Saudades do sertão do
oeste de Minas Gerais
Fantasia dedicada ao meu particular
amigo o Dr. Francisco Lemos,
engenheiro provincial daquela zona
Tenho inveja de ti, meu caro amigo;
Inda que fosse só por um momento,
Oh! quem dera me achar junto contigo,
Respirando vivaz e novo alento
Nesse sertão formoso,
Do qual me lembrarei sempre saudoso.
A teu melhor te pintaria
As fundas impressões,
Que deixaram em minha fantasia
Essas risonhas, vastas solidões;
Porém que hei de eu fazer, senão cansar-te
Com estes versos meus, despidos de arte!...
Tudo por lá é belo, é grandioso;
Vasto é o campo, funda é a floresta,
O rio caudaloso.
Lá de Deus o poder se manifesta
De um modo que arrebata, que seduz,
Nos boleados, vicejantes montes,
Do céu na viva, resplendente luz,
Nas murmurantes, cristalinas fontes,
Nos umbrosos vergéis, veigas floridas,
Dos palmares nas longas avenidas.
Quão formosas que são essas
paragens!
Que meiga luz se esbate nas campinas,
Descortinando esplendidas paisagens,
Quando a brisa nas horas matutinas,
Ou no levante o fúlgido arrebol
Nos vem dizer que vai nascer o sol!...
Pelos ramos os pássaros gorjeiam
O canto festival da madrugada,
Enquanto pelas próximas devesas
Mil floridos arbustos balanceiam
A coma perfumada,
Como rancho de airosas componesas,
Que em folguedos alegres bamboleiam
A fronte engrinaldada.
Tudo então é prazer, é luz, é
vida,
Tudo canta e sorri, tudo resplende;
Pelas orlas do céu manso se estende
Róseo clarão, e a terra agradecida
Aos afagos do sol abre contente
O seio palpitante,
Como noiva gentil, que a face ardente
Entrega aos beijos de extremoso amante.
E quando em morna tarde entre fulgores,
Na púrpura do ocaso o sol se deita
Abafado em diáfanos vapores,
Em que suaves cismas se deleita
A fantasia, e como que adormece
Sobre em Éden, que ao longe transparece.
Enquanto vagueando pela vargem
O canto agudo solta a seriema
E do ribeiro na sombria margem
Regouga, como em hórrida pocema
A turba dos bugios,
No tronco excelso do jequitibá,
Por onde o sol nos ramos luzidios
A frouxo os raios tépidos resvala,
Aos mil rumores meiga se intercala
A voz do sabiá,
Com pausada, plangente melodia
Embalando no ocaso o rei do dia.
Cisma o poeta, o sabiá suspira
Canções, que vagaroso cadenceia,
E enquanto o arroio a murmurar se estira
Por sobre a branca areia,
A donzela, entreabrindo um meigo riso,
Sonha... o que Eva sonhou no Paraíso.
Mas também, quando a cólera celeste
Restruge nesses páramos formosos,
Tremenda se reveste
Dos atributos seus mais temerosos,
E o vento, a chuva, os hórridos trovões
Fazem calar a voz das solidões.
Trêmula e muda então a natureza
Como tímida pomba ansiosa arqueja,
Inerme, sem defesa
Suplica, e geme, enquanto o céu troveja,
E com rijos tufões varrendo a terra
Da ira sua os cofres desencerra.
Mas dura pouco o tétrico negrume,
E o céu despindo as vestes pavorosas
Seu ar sereno assume,
Desdobrando um sendal de azul e rosas,
Se fulge o dia; mas se é noite escura,
Entre estrelas resplende a esfera pura.
Dir-se-ia, que Deus apiedado
De terra tão gentil manter não pode
O senhor carregado;
As armas e o furor longe sacode,
E como quem doeu-se do castigo,
Com que verbera tímida criança,
Já com sorriso amigo
Manda o perdão nas asas da bonança.
Ao longe, pelo cinto do horizonte
Que lindas serranias!
Não são montanhas de enrugada fronte,
De inacessíveis, broncas penedias,
Erguidas como horrendos bastiões
Sobre medonhos, negros boqueirões.
Parecem antes colossais terraços,
Ou parques altaneiros
De grandiosos, encantados paços,
Se alongando em vicosos tabuleiros,
Ora cobertos de virente relva,
Ora toucados de ondulante selva.
Nos vastos chapadões compeia a ema
Erguendo sobranceira o esbelto colo;
Os ares co'as possantes asas rema,
Correndo quase sem tocar o solo;
Pelas infindas, tórridas macegas
O mais veloz, mais destro cavaleiro,
Soltando as rédeas e voando às cegas,
Em vão tentara acompanhar-lhe o esteiro.
Ali, na falda de virene encosta
Risonha se recosta
Do fazendeiro a cômoda vivenda.
Vês na frente o curral e o manso gado,
E no fundo o pomar, frondosa tenda,
Umbroso labirinto
De mil frutos e flores carregado,
Encantador recinto
De jambeiros em flor, de laranjeiras,
E de folhudas jaboticabeiras.
No centro o lar, singela habitação,
Asilo do trabalho e da virtude,
Pacífica mansão,
Que na tosca aparência, quase rude
Nos faz rememorar as priscas eras,
Que hoje nos parecem vão quimeras.
Além canta o vaqueiro, arrebanhando
As luzidas, inúmeras manadas,
Que ao longe estão pastando
Pelas pingues devesas derramadas,
Enquanto pelas várzeas vem chiando
O carro atroador, que a passos lentos
Em longa fila vem bois truculentos
Para os vastos celeiros arrastando.
Saudosas solidões! sertão querido!
Belo Araxá, risonho Patrocínio,
Ubérrimo Uberaba,
Onde na leda infância hei percorrido
Da vida o tirocínio,
Em minha alma a lembrança não se acaba
De vossos lindos vales, verdes montes,
De vossos claros, largos horizontes.
Foi nesse céu de mágicos fulgores,
Nessas vargens intérminas, fecundas
De perenais verdores,
Entre os solenes, místicos rumores
Dessas matas profundas,
Que da poesia na sagrada fonte
Pela primeira vez banhei a fronte.
Se à sombra vossa, bosques gigantescos,
Palmeiras graciosas,
Se sobre esses relvados sempre frescos,
Que orlam as torrentes sonorosas,
Pousar já não me é dado,
Em suas asas ao menos branda aragem
Vos leve de me canto desleixado
A simples homenagem.
Ouro Preto, maio de 1882
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