Capítulo 8: Refúgio
Ryu corria, tentando, a todo custo,
manter-se à distância dos cinco youmas que o perseguiam. Nenhum deles era
realmente poderoso, mas eles não precisavam de poder para avisar Lethe da
região onde os quatro selenitas fugitivos estavam. Especialmente considerando
que Ken não aceitaria mover Kyoko para outro hospital tão cedo. Matar os seus
perseguidores não adiantaria nada, uma vez que confirmaria que ele e os outros
três estavam na região onde aqueles youmas patrulhavam... Ele precisava que
eles sobrevivessem, e que dissessem que os quatro selenitas estavam em outro
lugar.
Logo, o líder dos Dragon Kishi estava correndo em direção ao castelo
dos youmas, onde a Juuban High um dia esteve. Seu corpo protestava com cada
movimento, e sua velocidade estava muito abaixo daquela que ele teria
transformado. Os Dragon Kishi eram selenitas com corpos levados aos seus
limites; Ryu era um híbrido de kalyriano e humano levado aos seus limites.
Quase não havia comparação.
Os youmas, ele notou vagamente, iriam alcançá-lo em pouco tempo.
Decidindo que os quase trinta minutos que dera a Ken deviam ser o
suficiente, Ryu entrou no primeiro prédio que encontrou, correndo pelos
estreitos corredores. Ele ouviu os youmas fazerem o mesmo, e respirou fundo. Ia
ser mais difícil que ele imaginou.
Em pouco tempo, as escadas entraram no seu campo de visão. Sem diminuir
sua velocidade, ele subiu-as, sentindo com sua Ligação que os youmas fariam o
mesmo em pouco tempo. Logo, tinha chegado no primeiro andar. Sem parar para
respirar, Ryu continuou subindo.
As escadarias eram circulares, e janelas apareciam periodicamente em uma
de suas paredes. Em uma delas, Ryu parou, enfiou a cabeça para fora, e
rapidamente examinou o exterior do prédio. Um pequeno sorriso apareceu no seu
rosto, e ele voltou a subir, sentindo os youmas mais próximos que nunca.
No décimo andar, ele não subiu as escadas. Parando por um instante para
se orientar, ele correu para uma das portas à esquerda das escadarias e
chutou-a com força. A fechadura cedeu, e a porta abriu para dentro com um
estrondo. Ryu começou a correr para dentro, ouvindo os sons dos youmas poucos
metros atrás de si.
Respirando fundo, ele saltou através da janela que ficava exatamente
diante da porta.
Pedaços de vidro quebrado voaram para todos os lados, e, por um momento,
Ryu sentiu uma estranha sensação de leveza. Sua mão esquerda agarrou a borda
vertical da janela, e ele sentiu alguns pedaços de vidro cortando sua mão.
Ignorando a dor, ele manteve-se agarrado. Seu corpo, ao invés de continuar para
frente, virou-se bruscamente, e uma dor intensa surgiu no seu ombro.
Exatamente como ele vira na janela das escadas, uma calha descia o prédio
a menos de dois metros das janelas.
A mão direita de Ryu agarrou o cano, enquanto sua mão esquerda
permaneceu firme na batente da janela. Abraçando-se contra a parede do prédio,
ele olhou brevemente para baixo. A queda era grande.
Menos que cinco segundos depois dele ter se pendurado no lado de fora do
prédio, três youmas saltaram para fora da janela por onde ele acabara de
passar. Permitindo a si mesmo o luxo de um sorriso, ele observou três de seus
perseguidores gritarem enquanto caíam para o que seria morte certa para eles.
Então, um quarto youma enfiou a cabeça para fora da janela, e olhou
diretamente para ele.
Xingando a si mesmo, Ryu soltou a batente da janela e segurou-se na calha,
escorregando por ela. O metal estava gemendo, e era óbvio que não suportaria
seu peso por muito tempo. A fricção do metal áspero do cano contra os cortes
na sua mão esquerda criavam uma sensação extremamente desagradável, mas ele
ignorou-a. Não era tão difícil quanto era ignorar o vazio que a morte de
Minako causou.
Um novo gemido surgiu do cano, dessa vez bem mais alto. Ryu arriscou uma
rápida olhada para cima, e viu que um dos youmas também descia pela calha. Em
seguida, o Dragon Kishi olhou para baixo. Faltavam apenas três ou dois andares
para o chão.
O cano, com outro som, começou a se afastar da parede do prédio. O youma
gritava de medo, e Ryu sentiu seu estômago se contrair. Ainda faltavam uns sete
metros até o chão. Fechando os olhos, ele soltou-se do cano.
O impacto causou um breve surto de dor, mas suas pernas ainda se mexiam.
Nada quebrado, ele concluiu com alívio. Como Dragon Kishi, ele poderia ter
caído de duas vezes aquela altura sem problemas. O youma que estivera descendo
atrás dele, por outro lado, ainda estava se recuperando do impacto.
Ryu lançou um rápido olhar ao seu redor, e concluiu que estava no
estacionamento do prédio. A maioria dos carros não estava lá, mas as marcas
no chão tornavam óbvia a utilidade daquele espaço.
Respirando fundo, ele voltou a correr, dessa vez em direção ao muro que
separava aquele prédio do seguinte. Ele saltou, mas ainda teve que segurar-se
na beira da parede, erguendo seu corpo com os braços para passar por cima dela.
Ryu olhou ao seu redor, tentando pensar num jeito de despistar os dois
youmas que certamente viriam atrás dele. Os olhos vermelhos do kalyriano
pararam em uma tampa metálica no chão do prédio, e ele sorriu.
Quando os dois youmas saltaram por cima do muro que dividia os terrenos
dos dois prédios, não havia ninguém lá. Um deles farejou suspiciosamente o
ar, e olhou ao seu redor. O segundo youma rapidamente notou a tampa de esgoto
aberta, e apontou. Os dois saltaram lá dentro.
O Dragon Kishi da Lua saiu de trás de um dos únicos carros presentes, e
balançou a sua cabeça. Sem perder tempo, ele correu para fora do prédio,
depois começou a cautelosamente caminhar para o hospital onde Ken, Akai e Kyoko
estavam.
****
Ken esfregou um pedaço de pano na
sua própria testa, retirando o suor que se acumulara lá. Ele olhou para a sua
companheira de equipe, que jazia na cama em sua frente, e sorriu satisfeito.
Ataduras brancas envolviam diversos pontos do corpo de Kyoko, e ela estava
vestindo uma camisola larga, muito frequentemente encontrada em pacientes de
hospitais. Apropriado, uma vez que ela estava em um hospital.
O sorriso desapareceu do rosto de Ken. Mesmo estando num hospital, com
todos os materiais necessários para fazer curativos simples nos ferimentos da
Dragon Kishi de Vênus, o tratamento estava longe daquele que poderia ter sido
dado por um médico qualificado. Ken não gostava de admitir ignorância em
qualquer área, mas ele sabia quando uma tarefa estava além de suas
habilidades.
Ele costurou todos os ferimentos no corpo da loira, mas sabia que isso
não seria o suficiente. E Ken não se atrevia a operá-la sem um profissional
para guiar seus passos. Ou para fazer a operação.
Então, ele estava sentado num dos consultórios da Clínica Nova Akasaka.
O hospital era razoavelmente grande, e Ken já havia encontrado suprimentos
suficientes para duas ou três semanas.
Claro, eles não teriam como ficar três semanas no mesmo lugar.
O Kishi do Vento olhou para sua esquerda, notando que Akai ainda estava
sentada na única janela do quarto, olhando vagamente para o céu. Por um breve
instante, ele pensou em tentar começar uma conversa com a ruiva, mas desistiu
da idéia. Ela não respondera às suas dez últimas perguntas, e não
começaria a fazê-
lo naquele instante. Ele se levantou e começou a caminhar para o banheiro,
intento em tomar um banho.
- Ryu está demorando. - Akai informou-o.
Ken piscou, e virou-se para a ruiva. Ela tinha descido da janela e sentado
numa cadeira ao lado da cama de Kyoko, para quem olhava. Sem desviar sua visão
da loira, ela repetiu:
- Ryu está demorando.
O Kishi olhou para um relógio que estava pendurado em cima da porta, e
fez que sim. Eles tinham chegado ao hospital uma hora e meia antes, e Ryu tinha
se separado deles antes disso.
- Eu vou procurar ele. - Ken falou, virando-se para Akai.
- Não precisa.
Akai e Ken voltaram-se rapidamente para a porta. Ryu estava lá, com uma
expressão neutra em seu rosto. A sua mão esquerda estava sangrando, deixando o
líquido vermelho pingar no chão.
- Os youmas? - Ken perguntou.
- Despistei. - foi a resposta.
- Temos que cuidar desse corte. - o Kishi do Vento falou, apontando para a
ferida na mão do kalyriano.
- Depois. - Ryu respondeu, depois entrou no banheiro. O som da porta sendo
trancada era claro, seguido por um de um chuveiro funcionando.
- Já que insiste. - Ken murmurou, olhando para a porta do banheiro. Seu
estômago roncou, e ele decidiu que iria comer algo antes de lavar-se.
****
Akai não moveu um músculo quando
Ken deixou o quarto. Seus olhos verdes permaneceram presos à bela face de
Kyoko. Ou, ao menos, uma face que fora bela pouco tempo antes. Tão pouco tempo,
ponderou Akai, mas parece uma vida inteira. Ela estava fazendo muita
ponderação recentemente. Estranho, ela pensou, como as coisas que amamos podem
ser quebradas facilmente.
O cabelo loiro de Kyoko estava curto. Outra das obras dos torturadores.
Das muitas obras.
A respiração da Venus Dragon fraquejava e era inconstante, como se cada
inspiração fosse uma luta. E Akai não duvidava que fosse. Kyoko fora
torturada por dias. Ela própria não sabia se teria aguentado o tratamento que
a loira recebera.
O som do chuveiro desapareceu, mas Akai não deu importância a isso. Nada
era realmente importante, afinal. Pouco depois, a porta do banheiro se abriu, e
Ryu saiu, com uma toalha enrolada na parte inferior do seu corpo, e sua katana
em uma das mãos. O cabelo dele estava solto, e caía como uma capa sobre suas
costas, alcançando seus joelhos.
- Vocês pegaram roupas? - ele questionou.
Akai fez que sim, e apontou silenciosamente para o armário do quarto.
Ryu caminhou até o local indicado, e abriu-o. Ele olhou para dentro por
alguns instantes, depois tirou algumas peças de roupa, caminhando para dentro
do banheiro. A porta fechou-se, mas ele não se incomodou em trancá-la. Akai
continuou olhando para Kyoko, absorvida em seus próprios pensamentos.
Finalmente, a porta do banheiro se abriu, e Ryu saiu de lá.
- Akai. - ele chamou.
Ela ergueu os olhos. O líder dos Dragon Kishi estava vestindo uma calça
jeans azul e uma camiseta negra. Seu cabelo estava amarrado, mesmo que ainda
estivesse molhado. Sua mão ainda sangrava, mas não parecia um ferimento tão
feio quanto antes.
- Vai comer alguma coisa, Akai. - ele falou, sua voz baixa. - Eu preciso
ficar com Kyoko sozinho um pouco.
A ruiva simplesmente fez que sim, depois saiu. Ryu observou a porta que
acabara de fechar-se por alguns instantes, depois sentou na cadeira onde Akai
estivera pouco antes. Ele pegou um rolo de ataduras e alguns pedaços de gaze
que Ken não chegou a utilizar quando fez os curativos de Kyoko, e começou a
cuidadosamente prender as gazes contra seu ferimento, enrolando um pedaço das
ataduras ao redor de sua mão, tomando cuidado para deixar todos os dedos livres
e móveis.
- É estranho, Kyoko-chan. - ele murmurou cansadamente. Os olhos dele
ficaram tristes, e a máscara de frieza que ele assumira desde que ele e os
outros escaparam das garras de Lethe desapareceu. - E não é justo.
Lágrimas tentaram se formar nos olhos avermelhados de Ryu, mas controlá-
las já era uma segunda natureza para ele. Mesmo assim, a respiração dele
mudou sutilmente, e sua voz ficou mais carregada:
- Num momento eu acho que tudo vai dar certo. Que a gente derrotou Garot,
que as Senshi estavam todas vivas e esperando a gente aqui na Terra. - ele
abaixou a cabeça um pouco. - Minako nunca tinha parecido mais linda pra mim. -
ele confessou, terminando o seu curativo. Ele pegou um pedaço de esparadrapo e
prendeu firmemente as ataduras. Ele cerrou o punho algumas vezes para testar a
mobilidade, e, satisfeito com o resultado, colocou o resto das ataduras na mesa,
ao lado do lugar onde ele largara o esparadrapo.
Balançando sua própria cabeça, Ryu pegou sua katana pela bainha,
segurando-a perto da guarda. Ele observou o kanji no cabo, seus olhos seguindo
silenciosamente os traços que o formavam. Iluminado, ele sabia que significava.
Talvez abençoado fosse uma interpretação mais exata. Ele não se sentia
iluminado ou abençoado naquele momento. Nunca se sentira, na verdade.
Fechando os olhos e abrindo sua mão direita, com a palma apontada para
cima, ele invocou a Luz. Era difícil, como ele esperava. Quando antes ele tinha
que puxar a energia por um buraco do tamanho do seu punho, agora ele precisava
fazê-la passar por um orifício do tamanho da ponta de um alfinete. Ele não
tinha dúvidas que não poderia fazer algo útil com seus poderes, mas sentir a
pequena quantidade de poder fluir quase imperceptivelmente por ele, rumando para
sua mão direita, era como ser lembrado de que ele ainda vivia. Um ponto
luminoso apareceu acima da sua palma, e o Dragon Kishi abriu seus olhos. Ele
não conseguia fazer o ponto virar uma esfera, mas sabia que o que estava
fazendo era bem acima do que humanos normais poderiam sonhar em fazer.
A magia de Serenity, porém, o prendia como um humano com o poder de um
Afastado fraco. Não, ele pensou. Um híbrido com o poder de um Afastado fraco.
Ele deixou sua concentração se desfazer, e o ponto de luz sumiu.
Novamente, ele ergueu sua espada, olhando para o kanji. Ele pressionou seu dedo
contra a guarda da espada, e encontrou uma breve resistência, que logo
desapareceu, acompanhada por um som característico. Empurrando um pouco mais,
ele deixou que alguns centímetros da lâmina saíssem da bainha. A espada tinha
a marca d'água característica de todas as espadas correndo perto da lâmina,
mas ele não conseguia ver tantas falhas quanto era esperado numa espada feita
na Idade Média japonesa. Talvez os Satori não tivessem sido um clã pequeno
séculos antes. Um riso fraco escapou da sua garganta, enquanto ele balançava
sua própria cabeça. Não, definitivamente eles não teriam sido. Uma família
de guerreiros híbridos teria tido uma vantagem grande sobre os seus oponentes,
e com certeza teria atraído o olho dos senhores mais poderosos do Japão.
E ele era um dos dois últimos sobreviventes dessa família. Ele e Rei.
Suspirando, Ryu retornou os centímetros de lâmina à bainha, e se
levantou da cadeira onde sentava. Ele caminhou até a janela, e falou, sem olhar
para Kyoko:
- Eu, Satori Ryu, com uma irmã. E um pai e um avô. - ele balançou a sua
cabeça. Ia ser difícil se acostumar com a idéia de não ser mais um órfão.
Um sorriso quase apareceu no rosto dele, até ele suspirar. - Como será que Rei
vai reagir à morte dos outros? - ele parou por um momento, depois olhou para o
céu. Já estava começando a escurecer. - E Usagi?
- Não tão mal quanto você está reagindo.
Ryu virou-se para Kyoko, curvando-se levemente enquanto afastava suas
pernas, automaticamente agarrando o cabo de sua katana e preparando-se para
sacá-la. Suas emoções novamente estavam escondidas sob uma máscara de
frieza, seus olhos duros.
Kyoko estava com a cabeça virada para ele, seus olhos verdes olhando
tristemente na sua direção. O líder dos Dragon Kishi relaxou, e endireitou
sua postura, logo caminhando até a cadeira onde esteve antes. Ele sentou-se,
colocando a espada no seu colo.
- Eu dei trabalho, não dei? - a loira perguntou, sorrindo fracamente.
- Deu. - Ryu respondeu friamente. - Não muito, mas deu.
Kyoko suspirou, e relaxou contra o travesseiro que estava sob sua cabeça:
- Akai não vai estar bem.
- VOCÊ não está bem. - Ryu corrigiu. - Akai está ótima.
- Não. - Kyoko respondeu, tentando balançar sua cabeça. Ela quase não
conseguiu. - Akai está pior que eu. - ela olhou para Ryu por um momento, depois
tentou respirar fundo, antes de continuar. - Você pode pedir para Akai vir até
aqui? Eu tenho muito que conversar com ela.
O Dragon Kishi da Luz se ergueu:
- Hai.
Ele silenciosamente caminhou até a porta, abrindo-a e fechando-a sem
fazer um som sequer. Kyoko finalmente se deu o luxo de respirar sonoramente,
tentando ignorar a dor que diversas partes do seu corpo estavam mandando para
seu cérebro.
****
Ken suspirou, olhando para Akai.
A sua companheira de equipe estava comendo mecanicamente, forçando comida
em sua boca como um robô faria tal tarefa. Os olhos dela pareciam, como sempre,
fixos em algo que apenas ela mesma podia ver.
Ele estava começando a ficar realmente preocupado com Akai. E com Ryu, na
verdade. Os dois estavam falando pouco, e pareciam estar reagindo mal aos
acontecimentos recentes. Ele próprio sabia que ainda passaria muitas noites
ouvindo os gritos de Mamoru, ou vendo o corpo de Shippu se desfazer no meio de
um mar de eletricidade, mas também sabia que eles estavam além do seu alcance.
Ken suspirou, e olhou para a superfície do chá que ele estava tomando. O
líquido transparente e marrom mostrava o reflexo do seu rosto, retornando o
olhar. O Dragon Kishi tentou imaginar um jeito de tirar Akai da depressão em
que ela se encontrava, mas não conseguia.
Então, a porta da cozinha abriu-se.
- Kyoko acordou. - Ryu falou, sua voz desprovida de qualquer emoção. -
Ela quer conversar com Akai.
Os olhos de Akai acenderam como lâmpadas, e ela levantou-se, correndo em
direção à porta. Ryu deu um passo para o lado, dando espaço para a ruiva
passar. Ken observou isso com um sorriso, e também se levantou:
- Acho que elas não vão se importar se eu for pegar minhas roupas, vão?
- Pergunte pra elas. - Ryu respondeu, caminhando para a geladeira.
Ken manteve seus olhos nas costas do seu amigo por alguns intantes, depois
saiu pela porta. Os corredores do hospital estavam escuros, na esperança de
tornar mais difícil a busca dos youmas pelo esconderijo dos quatro Dragon
Kishi.
A atmosfera levemente sinistra da clínica abandonada parecia não
incomodar Akai, mas Ken sabia o quanto ele se sentia mal naquele lugar. Os
quartos vazios, as camas desocupadas e as máquinas ainda ligadas, mas
desconectadas de qualquer paciente davam uma sensação única ao ambiente.
Quase como um filme de horror.
Alguns minutos depois, ele e Akai estavam do lado de fora do quarto de
Kyoko. Sem se incomodar em bater, a ruiva entrou, com um sorriso nos seus
lábios. Ken seguiu-a, permitindo que seus lábios se curvassem para cima.
- Kyoko-chan! - Akai exclamou, com lágrimas em seus olhos.
- Que bom que você está melhor, Kyoko-chan. - Ken falou, rumando para o
armário. - Eu só vou pegar minhas roupas, e depois deixo vocês duas sozinhas.
A loira fez que sim com dificuldade, lembrando Ken da sua condição
física. Silenciosamente, o Dragon Kishi do Vento escolheu algumas peças de
roupa do armário, depois saiu do quarto, suspirando.
Ken caminhou até o quarto vizinho, e entrou, examinando os arredores mais
por hábito que por preocupação. Depois, ele foi até o banheiro, e trancou a
porta.
****
Os olhos de Ryu pareciam pesados,
como se quisessem fechar. Ele estava com o estômago cheio pela primeira vez em
quase uma semana, e seu corpo estava vendo isso como um sinal de que era hora de
descansar.
Bocejando, ele se levantou. Sem prestar muita atenção no que estava
fazendo, ele levou seus pratos para a pia, e colocou-os lá dentro, junto com os
de Ken e de Akai.
Em seguida, ele saiu da cozinha, caminhando pelos corredores escuros do
hospital até o quarto de Kyoko. Ryu parou por um segundo na frente desse
quarto, ouvindo as vozes das duas Dragon Kishi. As vozes estavam baixas, então
ele não conseguia entender o que estava sendo dito.
Decidindo que não tinha motivos para entrar lá, ele caminhou até o
quarto vizinho, notando que o chuveiro estava ligado. Com um suspiro resignado,
ele foi até o quarto adjacente a esse, e entrou. Ele olhou rapidamente ao
redor, depois fechou as cortinas, notando, vagamente, que a Lua brilhava no
céu.
Bocejando novamente, ele deitou-se na cama daquele quarto, rapidamente
adormecendo.
****
Quando sua consciência retornou,
Ryu percebeu, quase imediatamente, que não tinha realmente acordado. Não era
ele que controlava o corpo que ele habitava, mas sim, Silver, sua encarnação
anterior. Não era a primeira vez que Ryu se encontrava nessa situação, mas a
sua experiência anterior não tornava a sensação menos desconfortável.
Silver estava caminhando pela Floresta Real da Terra. Ryu podia sentir
pelos movimentos do corpo que sua encarnação passada tinha crescido. Um ou
dois anos, se seu palpite estivesse correto. Os olhos de Silver rapidamente
foram para o chão, a tempo de desviar seu pé de algumas raízes que quase
fizeram-no tropeçar. Ryu pôde ver as roupas que Silver vestia, e ficou um
pouco impressionado. Ele estava vestindo uma camisa cinza com detalhes em
dourado, e calças negras que não pareciam ter ficado meses sem lavar. As botas
também estavam novas, e um manto cinza-escuro cobria-o. A sua espada, Ryu
notou, ainda estava presa à sua cintura por um cinto negro.
- Eu não acredito nisso. - Ryu ouviu alguém falar.
Silver virou-se para o seu companheiro, e sorriu um pouco:
- Não é tão ruim, Whisper.
Whisper, a encarnação anterior de Kazeno Ken, estava vestindo roupas
tão arrumadas quanto às de Silver, preferindo, porém, tons de marrom e verde.
Ele também não carregava arma alguma consigo. O rosto dele não tinha a mesma
maturidade que o de Ken, mas seu cabelo era tão comprido quanto o de sua
versão futura.
- Não é ruim, Silver. Mas você consegue imaginar o que vai acontecer
quando Eclypse-sama descobrir que você está namorando uma Afastada da cidade?
Ryu sentiu seus ombros se mexerem:
- Não sei qual é o problema. - Silver respondeu, sorrindo de leve. -
Não é como se nós tivéssemos noivados arranjados, ou algo assim.
- Mas isso PODE acontecer, amigo. - Whisper respondeu, balançando sua
cabeça. - Especialmente com você.
- Comigo? - Silver perguntou, confuso.
Ryu sabia exatamente o que Whisper queria dizer. Silver, porém, não
tinha idéia do que seu melhor amigo estava falando.
- Exato. - Whisper falou. - Você é um híbrido com uma Ligação forte,
e um Elemental da Luz! E um futuro Dragon Kishi, para terminar! Imagine o poder
que uma família real ganharia se você adentrasse nela...
- Isso é besteira. - Silver falou, balançando sua cabeça. - Todos sabem
que o elemento dos pais não é o que determina a afinidade dos filhos.
Whisper fez que sim:
- Verdade. Mas VOCÊ próprio seria uma vantagem para algumas Casas.
Silver ficou em silêncio, e Ryu podia sentir que o bom humor do Dragon
Kishi tinha desaparecido completamente. Whisper aparentemente notou isso
também, e sorriu fracamente:
- De qualquer jeito, como é o nome dessa garota que você está indo
visitar?
- Aruma, Whisper. - Silver falou, com um pequeno sorriso. - Aruma N'Doch.
- Parece que foi uma queda dura para você, meu amigo. - Whisper comentou.
- Se foi. - Silver admitiu. Ele franziu a testa, e olhou para Whisper, um
pouco preocupado. - Será que eu não Reconheci ela?
O futuro Kishi do Vento balançou sua cabeça:
- Acho que não. A menos que você tenha sentido um impulso forte e
incontrolável de ter relações com ela, acredito que não seja o caso.
Silver fez que sim, aliviado. Ryu, por outro lado, estava um pouco
desapontado consigo mesmo. Ele tinha esquecido completamente do Reconhecimento.
Eclypse fizera o melhor para educá-lo nas peculiaridades da raça kalyriana, e
esse foi um dos primeiros temas abordados. Vagamente, Ryu se perguntou porque
não Reconhecera Minako.
Quando o Dragon Kishi voltou a prestar atenção aos arredores, ele
percebeu que Silver e Whisper tinham chegado na cidade. Havia uma multidão
considerável reunida ao redor da praça central, mas nenhuma música. Silver
relaxou. Eles não estavam atrasados.
- Vamos. - ele falou, caminhando.
- Hai, hai. - Whisper falou resignadamente.
Os rostos de muitos dos habitantes daquela cidade eram conhecidos para
Silver, e Ryu sentia as suas próprias memórias despertando. Ele visitava Aruma
todo mês, e ela fez questão de apresentá-lo a todos seus conhecidos. Nenhum
deles parecia se incomodar com o fato dele ser um híbrido, mas mais que metade
das pessoas se espantava quando Aruma revelava que ele seria um Dragon Kishi.
- Olá, Silver-san. - um dos homens falou, notando a aproximação do
jovem Dragon Kishi.
O homem era o ferreiro da cidade. Apesar de grande e forte como um youma,
ele não tinha coragem de machucar uma mosca sequer. Ryu sorriu mentalmente,
satisfeito com suas próprias lembranças.
- Gavriel-san. - Silver respondeu, se curvando. - É um prazer rever o
senhor.
O homem soltou uma gargalhada sonora:
- Eu que devia estar me curvando, Dragon Kishi Silver.
- Eu ainda não sou um Dragon Kishi, senhor. - Silver respondeu, sorrindo.
- Só um aprendiz.
- Sei disso, Silver-san. - Gavriel respondeu. - Mas também sei que o dia
em que se tornará um está próximo. - ele virou-se para Whisper, e sorriu
amistosamente. - E quem é seu amigo?
- Este é Whisper, Gavriel-san. Ele é o aprendiz de Twister-sama.
- Um prazer, senhor. - Whisper curvou-se.
- O futuro Earth Dragon? - Gavriel falou, um pouco surpreso. - É um
prazer tê-lo aqui, Whisper-san.
Ryu brevemente desligou sua atenção dos arredores, quando notou que as
outras pessoas estavam se aproximando para cumprimentá-lo. Ao invés disso, ele
deixou sua Ligação se expandir, examinando mais profundamente os arredores.
Sua memória não era clara, mas ele sabia que algo de importante acontecera
naquele dia. Então, ele sentiu. A cabeça de Silver não iria virar para
encarar o que ele sentiu, mas Ryu era capaz de apontar diretamente para o youma
que estava na multidão.
Então, a atenção de Ryu retornou aos seus sentidos mais convencionais,
quando ele sentiu os pensamentos de Silver calarem-se subitamente. Um pouco à
frente dele, estava Aruma. Se ela era bonita antes, ela tinha se tornado linda
nos poucos anos que se passaram. O vestido que ela estava usando era mais formal
que aquele no qual Silver viu-a pela primeira vez. O motivo ficou logo claro
para Ryu: era o décimo-quinto aniversário de Aruma. Enquanto a festa de quinze
anos do século XX não possuía um significado mais profundo, durante o
Milênio de Prata, era a idade em que as mulheres passavam a ser independentes
de seus pais. Ao menos, no sentido de tomar decisões que pudessem afetar sua
própria vida.
- Aruma... - Silver murmurou, ainda chocado.
Se Ryu pudesse rir, ele teria feito-o.
- Realmente, ela não é das piores. - Whisper murmurou para Silver, quase
rindo da reação de seu amigo.
Silver virou-se brevemente para Whisper, depois retornou o sorriso:
- Ela não é mesmo, é?
- Silver! Você veio! - Aruma falou, sorrindo abertamente e caminhando na
direção do aprendiz de Dragon Kishi.
Ele fez que sim, ainda mantendo um sorriso nos seus lábios. Ryu suspirou
dentro da mente de Silver. Ele podia contar nos dedos as ocasiões em que
sorrira tanto quanto Silver estava sorrindo naquele dia.
- Claro. - Silver respondeu, como se estivesse falando de algo sem grande
importância. - Eu disse que viria, não disse?
Aruma aparentemente não ligava muito para a atitude do outro híbrido, e
abraçou-o por um momento, gerando alguns comentários ao redor do casal. Ela se
afastou dele, ainda sorrindo:
- Fique à vontade. A festa só começa à noite. - ela olhou para Whisper
por um momento. - E você deve ser Whisper Eonraid, de quem Silver tanto fala,
certo?
- O próprio.- Whisper falou, se curvando. - Devo dizer que ele também
menciona-a constantemente.
Ryu sentiu o rosto de Silver esquentar, e riu.
- Nos veremos à noite, então? - Silver perguntou.
- Na festa. - Aruma completou, fazendo que sim. - Não falta muito para o
pôr-do-Sol.
Os aprendizes observaram em silêncio enquanto Aruma caminhava para sua
casa, provavelmente onde ajudava a preparar um dos muitos pratos que seriam
servidos na comemoração.
****
Os olhos vermelhos de Ryu se
abriram subitamente, sua consciência tendo retornado completamente. Ele levou
apenas alguns segundos para descobrir o que fez com que ele acordasse, e menos
que isso para levantar-se da cama.
Ele abriu um pouco a cortina do quarto onde estava, e olhou para fora. A
cidade estava escura. Ele franziu sua testa, e caminhou para o banheiro do seu
quarto, apertando o interruptor. A luz não acendeu. Os cantos de sua boca
viraram para baixo, e o Dragon Kishi voltou para a janela, dessa vez observando
as ruas com mais cuidado. Haviam vultos lá embaixo.
Sem falar nada, ele saiu do quarto correndo, rapidamente dirigindo-se até
os aposentos onde Ken se encontrava. Ele abriu a porta, e falou:
- Acorde.
Os olhos de Ken se abriram, e ele piscou algumas vezes, antes de sentar-se
na cama com um bocejo:
- Que houve, Ryu?
- Youmas. - ele falou.
Antes que o líder dos Dragon Kishi terminasse de pronunciar a palavra,
Ken estava colocando um par de calçados. Ele olhou para Ryu, esperando por uma
explicação mais profunda da situação.
- Eles desligaram a eletricidade da região. - o kalyriano falou. - E
alguns deles estão na frente do prédio. Acorde Akai e Kyoko.
Ken fez que sim, e correu para fora do seu quarto. Ryu voltou para seus
próprios aposentos, calçou o par de tênis que ele deixara ao lado da cama e
pegou sua espada. Feito isso, ele caminhou até a janela, e olhou para baixo. Os
youmas ainda estavam na frente do hospital, como se procurando por algo. Um
deles apontou para a entrada do prédio, e um dos outros pareceu mexer a
cabeça.
Ele correu para o corredor. A porta do quarto de Kyoko estava aberta, e
Ryu podia sentir Ken e Akai lá dentro.
- Temos que sair. - o Dragon Kishi da Lua falou, ao chegar na porta do
pequeno quarto. - Agora.
- Kyoko não pode ser movida daqui! - Akai exclamou, virando-se para o
híbrido. Ryu piscou uma vez, e quase sorriu. A ruiva parecia ter superado a
depressão dela.
- Não temos escolha. - Ryu falou, seu olhar vago por um instante. - Eles
já entraram no prédio. Estão nas escadas.
- Os ferimentos dela vão piorar se ela for movida. - Ken afirmou, depois
de observar os curativos de Kyoko por um breve instante. - Eles podem ficar mais
sérios que antes.
- Nós não temos escolha. - Ryu repetiu. - Eles sabem onde estamos.
- Nós podemos lutar. - Akai sugeriu.
- E ser derrotados novamente? - o híbrido perguntou, deixando uma ponta
de sarcasmo aparecer na sua voz.
Akai abriu sua boca para retrucar, mas fechou-a quando sentiu alguém
colocar a mão no seu braço. Ela olhou para sua direita, e viu que era Kyoko. A
loira estava pálida, mas seus olhos pareciam decididos.
- Kyoko-chan...? - falou Akai, um pouco surpresa.
A voz da loira era fraca e rouca, mas ainda clara o suficiente para os
três outros selenitas ouvirem:
- Eu não vou voltar pra lá.
Akai e Ken não se mexeram, mas Ryu moveu sua cabeça quase
imperceptivelmente, como se estivesse fazendo que sim. A loira continuou:
- Eu também não quero... que vocês voltem lá.
Dessa vez, foi Ken quem fez que sim. O 'lá' era claramente a prisão dos
youmas, não o castelo.
- Saiam. - Kyoko falou.
- NÃO! - Akai gritou, levantando-se da cadeira onde estivera sentada. -
Nós somos uma equipe, lembra?
Kyoko fixou Akai com um olhar, e a cor voltou ao seu rosto. Sua voz voltou
a ser forte e saudável, e, por um momento, ela parecia a pessoa que ela era
antes das tropas de Dark Angel chegarem. Seus olhos praticamente queimavam com
vida, enquanto ela falava:
- Eu não vou voltar a ser o que eu era. Eu nunca mais vou ser realmente
parte da equipe, mesmo que vocês me considerem como tal. Nesse momento, eu
tenho a chance da agir pela última vez como uma Dragon Kishi. Se eu deixar que
me levem com vocês, nós vamos ser capturados. - o momento passou, e a palidez
voltou a colorir as feições de Kyoko. Sua voz, porém, não fraquejou. - Nós
somos uma equipe, e os membros de uma equipe devem pensar no bem do time como um
todo, não no seu próprio. - sua voz ficou mais fraca, e ela tossiu. - Nós
não valeremos nada mortos.
Akai estava com sua cabeça baixa, seus ombros se mexendo em pequenas
convulsões. Kyoko olhou para ruiva por um momento, soltou um fraco suspiro, e
virou-se para Ken:
- Vão embora.
Ken fez que sim, e caminhou até Akai. Ele colocou suas mãos nos ombros
da ruiva e gentilmente conduziu-a para a porta. A Dragon Kishi de Marte parou
por um momento, e olhou para Kyoko. A loira sorriu gentilmente, e acenou:
- Ja ne.
Akai esfregou os seus próprios olhos, e sorriu fracamente:
- Ja.
Ken apenas fez que sim na direção da loira, um gesto que ela retornou.
Então, ele levou Akai para fora, fechando a porta em seguida.
Kyoko ficou em silêncio por alguns segundos, depois olhou para Ryu:
- Você sabe o que eu quero, não sabe? - ela perguntou, sua voz mais
fraca ainda.
Ele fez que sim. Sua mão direita alcançou a katana que estava presa às
suas costas. A lâmina fez um som baixo ao ser sacada, refletindo a pouca luz
que entrava pela janela.
- Você tem certeza? - ele perguntou, olhando nos olhos dela, e erguendo a
espada.
- Matte. - a loira pediu. - Não guarde tudo dentro de si, Ryu-kun.
- Alguém tem que fazer isso. - ele respondeu. - Sayonara.
Kyoko abriu a boca para responder, mas Ryu não deu chance para ela falar.
A lâmina de sua espada fez um arco no ar, encontrando apenas um pouco de
resistência enquanto cortava pelo pescoço da Dragon Kishi. Ryu balançou sua
cabeça tristemente, e usou o lençol da cama de Kyoko para limpar o sangue que
estava na sua espada.
Ele ergueu-se e começou a caminhar para a porta, parando por um momento
para lançar um olhar sobre seu ombro:
- Melhor uma morte inesperada que uma esperada, Kyoko-chan. Descanse em
paz.
Ele saiu do quarto, deixando para trás o corpo da Dragon Kishi de Vênus.
****
Ken e Akai viram Ryu sair do quarto
de Kyoko, e fechar a porta atrás de si. Ele olhou para os dois com um olhar
inexpressivo, e falou:
- Vamos.
Akai lançou um último olhar na direção do quarto de sua amiga, depois
fez que sim, seguindo Ryu. Ken simplesmente foi atrás do híbrido, se
perguntando quantas vezes mais ele teria que se despedir de seus companheiros.
- Os youmas estão subindo as escadas nesse momento, e um segundo grupo
está montando guarda no primeiro andar. - Ryu falou. - Idéias?
- Hospitais normalmente têm duas escadarias. - Ken falou. - Uma para os
visitantes e uma para os médicos. - ele parou por um momento, depois continuou.
- A dos médicos tende a ficar menos visível. Deve ser por aqui.
Ken assumiu a frente do trio, cuidadosamente observando os arredores
escuros do hospital. Eles tinham percorrido dois corredores quando se depararam
com uma porta dupla fechada. Uma placa acima dela dizia "Área
Restrita".
- Aqui. - Ken falou.
No exato momento em que ele virou a maçaneta, o som de uma porta sendo
arrombada surgiu do outro lado do corredor. Os três Dragon Kishi viraram
naquela direção por um instante, e Ryu falou:
- São eles. Vamos.
Ken fez que sim e empurrou a porta. Ryu e Akai entraram, cautelosamente
olhando ao seu redor enquanto Ken empurrava uma maca para bloquear a abertura
das portas:
- Isso vai ganhar algum tempo.
- Pouco tempo. - Ryu falou. - Temos que achar essas escadarias.
- Pra quê? - Akai falou subitamente.
Os seus dois companheiros olharam para ela, Ken mostrando sua surpresa
enquanto Ryu escondia a sua.
- Para continuar vivos. - Ryu explicou.
- Eles vão nos achar novamente. - Akai elaborou. - Se nos acharam nesse
hospital, nos acharão em qualquer lugar!
Ken fez que sim, silenciosamente concordando com Akai. Os olhos de Ryu se
estreitaram:
- Seria muito mais rápido para eles virem diretamente para cá, ao invés
de tentar os quartos antes. - ele falou.
- E daí? - perguntou Akai.
- Mas eles foram para os quartos antes. - Ryu falou, apontando. - Não
somos nós que eles estão rastreando.
Akai piscou, confusa, enquanto Ken fazia que sim:
- É obvio... - ele falou, entendendo o que Ryu queria dizer. - Eles
estão rastreando Kyoko.
- Kyoko? - Akai repetiu, sem entender.
- Algo deve ter sido colocado nela durante as torturas. - Ken esclareceu.
- Eu apenas fiz curativos nos ferimentos dela... Não chequei para ver se havia
algo lá.
- Não que teria ajudado muito. - Ryu falou, balançando sua cabeça. - E
o passado não pode ser mudado. Temos que sair do hospital.
Um urro vindo do corredor no outro lado da porta dupla fez com que o trio
começasse a correr. Haviam inúmeras portas nas paredes, cada uma com placas
dizendo o que havia por trás delas. Eles quase passaram pela porta com a placa
"Escada de Emergência".
- Ali! - Akai apontou.
Os outros dois Dragon Kishi pararam de correr, e olharam para a porta por
um momento. Ken deu um passo a frente a virou a maçaneta, rezando para que não
estivesse trancada. Não estava.
Quando os três começaram a descer as escadarias, o distinto som de uma
porta sendo arrombada veio do corredor onde estiveram pouco antes.
- Mais rápido. - Ryu falou, começando a correr. Os outros dois
seguiram-no em silêncio.
Em pouco tempo, eles estavam no primeiro andar. Ryu parou, franzindo a
testa. Um pequeno sorriso formou-se nos seus lábios, e ele tentou localizar os
youmas com sua Ligação. Eles estavam alguns andares acima dos Dragon Kishi.
- Temos que ir. - Akai falou.
Ryu fez que sim:
- Continuem descendo. Eu já vou.
Ken e Akai hesitaram, mas obedeceram. Ryu olhou para a porta por mais um
instante, e chutou-a, forçando-a a abrir-se com um estrondo. Então, ele
continuou descendo as escadas.
- Que diabos foi isso? - perguntou Ken, que estava esperando perto da
porta que levaria para o térreo.
- Uma distração para eles.
Akai fez que sim, apontando para cima, como se fosse possível ver os
youmas chegando no primeiro andar:
- Eles acham que estamos lá.
Ryu fez que sim, e cuidadosamente abriu a porta que estava ao lado de Ken,
observando o exterior com ainda mais cautela. Ele fechou-a, e falou:
- Três youmas. Todos eles vão nos ver quando sairmos. - Ken e Akai
xingaram. - Mas nós estamos mais perto do saguão das emergências que eles. Se
corrermos, podemos chegar lá com alguma vantagem.
Ken e Akai fizeram que sim, e respiraram fundo. Ryu virou a maçaneta
lentamente, e empurrou a porta com mais força que o necessário, correndo em
seguida. Os seus dois companheiros seguiram-no, sem olhar na direção dos
gritos que apareceram quando a porta se abriu.
- Kuso! - gritou Ken, ao ver um youma sair das sombras e se colocar entre
eles e a saída.
Ryu saltou, acertando um chute no queixo do youma. A criatura caiu de
costas no chão, com o pé do Dragon Kishi ainda no seu rosto. O som de ossos se
quebrando era claro quando o kalyriano colocou todo seu peso em cima da face do
youma, mas nenhum dos três guerreiros pareceu notar.
Eles saíram do hospital, e, sem parar de correr, rumaram para a esquerda.
Akai arriscou uma olhada para a outra direção, e viu que mais um grupo de
youmas vinha de lá.
- Mais deles! - ela gritou.
- Eu sei! - Ryu respondeu, sem diminuir sua velocidade. Ele apontou. -
Temos que chegar naquele parque! Dá pra despistar eles lá!
Sem outra palavra, o trio correu em direção às árvores, cientes que
havia
um grupo numeroso de youmas atrás deles.
Não haviam muros delimitando a propriedade do parque, mas as árvores
eram numerosas. Os youmas diminuiram o passo quando entraram no pequeno bosque,
mas Ryu parecia determinado a continuar correndo.
- Não vamos nos esconder? - Akai perguntou.
- Não. - Ryu respondeu. - A gente atravesse esse parque e se esconde no
próximo. É só mais uma quadra naquela direção.
- Entendi. - Ken falou. - Eles esperam que fiquemos por aqui...
- Exato. - Ryu falou, no mesmo momento que os três saíram das árvores.
O outro parque também estava visível. - A gente fica lá até o Sol nascer,
depois vamos procurar algum lugar para se esconder. E planejar.
- Planejar? - Ken perguntou, sua surpresa quando fazendo-o diminuir o
ritmo.
- Planejar como vamos recuperar o Ginzuishou. - Ryu falou, sua voz
sombria.
Ken e Akai fizeram que sim, expressões de determinação dominando seus
rostos.
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