A História da Bossa Nova
Antonio Carlos Jobim, nos tempos pré-Bossa Nova.
Além das reuniões na casa de Nara Leão, a
turma também frequentava os bares e boates onde
se apresentavam Dick Farney, Lúcio Alves,
Johnny AIf, Tito Madi, João Donato e Dolores
Duran. "Eles foram os precursores da Bossa
Nova, prepararam o terreno para a gente"
reconhece Lyra.
No meio da década de 50, algumas casas
noturnas eram o esconderijo da boa música. Num
pequeno barzinho numa rua atrás do cinema Rian,
chamado Tudo Azul (pela cor dominante de sua
decoração interior), Tom Jobim era o pianista
efetivo, e figuras conhecidas da noite do Rio não
deixavam de aparecer por lá.
Naquele local, Rubem Braga fez a célebre
apresentação de Vinicius de Moraes a Lila
Bôscoli, com a famosa introdução: "Vinicius de
Moraes, apresento-lhe Lila Bôscoli. Lila Bôscoli,
apresento-lhe Vinícius de Moraes. E seja o que
Deus quiser". E foi. Os dois acabaram se
casando.
Havia também o Clube Tatuís, em Ipanema, onde,
além das atividades esportivas, a grande atração
eram as jam sessions. O violonista Candinho
sempre tocava ali e volta e meia Tom Jobim
aparecia para uma "canja". Também as serenatas
noturnas nos barquinhos do Posto 6 e os arrastões
no Posto 5 eram programas obrigatórios para eles.
Sylvinha Telles, uma das primeiras intérpretes da Bossa Nova.
Nas tardes de domingo, um grupo de músicos,
entre eles Gusmão, Freddy Falcão, Durval
Ferreira, Maurício Einhorn e Pecegueiro tocavam
música moderna no Hotel América, na Rua das
Laranjeiras. Os fins de semana musicais no Clube
Leblon, com Eumir Deodato, Pecegueiro, Jayme
Peres, Waldemar Dumbo e Ed Lincoln, era outro
local de encontro entre diversos músicos que
viriam a ser importantes nomes da Bossa Nova.
Menescal conheceu seu futuro parceiro Ronaldo
Bôscoli numa reunião musical na casa do veterano
compositor Breno Ferreira, autor de Andorinha
Preta. Menescal era amigo do filho de Breno.
Sérgio Ferreira, às vezes ia à casa do colega para
observar o que faziam Breno e seus amigos.
Menescal ia, olhava, gostava e aprendia. "Mas
ainda não era a música que eu queria. Na
verdade eu queria uma coisa que ainda não
sabia o que era", lembra. Numa dessas reuniões,
cansado da rodinha que se formara na sala,
Menescal resolveu sair para pegar uma cuba-libre
- a famosa mistura de rum com refrigerante, a
bebida da Bossa Nova -, quando em outro
aposento escutou um som diferente. "Era a
música com que eu sonhava, exatamente o que
eu queria ouvir. Só aqueles acordes já me
abriram a cabeça."
A música vinha da varanda. Curioso, Menescal
chegou mais perto. Quem tocava era o violonista
Elton Borges, e o jornalista Ronaldo Bôscoli
cantava Fim de Noite, uma de suas primeiras
composições com Chico Feitosa. Menescal ficou
ali escutando, maravilhado. No dia seguinte, na
casa de Nara, não parava de falar sobre a música.
Mas ele não sabia nem o nome de Ronaldo e
somente um ano mais tarde voltariam a se
encontrar. Bôscoli passava na praia e foi
abordado por Menescal, que o convidou a
conhecer a turma na casa de Nara. Ronaldo
concordou e disse que ia aparecer com um amigo,
Chico Feitosa.
O poetinha Vinícius. Seu refinamento intelectual foi decisivo para a poesia
da Bossa Nova.
Na noite marcada, todos esperaram alvoroçados
escutar a novidade. Mas o tempo passava e
ninguém chegava. Já tinham perdido as
esperanças, quando finalmente, já no fim da noite,
chegaram Chico e Elton, o que bastou para Chico
ser definitivamente apelidado de Chico Fim de
Noite. Eles começaram a tocar, enquanto Nara
Leão anotava rapidamente todas as músicas. A
partir dali, começaram a se reunir não apenas para
escutar, mas para produzir música. Logo Ronaldo
Bôscoli e Nara Leão se tornaram namorados e
noivos, numa história de amor que terminaria
poucos anos mais tarde, quando Ronaldo se
apaixonou pela cantora Maysa.
Chico Feitosa e Ronaldo Boscoli se conheceram
em 1954 e logo se tornaram parceiros. Fim de
Noite foi apenas uma da série de composições
criadas pelos dois no primeiro apartamento que
dividiam, na Rua Otaviano Hudson, em
Copacabana, que também faz parte da história da
Bossa Nova. Ali moravam oficialmente Chico e
Ronaldo, mas sempre haviam hóspedes
circunstanciais, como o compositor paulista
Caetano Zama, o pianista Pedrinho Mattar e Luiz
Carlos Miéle.
Um dos mais ilustres foi o próprio João Gilberto,
que chegou para passar alguns dias e acabou
ficando meses. Mas na verdade nenhum deles se
incomodava muito com aquilo, uma vez que eram
invariavelmente despertados pelo violão de João
Gilberto, que voltava sempre para o apartamento
quando o dia já estava nascendo, depois de
passar a noite por caminhos desconhecidos e
misteriosos.
Apesar de tijucano, Antonio Carlos Jobim era um
típico jovem de Ipanema, onde vivia desde
criança. Gostava de pegar onda no mar limpo de
Ipanema e de nadar na Lagoa Rodrigo de Freitas.
Adolescente, no início dos anos 40, começou a
estudar piano com o excelente professor alemão
Hans Joachim Koellreutter. Tom e Newton
Mendonça, seu amigo de infância e futuro parceiro
em hinos da Bossa Nova, como Samba de Uma
Nota Só e Desafinado, já formavam grupinhos
musicais com os amigos, nos intervalos entre o
colégio e a praia.
Em 1946, Tom entrou para a Faculdade de
Arquitetura, onde não chegou a ficar nem um ano,
resolvendo seguir definitivamente a carreira de
músico. Seu gosto musical variava dos populares
Ary Barroso, Dorival Caymmi, Pixinguinha,
Garoto, Noel Rosa e Lamartine Babo aos eruditos
Vila-Lobos, Debussy, Ravel, Chopin, Bach e
Beethoven. passando pelas grandes orquestras
americanas.
João Gilberto, em seus primeiros tempos em Ipanema.
Em 1949, já casado com sua primeira mulher,
Teresa, Tom ganhava a vida tocando piano em
casas noturnas da zona sul, como a Tudo Azul, o
Mocambo, o Clube da Chave, o Acapulco e o
Carroussel, entre outras. O maestro passou alguns
anos trocando a noite pelo dia, conseguindo em
1952 um emprego de arranjador na gravadora
Continental, como assistente do maestro Radamés
Gnatalli. O salário era baixo, mas certamente
melhor do que o que ganhava como pianista. Uma
de suas funcões era passar para a pauta
composições de quem não sabia escrever música.
Mas Tom não abandonou a noite. Agora que não
precisava mais dela para sobreviver, tocar na noite
tornara-se um prazer. Para ele e, claro, para quem
tinha o privilégio de ouvi-lo.
Apesar de trabalhar na Continental, foi na
gravadora Sinter que Tom fez sua estréia como
compositor. Em 1953, a Sinter lançou dois discos
com composições suas: no primeiro, Maurici
Moura cantava o samba cancão Incerteza, de
Tom e Newton Mendonça. No segundo, Ernani
Filho interpretava Pensando em Você e Faz Uma
Semana (esta em parceria com o baterista Juca
Stockler). Pouco depois, Tom se transferiu para a
gravadora Odeon, que seria responsável, alguns
anos mais tarde, pelo lançamento do histórico LP
Chega de Saudade, com João Gilberto.
Reunião da Bossa Nova na casa de Nara Leão, com Menescal no violão, Bebeto na
flauta, Dory Caymmi e Chico Fim de Noite.