num Poeta, que é muito pobre quando comparada com os cantos de Campos. Mas isto é compreensível, porque Lorca, ao contrário de Pessoa, conhecia Whitman só em segunda mão...


O Cânone Ocidental,
Harold Bloom
Círculo de Leitores  » , Lisboa, 1997

Exemplares disponíveis nas bibliotecas municipais
- Reprodução não oficial -




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