Janeiro de 1999: Fátima -o santuário do fascismo?
Fevereiro de 1999: O significado da Cruz
Abril de 1999: Espírito de Cruzada
Vieram a lume este mês notícias segundo as quais terá sede internacional em Fátima uma organização estado-unidense pitorescamente auto-designada «Exército Azul», a qual terá por objectivo principal o combate «ao vermelho do mundo e do demónio». Esta organização foi buscar a sua inspiração à célebre «profecia» de 1917 -divulgada nos anos 30- segundo a qual a Rússia se «arrependeria dos seus erros» (fatalmente o comunismo) por intermédio de rezas fervorosas dos fiéis católicos. (Esta recomendação de origem incerta foi seguida no leste da Europa por alguns fascistas notórios -entre eles o bispo Stepinac- que oraram «à Nossa Senhora de Fátima» pelo fim do comunismo.) Aparentemente, a casa onde tem sede esta seita terá sido transformada num lucrativo hotel. Supõe-se que isento de impostos, como é costumeiro em tratando-se de negócios católicos.
Entretanto, em nova demonstração da pobreza e humildade da seita católica romana, prepara-se a construção de mais uma basílica em Fátima, orçamentada em cinco milhões de contos. Delicada e respeitadora do próximo como sempre, a ICAR já anunciou que parte da via pública -a avenida principal da cidade- será ocupada pela faraónica construção.
No Vale de Alcântara, em Lisboa, foi inaugurado um novo bairro para realojamento dos habitantes do Casal Ventoso. Entre os equipamentos sociais construídos pela Câmara Municipal de Lisboa no local, conta-se uma capela católica. Ficamos portanto a saber que a coligação socialista/comunista/esquerdista que governa a capital não é muito diferente no favoritismo com que trata a ICAR da direita que -quando no Governo da República- chegou a financiar a construção de uma catedral católica em Bragança.
Supomos que aos habitantes religiosos não-católicos do bairro sobrará a opção de alugar (com dinheiro do seu bolso) uma garagem ou um sótão para praticarem a sua religião.
O «Patriarca» de Lisboa, José Policarpo de seu nome, achou por bem pronunciar-se publicamente contra a greve mantida durante um longo período de tempo por médicos portugueses. «República e Laicidade!» não deseja pronunciar-se sobre esta controversa questão, mas permitimo-nos recordar que a ditadura teocrática que este senhor representa em Portugal nunca reconheceu o direito à greve dos seus trabalhadores, e jamais assinou a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Será talvez na antipatia vaticânica pelo direito à greve -essa grande conquista da Revolução de 1910- que se encontrará a chave para compreender as palavras do padre Policarpo.
Subitamente, apareceram espalhadas pelo país algumas dezenas de cruzes luminosas. Vendidas por uma auto-designada «Fraternidade Missionária Cristo Jovem», as cruzes exploram o temor popular face ao final do milénio «cristão», e estão associadas a uma mensagem de anti-comunismo. Os promotores da operação garantem que só quem comprar uma das suas cruzes se salvará da «destruição final» que se avizinha e que «purificará» o Mundo de «Governos ateus», os quais acusa de promoverem a «idolatria, a homossexualidade, o aborto e o divórcio».
Foi aventada durante este mês a possibilidade de o monarca vaticânico JP2 visitar Fátima a 13 de Maio, esperando a ICAR portuguesa poder celebrar na mesma altura a beatificação dos pastorinhos de Fátima já falecidos (conforme o nosso Boletim de Agosto).
A ICAR teve também o desplante de pressionar o Governo sobre a localização do novo Aeroporto, sugerindo que este deveria ser construído próximo de Fátima.
Continuando a sua já longa veneração pelo fascismo, Karol Wojtyla ordenou este mês ao seu Secretário de Estado que intercedesse pela libertação de Pinochet. Como é sabido, Pinochet, como bom católico que é, matou muitos marxistas e ateus. Provavelmente ganhará o Reino dos Céus, ou pelo menos uma beatificação póstuma.
Provando que as piores tradições da I.C.A.R. jamais morrerão, um sacerdote católico de um templo sito na freguesia lisbonense do Lumiar dedica-se a fazer prédicas anti-judaicas. As circunstâncias foram relatadas pelo jornal Público de 3 de Março. Segundo este matutino, o referido sacerdote -de seu nome Afonso Herédia- descreveu as sinagogas como «antros de todos os defeitos e perversidades humanas», e não se coibiu de tratar os judeus de «falsos e hipócritas».
Foi levantado este mês um pouco mais do véu que cobre as parcas liberdades que a nóvel Lei da Liberdade Religiosa concederá às confissões não-católicas. Soube-se agora que será uma comissão maioritariamente composta por católicos a decidir que novos grupos religiosos serão reconhecidos pela República, disfrutando de alguns dos direitos de que a I.C.A.R. disfruta. Isto equivale a dar as chaves do tesouro nacional a um reles ladrão de estrada, com a diferença de que são as liberdades públicas que serão esbulhadas.
Demonstrando um fervor monárquico que não lhes conhecíamos, dois deputados da Assembleia da ainda República dispuseram-se a atribuir lugar no protocolo da República a um dos descendentes dos falecidos monarcas da dinastia bragantina. Recomendamos aos senhores Manuel Alegre e Mota Amaral que se ocupem de coisas sérias: qualquer presidente de Junta de Freguesia fez mais pela Nação do que o indivíduo em questão.
O céu dos beatos conta com mais uma dezena de alminhas. Entre os 805 beatos já proclamados por Karol Wojtyla, 230 estiveram envolvidos na Guerra Civil de Espanha, que o Vaticano tem vindo a enaltecer a posteriori como uma nobre Cruzada anti-comunista.
Ao rebentar uma nova guerra nos Balcãs, Karol Wojtyla manifestou-se desta vez publicamente solidário com os católicos ortodoxos da Sérvia, ou, melhor dizendo, solidário contra os muçulmanos da Europa. O Vaticano tem tido uma década triunfante nesta região, tendo averbado várias vitórias:
a) conseguiu a criação de dois novos estados católicos (a Croácia e a Eslovénia), anteriormente dissolvidos numa entidade laica e multi-religiosa;
b) evitou a formação de um novo Estado laico e predominantemente muçulmano (a Bósnia, hoje tripartida);
c) os católicos ortodoxos foram escorraçados da Krajina croata -onde eram maioritários há séculos-, fazendo avançar a fronteira do catolicismo romano de várias centenas de quilómetros.
No Kosovo, o Vaticano teme o alargamento da esfera de influência do Islão europeu, e por isso não hesita em apoiar os seus inimigos de ontem.
Reincidindo nas suas já conhecidas convicções clericais, o antigo Presidente da República Mário Soares pronunciou-se publicamente contra a revisão da Concordata fascista de 1940, tendo mesmo elogiado na ocasião a atitude de Salazar durante as negociações com a Santa Sé, afirmando que o ditador papa-hóstias «defendeu os interesses do Estado» português (Público,18/4).
Segundo uma notícia do Expresso de 2/4, a OPUS DEI estará por detrás da UNIVERSITAS, um dos mais recentes institutos de ensino superior da capital. Vários membros da OPUS contam-se entre os accionistas: Jardim Gonçalves (líder do grupo Banco Comercial Português); Silvério Martins (administrador da Renascença com ligações à TVI); Carvalho Cardoso (administrador da Mundial Confiança e proprietário do Hotel Três Pastorinhos em Fátima); o próprio presidente desta Universidade -Tomás Espírito Santo- é membro desta tentacular seita católica.
Haveis cometido um crime? Tivestes relações sexuais pré-nupciais? Assassinastes alguém? Sentis de algum modo que fizestes algo de reprovável? Não vos apoquenteis! Uma instituição com sede em Roma e filiais perto de vós tem indulgências a preço de saldo! Por intermédio do pagamento de uma módica quantia de dinheiro no templo mais próximo da I.C.A.R. podereis lavar a vossa consciência e sentir-vos-eis muito melhor! As indulgências católicas estarão em saldo apenas durante o ano 2000, dito «do Jubileu».
A filial brasileira da I.C.A.R. encontrou maneira de fazer face à perda de freguesia que a sua concorrente I.U.R.D. tem vindo a provocar-lhe. A solução consiste em adoptar os métodos da própria concorrência, adicionando música às celebrações religiosas. O principal expoente desta nova estratégia comercial e litúrgica visitou Portugal em Maio para promover o seu novo registro sonoro. Os mais desatentos terão ficado com a impressão -que no fundo não será errónea- de que se trata de uma nova vedeta da música pimba.
O número de peregrinos que anualmente se deslocam a Fátima encontra-se em franca regressão, tendo decrescido de 601 455 em 1996 para 473 458 em 1998. Para contrariar esta tendência, a I.C.A.R. portuguesa tem vindo a pressionar para a beatificação dos pastorinhos cujas duvidosas "alucinações" permitiram iniciar o fabuloso negócio de Fátima. Aconselhamos à I.C.A.R. que convide também o padreco Rossi para um concerto em Fátima, se possível com efeitos especiais luminosos que simulem sois a rodar e senhoras judias a aparecer em cima das árvores.
João Soares, segundo o Diário de Notícias acompanhado da deputação municipal, participou na procissão da «Senhora da Saúde» em Lisboa. Registramos com preocupação este facto e constatamos que a esquerda portuguesa parece ter entrado num processo gravíssimo de clericalização.
Exactamente um ano, dia por dia, após o acto referendário que impossibilitou a despenalização da IVG assistida, a ICAR portuguesa recebeu do Vaticano a recompensa pela demonstração de força efectuada, vendo os seus rogos para a beatificação de dois dos alucinados pastorinhos de Fátima finalmente satisfeitos. O atendimento do pedido foi fundamentado com o argumento de que uma senhora particularmente supersticiosa da zona de Leiria (e que confessou ouvir vozes, num claro indício de alucinações auditivas) terá estado paralisada temporáriamente. Em si, o caso nada tem de singular, pois como é sabido as enfermarias psiquiátricas estão repletas de dúzias de casos deste género, geralmente descritos na literatura da especialidade como histeria.
Mostrando-se (como sempre) fiéis e incansáveis promotores das superstições icarescas, os jornais portugueses noticiaram este desenvolvimento sem as críticas sarcásticas que reservam para os "milagres" da IURD ou da Igreja Maná. Porém, mesmo um tímido inquérito do semanário Expresso deixa entrever que até a realidade da paralisia da senhora de Leiria é muito duvidosa.
As consequentes previsões de um aumento no número de clientes do decadente mega-negócio milagreiro do Santuário de Fátima levaram o Bispo responsável a anunciar imediatamente que toda a contestação à construção de um novo templo (orçamentado nuns modestíssimos cinco milhões de contos) deverá cessar sem demora. A Câmara Municipal de Ourém não reagiu.
Dando provas de um zelo admirável, a Câmara Municipal de Loures procedeu à demolição de algumas instalações da Igreja Maná erguidas sem autorização camarária num terreno pertencente a esta seita. Saudamos esta firme acção, mas estranhamos a duplicidade de critérios que coíbe outras autarquias -por vezes da mesma cor política- de aplicar o mesmo rigor quando se trata da ICAR. Aconselhamos os veraneantes que não nos acreditem a verificar in loco se não continuará de pé uma construção clandestina existente na praia da Fonte da Telha (Concelho de Almada) pertencente a uma subsidiária da ICAR e desaforadamente situada em plena zona de paisagem protegida.
O Departamento de Estado dos Estados Unidos da América publicou um relatório em que acusa quatro países europeus (França, Bélgica, Áustria e Alemanha) de promover a «intolerância religiosa». O pecado destes quatro Estados consistiu em criar «observatórios» da actividade das seitas. Este facto singelo mostra bem como a política dos Estados pode frequentemente estar ao serviço dos interesses de grupos confessionais (neste caso, a Igreja da Cientologia).