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REATOR ANAERÓBIO DE FLUXO ASCENDENTE

Um Ecossistema Anaeróbio - Introdução

Guillermo Guillén


Entre os sistemas simples utilizados para o tratamento de esgotos domésticos e efluentes industriais, se observa um aumento considerável na utilização de reatores anaeróbios de fluxo ascendentes (Rafa), também conhecidos como Rafaall (reator anaeróbio de fluxo ascendente através do leito de lodo), Dafa (digestor anaeróbio de fluxo ascendente) ou Uasb (upflow anaerobic sludge blanket).

Colocados como A Solução para o tratamento de esgotos, frente à "ineficiência" apresentada pelos tradicionais sistemas TS-FAN (Tanque Séptico - Filtro Anaeróbio), faz-se necessário esclarecer alguns conceitos:

  • Os sistemas de tratamento anaeróbios, sejam Rafas ou TS-FAN, promovem apenas um tratamento primário removendo parte da materia orgânica (70% - 90%), não sendo eficazes na remoção de patogênicos nem nutrientes eutrofizantes que também são poluentes dos corpos de água.

  • O bom e velho sistema TS-FAN quando corretamente projetado, construído e operado, apresenta os mesmos resultados que um Rafa corretamente projetado, construído e operado; o problema é que a operação do TS-FAN é tão simples que ela é simplesmente esquecida, o que leva à saturação dos digestores e a conseguinte trasbordação de lodo estabilizado para os filtros anaeróbios e depois para o emissário, isso, somado aos problemas colaterais que isto provoca (substituição do lodo ativo do FAN por lodo estabilizado e acúmulo de areia no fundo dos digestores) faz com que os resultados não sejam aquilos que foram previstos no projeto.

  • Há pouco mais de 20 anos apareceram no brasil trazidos pela SANEPAR, os Reatores Anaeróbios de Fluxo Ascendente. Com esse nome só poderia ser complicado e muito bom, vamos ver a seguir que não tem nada de complicados e que são eficazes apenas se devidamente projetados, construídos e operados. Possuem a "vantagem" em relação ao TS-FAN que a operação não é tão simples o que nos obriga a dar-lhes uma maior atenção sendo esse o motivo pelo qual, via de regra, obtêm-se melhores resultados que com o TS-FAN.

    Princípios de Funcionamento

    O tratamento anaeróbio de esgotos, seja qual for o sistema, procura a redução dos lípidos, carbohidratos e proteínas que compõem basicamente o esgoto doméstico em metano, água e gás carbônico.

    São as bactérias anaeróbias que realizam esta operação, elas tem a característica de não precisar oxigênio dissolvido na água ou no ar para viver, como os animais ou os peixes; elas "respiram" o oxigênio que faz parte das moléculas complexas e inestáveis de carbono que compõem esses lípidos, carbohidratos e proteínas (material primário),quando tiram o oxigênio rompem essas cadeias moleculares transformando-as em outras menores e estáveis que são metano, água e gás carbônico (produto final).

    Existem basicamente duas famílias de bactérias, as saprofíticas, que transformam o material primário em ácidos orgânicos, e as metanogénicas, que a partir desses ácidos completam a reação de estabilização.

    O que diferencía um Rafa de um sistema TS-FAN, é a maneira como são criadas e alimentadas as bactérias. No tanque séptico de um sistema TS-FAN o fluxo é horizontal e o lodo passivo em relação à fase líquida, isto é, o esgoto percorre o comprimento do tanque séptico passando por cima do lodo em digestão, os sólidos decantam e na parte inferior do TS ocorrem as reações anaeróbias descritas acima, sendo que em esta etapa agem principalmente as bactérias saprofíticas; finalmente, água, sólidos que não decantaram e ácidos orgânicos produzidos no TS passam para o FAN onde o fluxo é vertical e pode ser ascendente ou descendente, sendo que aqui a colônia de bactérias é ativa em relação a esse fluxo que atravessa a colônia formada preponderantemente por bactérias metanogénicas, completando assim o processo de estabilização da matéria orgânica.

    Um Rafa é um tanque cheio de lodo com bactérias anaeróbias, o esgoto é lançado na parte superior e injetado a través de tubos por baixo desse lodo, o esgoto então sobe atravessando o manto de lodo e bactérias (biomassa) ocorrendo assim as reações de estabilização da carga orgânica.


    ESQUEMA DE UM REATOR

    Como vemos, aqui o lodo é ativo em relação à fase liquida e as bactérias saprofíticas e metanogénicas estão no mesmo compartimento, o que provoca uma concorrência vital na qual a tendência é de as bactérias saprofíticas levar vantagem, já que elas consomem um material altamente inestável transformando-o em ácidos orgânicos (inestabilidade intermediaria) que serve de "alimento" para as metanogénicas, sendo assim, um aumento da carga orgânica dentro do reator, favorece à população de saprofíticas que aumenta tirando espaço das metanogénicas. Isto gera um desequilíbrio nesse delicado e pequeno ecossistema cuja conseqüência imediata é o azedamento do manto de lodo, uma vez que só há transformação do material primário em ácidos orgânicos. É extremamente importante compreender esse conceito, já que em caso de azedamento se deve procurar o restabelecimento do Ph biológicamente (NUNCA quimicamente), seja limitando a concentração de carga no afluente, seja recirculando o acido. Este fenômeno se observa principalmente em Rafas utilizados para tratamento de efluentes industriais, podendo também ocorrer durante a partida de Rafas utilizados para tratamento de esgotos domésticos.

    O Tratamento

    Não se espere que através de um Rafa ou um TS-FAN se obtenha um efluente completamente depurado como se poderia esperar de um sistema de lagoas de tratamento ou um sistema de lodos ativados associado a decantadores, digestores e tanques de aireação mecânica.

    Qualquer sistema anaeróbio, como foi dito, promove apenas um tratamento primário reduzindo a quantidade de matéria orgânica contida nos esgotos e clarificando a água devido a:

  • Retenção dos sólidos inorgânicos na caixa de areia que DEVE ser colocada a montante do Rafa.

  • Descomposição e degradação dos sólidos solúveis e voláteis.

    A eficiência de um rafa se mede portanto comparando os percentuais de matéria orgânica e sólidos reduzidos durante o tratamento (antes e depois do Rafa).

    Para quantificar a carga orgânica pode-se usar a DBO (demanda bioquímica de oxigênio) e/ou a DQO (demanda química de oxigênio).

    DBO: É a matéria orgânica biodegradável. Representa a quantidade de oxigênio que será consumida (demanda) pelas bactérias que proliferarão a partir do lançamento do material no corpo de água.

    O oxigênio é dissolvido na água a través de agitação superficial provocada pelas ondas (vento), chuvas e durante a fotossínteses das algas e plantas aquáticas, esse oxigênio é o que mantém o corpo de água vivo, os peixes precisam acima de 3 mg/l de oxigênio molecular (O2) dissolvido para respirar, enquanto as bactérias aeróbias só precisam 1 mg/l ou até menos. Quando se jogam esgotos in natura ou deficientemente tratados nos corpos de água se favorece o crescimento indiscriminado de bactérias que consomem o oxigênio além da capacidade de reposição natural, provocando desta maneira uma diminuição no teor de oxigênio dissolvido aquém das necessidades dos peixes levando estes à morte por asfixia (viu? por incrível que pareça peixe também morre afogado mesmo dentro da água).

    A reposição de oxigênio também é prejudicada pelo enturbamento da água devido aos sólidos contidos nos esgotos o que dificulta a fotossínteses.

    DBO5: É a DBO quantificada através de um ensaio padrão no qual se faz um cultivo (inoculação) com o material estudado e se avalia o consumo de oxigênio (oxidação bioquímica) após 5 dias.

    DQO: É a quantidade de oxigênio necessária para oxidar quimicamente a matéria orgânica e inorgânica. O teste usado para quantificar a DQO determina a quantidade de matéria oxidada quimicamente através de um agente oxidante numa solução feita com o material em estudo.

    Em termos de valores absolutos, a DQO sempre será maior que a DBO já que esta última diz respeito só da oxidação biológica (material biodegradável) enquanto que a DQO determina a oxidação de todo o que pode ser queimado, desde material orgânico até metais dissolvidos ou combinados na água. Os sistemas anaeróbios de tratamento só reduzem material biodegradável, por tanto o que interessa é a redução de DBO, porém devido a rapidez do ensaio da DQO (poucas horas) perante o da DBO5 (cinco dias), geralmente o parâmetro usado para acompanhar o funcionamento de uma estação de tratamento é a DQO. Não entanto, para cada caso (tipo de efluente) se deve estabelecer a relação DQO/DBO de entrada e saída fazendo periodicamente ensaios de DBO e comparando-os com a DQO da mesma amostra.

    Para esgotos domésticos a relação DQO/DBO no afluente é da ordem de 1,60 a 1,70 e no efluente 2,00 a 3,00 (note-se que a remoção de DBO é maior já que o material que não é biodegradável praticamente no se oxida na biomassa).

    Por exemplo, um reator alimentado exclusivamente com esgotos domésticos de 10.000 habitantes poderá ter (isto é apenas um exemplo):

    DQO afluente: 0,090 kg/habitante.dia x 10.000 hab = 900 kg DQO / dia.

    DBO afluente: 0,054 kg/habitante.dia x 10.000 hab = 540 kg DQO / dia.

    DQO efluente: 270 kg DQO / dia - Redução 70 %.

    DBO efluente: 108 kg DQO / dia - Redução 80 %.

    Esgotos Domésticos x Efluentes Industriais

    O projeto de reatores destinados a esgotos domésticos ou a efluentes industriais é conceitualmente o mesmo, porém como as características dos efluentes são bem diferentes, os métodos de cálculo também o são.

    Os efluentes industriais tem concentrações de matéria orgânica que podem ser 5 a 15 vezes maior que os esgotos domésticos e muitas vezes vem com substâncias tóxicas às bactérias anaeróbias o que obriga a um pre-tratamento mais criterioso (e caro); nos esgotos domésticos, o pre-tratamento se limita a gradeamento de sólidos grosseiros e caixa de areia.

    Para tratamento de efluentes industriais, o volume (tamanho) do reator virá dado pela carga orgânica volumétrica que deve ser menor que 3.0 a 15.0 kg DQO / m3 de reator x dia, devendo-se adotar o limite menor para obter eficiências maiores.

    Devido à baixa concentração, o volume (tamanho) de um reator destinado ao tratamento de esgotos domésticos virá dado pela carga hidráulica volumétrica que deve ser menor que 4.0 m3 de efluente / m3 de reator x dia (equivalente a um tempo de detenção de: 24hs / 4 = 6hs). Respeitando esse limite hidráulico, a carga orgânica volumétrica sem duvida ficará abaixo de 2.0 kg DQO / m3 de reator x dia.

    Não é recomendável a utilização de Rafas para populações muito pequenas já que o sistema é muito sensível às variações de vazão; em sistemas pequenos as diferenças entre vazão mínima e máxima é maior que em sistemas grandes.

    É aconselhável projetar o sistema com dois ou mais reatores em paralelo para facilitar o gerenciamento das vazões durante a partida e permitir o fechamento de um deles para eventuais trabalhos de manutenção.

    No Brasil, devido às temperaturas medias serem elevadas não ha necessidade de pre-aquecimento do afluente nem do lodo.

    O leito de secagem para o lodo produzido deve ser projetado com duas células tendo no total 1.50 - 2.00 m2 para cada 100 habitantes atendidos. O tamanho estará influenciado também pelo clima sendo necessário um leito maior para regiões mais frias.

    Como a remoção de patogênicos num sistema anaeróbio não é eficiente, dependendo das características do corpo receptor, pode ser necessária a colocação de um sistema de cloração para desinfetar o efluente tratado. O tanque de contato deve ser projetado para um tempo de detenção de 20 - 40 minutos (para a vazão media de projeto). A dosagem de cloro deve proporcionar aproximadamente 5.0 ppm de cloro livre no efluente do tanque de contato, esto se consegue dosando aproximadamente 10 mg de cloro ativo / lt de efluente por dia.

    O hipoclorito de sódio (cloro liquido) libera de 8 a 12 % em massa, de cloro ativo, em quanto o hipoclorito de cálcio (cloro granulado) libera de 60 a 70 % em massa de cloro ativo. Embora seja mais prático o manuseio de cloro granulado, o custo de cloração usando esta alternativa é superior ao dobro em relação ao hipoclorito de sódio.

    Hipoclorito de sódio: 0,15 R$ / habitante x mês - Despesas com cloro (*).

    Hipoclorito de cálcio: 0,34 R$ / habitante x mês - Despesas com cloro (*).

    (*) Previsão de custo para desinfeção de três sistemas construídos em Fortaleza - CE:.

    - Paupina e Itaperi: Rafas para 5040 habitantes.

    - Lagoa Redonda TS-FAN para 1600 habitantes.

    Leituras Recomendadas

    "Sistemas Simples para Tratamento de Esgotos Sanitários - Experiência Brasileira" - Cícero Onofre de Andrade Neto. Excelente trabalho que descreve os sistemas simples de tratamento de esgotos e faz uma revisão da experiência brasileira baseada numa pesquisa patrocinada pela Caixa Econômica Federal nos anos 1993 e 1994, é por tanto uma publicação atualizada. Cita também uma ampla referência bibliográfica na qual se destaca:

    "Tratamento Anaeróbio de Esgotos. Um Manual Para Regiões de Clima Quente" - Adrianus C. van Haandel e Gatze Lettinga


    Visite a Página Inicial e veja na seção de Saneamento algumas matérias selecionadas da Internet. Veja também na seção de Downloads um programa para pre-dimensionamento de Rafas retangulares, o UasbWare, freeware desenvolvido na Universidade Federal de Minas Gerais. Este programa inclui um excelente sistema de ajuda que explica muitos conceitos sobre o Rafa e o tratamento anaeróbio de esgotos.


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