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SYLVIA PELLEGRINO

ISABEL - A IMPERATRIZ DO BRASIL

CAPÍTULO I


Ao sair do Café Giuseppe, na rua Comendador Araújo, Isabel Cristina de Camargo, pretendia voltar para casa. Havia deixado as amigas ainda sentadas no restaurante. Estava exultante. Acabara de voltar da Stanford University, de onde seu pai esperava que trouxesse brilhantes idéias a serem testadas na empresa.
A escola de negócios de Stanford havia sido a residência de Isabel nos últimos anos e de lá pretendia trazer projetos para promover uma renovação integral e de porte nas empresas do pai. Afinal a escola tem apresentado ao mundo, há mais de quarenta e cinco anos, os melhores executivos de negócios, com conceitos poderosos para promover a prática e inovação negocial nas organizações. Os programas da universidade oferecem estrutura de pesquisa global.
Relembrou o centro residencial de Schwab, profundamente belo e ajardinado com vistas monumentais para os montes de Stanford. Depois, ouvir grandes professores como George Shultz e Jeremy Bulow, entre tantos outros cérebros da Universidade, exercitava qualquer intelecto. Sonhava um dia tê-los no Brasil e proporcionar aos seus conterrâneos a possibilidade de ouvi-los e dar asas à própria reflexão.
Parou no estacionamento, aguardando que o manobrista fosse buscar o carro. Olhou as luzes amareladas dos postes tipicamente curitibanos e se deixou embalar por seus pensamentos.
Era bom estar de volta à cidade natal. A saudade e a falta da mãe foram sentidas como muita intensidade nos Estados Unidos, mas agora, o poder respirar o ar de Curitiba lhe evocava lembranças da infância. O coração sentia um certo alívio de estar de volta ao lar. Se era assim que podia definir a enorme mansão do pai.
Lembranças de criança assomaram-lhe à mente. As férias de verão, quando visitava os avós maternos no interior do estado. Apesar da mágoa deles em relação à mãe, estavam sempre a esperá-la com as delícias da fazenda. Era gostoso saborear, pela manhã ao levantar, o bolo de milho feito pela vovó Ana, com o café com leite quentinho. O leite vinha de Mimosa a vaca leiteira que parecia estar sempre disposta a ceder o alimento a todos da fazenda. O ubre de Mimosa era enorme e estava sempre intumescido de leite. Mais tarde a alegria era montar à cavalo para fazer os passeios matutinos com vovô Pedro.
A casa da fazenda era ampla e agradável. Havia um jardim em toda a sua volta, com trepadeiras enroscando e subindo pelas paredes. O caramanchão carregado de carambola ficava do lado direito, perto do avarandado que contornava toda a casa, onde, após comerem, podiam deitar nas redes e tirar uma soneca. Pela tarde desciam todos, os garotos e garotas que residiam nas casas de colonos, até o córrego, para um banho de cachoeira. Ela jamais perdera uma única excursão daquela.
Nas férias de inverno continuava a acordar cedo, tomar o café da vovó e seguir para o pasto com o avô, mas a tarde era hora de lareira e chocolate quente. Sebastião, o capataz, reunia os meninos no final da tarde até a noitinha para contar "causos", como dizia. O clima só ficava desagradável quando a mãe aparecia para levá-la de volta à cidade e à rotina da escola. Somente anos mais tarde veio a entender tanto desacerto familiar.
A vida com a mãe em Curitiba era uma monotonia eterna. Alice trabalhava durante o dia no banco e à noite, para complementar a renda familiar, dava aulas na Faculdade de Economia da Universidade Federal do Paraná.
Isabel ficava sozinha durante o dia, no mais das vezes. Somente quando podia convidar Alexandra Del Vecchio para estudarem juntas é que a tarde tomava um certo colorido. As duas faziam passeios pela tarde e podiam vez ou outra assistir a um filme, com a aquiescência da mãe, ou então perambular pelos shoppings e encontrar alguns colegas de escola.
O manobrista tirou-a de seus devaneios, ao entregar-lhe as chaves do carro. Isabel entrou no veículo e saiu rodando pela cidade. Sua vontade de ir para casa já se esvaíra. Dirigiu-se para o Shopping Crystal. Entraria num cinema e assistiria um filme. Estavam apresentando Oriundi, que havia sido rodado em Curitiba. Tinha interesse em ver se o filme com produção brasileira poderia atingir o gosto do público.
Entrou na sala de projeção. O filme começou rodar na tela. Seu cérebro tentava acompanhar as cenas que pareciam passar com muita rapidez, até que de repente a cabeça rodou completamente.
Acordou num bosque. Já não era ela, mas uma garotinha de seis anos. Havia mais uma garota. Estavam, estranhamente trajadas, com vestimentas de séculos passados. Incomodou-a a anágua muito engomada. Sentiu calor com aquelas roupas de veludo. O clima do lugar era ameno e não fazia o frio curitibano, no entanto aquelas crianças estavam vestidas de veludo pesado. Olhou para o alto e viu uma jovem negra sorridente. Os dentes muito brancos pareciam saltar-lhe da boca carnuda. Não que fosse feia, ao contrário, tinha a beleza de sua raça. Sentiu novamente tontura e foi como se despencasse de um despenhadeiro.
Olhou a tela que continuava a rodar as cenas do filme. Não entendia o que acontecera. Fora como um breve sonho, mas inexplicável, na situação. Decidiu levantar-se e voltar para casa, afinal perdera muito do filme e agora não o estava compreendendo. Um outro dia voltaria e assistiria o filme todo, desde o seu início.
Dirigiu até o pequeno apartamento de solteira que estava começando a decorar. Desde que fora morar com o pai havia pedido que, após formada, pudesse ter seu apartamento. Quando, aos dezesseis anos, se mudara para a casa do pai, após a morte da mãe, não se sentiu muito à vontade naquela casa enorme, de móveis antigos e pesados. Preferia um ambiente não tão amplo, mais simples e aconchegante. Seu apartamento estava ficando exatamente assim. Os cômodos se compunham de salas de estar e jantar, uma pequena cozinha que atendia essas duas peças, um quarto amplo e um banheiro. A mobília era bastante simples para a residência do pai, mas bem ao gosto dela. Na sala de estar tinha preparado seu canto de leitura, com uma poltrona em couro preto, logo ao lado da estante em mogno castanho, que tomava de parede a parede da sala de estar, onde manteria seus livros, seu som e o televisor.
Pretendia vir morar o quanto antes no seu espaço. Conviver com o pai era bastante exaustivo para Isabel. Muitos lapsos no relacionamento haviam ficado.
Olhou o ambiente e seu cérebro trouxe à memória a árdua caminhada até sua formatura em Stanford. Quando o pai a havia reconhecido, a mãe já estava com uma doença terminal. Alonso Celso de Camargo, filho de família abastada, não se casara com a mãe porque sequer soubera que ela estava grávida. O caso fora tão efêmero que Alice Ramos não tivera coragem de procurá-lo e fazê-lo assumir a paternidade da criança. A existência de Isabel Cristina para Alonso só aconteceu quando Alice foi informada que o câncer que a corroía já havia atingido metastase.
Ele foi até o Hospital Erasto Gaetner, onde ficou sabendo que dali em diante a vida lhe reservava a incumbência de cuidar de uma garota de dezesseis anos. Aos trinta e oito anos, e ainda solteiro, aquela situação era um tanto insólita para Alonso, mas decidiu que a experiência acabaria por ser interessante.
Dono de uma Corretora de Valores, na cidade de Curitiba, resolveu preparar a filha para ser sua sucessora. O caminho entre a Faculdade de Ciências Econômicas, em Curitiba, pós graduação na Getúlio Vargas, no Rio de Janeiro e Stanford foi natural para Isabel, a partir do momento em que conheceu o pai.
Alonso jamais fora muito dado a expansividades e carinhos. Desta forma Isabel terminara sua adolescência junto aos livros, balé e aulas de inglês, francês e italiano.
As férias na fazenda dos avós maternos simplesmente deixaram de acontecer. O afastamento dos avós fora uma situação dolorida enfrentada por Isabel, logo após a morte de Alice. Eles apesar de pouco ou nada falarem da mãe eram o único elo com a figura materna.
As amigas eram raras, naquela época, porque não se sentiam muito à vontade naquele ambiente austero e poucas vezes o pai a permitia fazer visitas a outras pessoas. Se restringira ao ambiente de casa e da escola. Fizera algumas poucas amizades nas aulas de línguas estrangeiras. Eram essas amigas que voltara a encontrar em Nova York, nos seus raros momentos de folga que a permitia levar uma vida social relativamente normal, quando acontecia de passar as férias de verão nos Estados Unidos.
Estava com vinte e cinco anos e se preparava para assumir a presidência da Corretora, quando seu pai se aposentasse, mas sabia que esse dia estava longe. Lembrou-se dos planos de Angela de Castro Drowbowski e de Renata, filha de Ronaldo Guerreiro Alves, o sócio e braço direito de seu pai na empresa, sentadas à mesa do Café Giuseppe.
- Eu pretendo advogar, sim, mas não queero me matar de trabalhar. Afinal, papai pretende dar-me mesada por algum tempo ainda. Foi ele mesmo quem mencionou isso, hoje, lá no escritório. - Falou Angela, despreocupada.
- Pois eu, no momento, quero apenas currtir meu noivo. Não sei se, após nos casarmos, ele preferirá que eu trabalhe. Depois não tenho nenhum cacoete de administradora. - Comentou Renata, por sua vez. - E você Isabel, o que pretende fazer?
- Não posso e nem pretendo jogar fora ttodos esses anos de estudo. Com toda certeza vou me engajar na empresa, porém tenho cá os meus planos para futuro que no presente posso apenas acalentar. Num momento propício vou conversar com meu pai e seguir a carreira com a qual venho sonhando desde garota.
- E que carreira é essa, Isabel?
- No momento oportuno eu conto, Angela..
Isabel tinha plena certeza que a amizade com elas continuaria superficial. Não tinham grandes afinidades, mas eram as únicas amigas que suportaram o gênio esquisito do pai, por isso estivera com elas no Café Giuseppe, naquele final de tarde.
Pretendia aos poucos voltar a encontrar amizades deixadas num passado longínquo, quando ainda sentava em bancos escolares de infância, como Alexandra Del Vecchio que havia se perdido no tempo e na distância.
Quem sabe até tentar um contato com os avós maternos.
A saudade daqueles tempos na fazenda trazia o melhor de sua infância. Sentia uma profunda tristeza em saber aqueles tempos perdidos.
Sabia que voltar a encontrar velhas lembranças e resgatar velhos carinhos demandariam enfrentar o pai. Mesmo naquela sua maneira um tanto indiferente, quase rude de tratá-la, ele despertava nela um carinho imenso e não pretendia de forma alguma feri-lo. O assunto precisaria ser tratado com todo o cuidado, mas ela não abriria mão de todo aquele resgate, era como encontrar um pedaço de si mesma.
De algum tempo para cá Isabel vinha incessantemente sentido que algo havia ficado perdido no tempo e que merecia ser resgatado.



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