Manuel Freire

Por Aristides Duarte

Manuel Freire nasceu em Vagos (Aveiro), no dia 25 de Abril de 1942. Como ele contou recentemente no programa de televisão "Miguel Ângelo Ao Vivo", tinha um irmão que era oficial do Exército e lhe telefonou no dia 25 de Abril de 1974, dando-lhe os parabéns pelo aniversário e perguntando-lhe se tinha gostado da prenda. A prenda era a Revolução dos Cravos.

Técnico de computadores, Manuel Freire nunca se profissionalizou na música.

O seu primeiro trabalho discográfico foi um EP com 4 temas, entre os quais o famoso "Livre" ("Não há machado que corte a raiz ao pensamento, porque é livre como o vento..."). Editado em 1968, este disco contém ainda "Dedicatória", "Pedro Soldado" e "Eles".

O cantor começa a relacionar-se com outros da mesma área, tais como Adriano Correia de Oliveira, José Afonso ou Padre Fanhais. Este grupo pertencia a uma área que ficou conhecida como música de intervenção.

Após uma participação no programa "Zip Zip" na RTP, em que interpreta uma canção com o poema de António Gedeão "Pedra Filosofal", obtém um êxito quase imediato.

Começa a musicar poetas de grandes poetas portugueses e edita um álbum homónimo com 11 canções. Os poetas deste disco são Gedeão, José Gomes Ferreira, Fernando Assis Pacheco, Eduardo Olímpio, Sidónio Muralha e José Saramago.

As músicas são quase todas de Freire , à excepção de duas que são de M. Jorge Veloso. Com este disco ganha o Prémio da Casa da Imprensa e o Prémio Pozal Domingues. É neste LP que estão os temas " Abaixo D. Quixote", "A Menina Bexigosa", ou "Poema da Malta das Naus".

A seguir ao 25 de Abril de 74, Manuel Freire dedica-se aos recitais, um pouco por todo o país, actuando sobretudo em Associações Recreativas e Culturais, onde mantém um público fiel. A limpidez da sua voz, a pronúncia correcta e o facto das suas músicas serem acompanhadas por excelentes poemas contribuem para o seu reconhecimento público.

Só em 1978, Manuel Freire voltará a gravar outro disco, intitulado "Devolta" . Nele, o cantor volta a musicar poemas de grandes poetas portugueses. Este disco contará com a colaboração de Luís Cília; outro cantor de intervenção, entretanto retirado das lides.

Em 1993 a Strauss reedita em CD o disco que contém a "Pedra Filosofal". Esta reedição contém uma nova versão do mesmo tema, gravado com novo acompanhamento e que dura mais de 6 minutos.

Em 1995 actua na Quinta da Atalaia (Seixal), num espectáculo que abre a Festa do Avante e homenageia Adriano Correia de Oliveira. Neste espectáculo, Manuel Freire é acompanhado pela Brigada Victor Jara.

O último trabalho do autor é o CD "As Canções Possíveis", onde Manuel Freire canta poemas de José Saramago, numa edição da Editorial Caminho (editora de Saramago). Neste disco, com 12 canções, Manuel Freire é acompanhado por um grupo de músicos tocando violino, piano, contrabaixo, clarinete e violoncelo. Este álbum, recentemente editado, pertence à colecção Caminho de Abril ; que a editora lançou para comemorar os 25 anos do 25 de Abril.

Manuel Freire é um cantor que, ainda há pouco tempo, era convidado com frequência para sessões nas Universidades portuguesas. Hoje, a cultura estudantil está noutra onda...


Sorridente, sério, bonacheirão, brilhante, perspicaz, irónico, sarcástico, em síntese criança e adulto ao mesmo tempo. Tudo isto são adjectivos que, quem o conhece bem, podia pendurar no peito de Manuel Freire.

Por vezes imagino-o como um soldado que pertence ao Batalhão pela Vida e que graças às várias missões cumpridas ganhou uma série de medalhas, passe a tosca comparação.

Por isso tenho a certeza que quando ele ler isto se vai rir e me vai dizer " com que então seu malandro, ando a ganhar medalhinhas ..."

Tentamos acompanhá-lo sempre que faz espectáculos organizados pela Canto Lindo e não resistimos a contar um episódio que aconteceu em Benavente, porque conhecer o homem ajuda a conhecer o cantor:

O palco onde actuava estava instalado numa espécie de esplanada. O público e stava disperso por várias mesas e, entre as mesas e o palco, brincavam crianças. Os pais tão atentos aos poemas cantados pelo Manuel Freire nem se davam conta que as brincadeiras dos seus filhos estavam ou podiam estar a perturbar o concerto.

No final perguntei-lhe: " o que é que te pareceu?"

Após autografar uma série de discos, respondeu com uma expressão indefinida mas sem perder o sorriso: "simpáticas as criancinhas, não?"

Essa expressão indefinida e aquele sorriso fizeram-me pensar. A que crianças se estava a referir? Às que corriam e gritavam ou às que estavam sentadas nas mesas, ouvindo no meio da barulheira dos seus filhos e que quiseram continuar a ouvir Manuel Freire comprando os seus discos?

Este é um trabalho tão abrangente que não se destina especificamente a uma autarquia em particular. Temos constatado que é ouvido com o mesmo entusiasmo nos centros urbanos como nas vilas mais distantes dos centros de cultura.

O Manuel Freire é mesmo assim. Consegue, nesta selva de cimento e televisão, envolver quem ouve as suas canções e as reflexões que sempre faz sobre a vida, o mundo e a sociedade em geral. São observações inteligentes e bem dispostas que alertam e fazem sorrir quem as ouve.

A sua voz bem timbrada, o rigor selectivo ao escolher os poetas que canta, o seu grande poder de comunicação fazem dele um artista muito querido que certamente marcou várias gerações.

"Dulcineia", " Pedra Filosofal", "Livre" e tantas outras canções que ele tão bem interpreta fazem já parte da nossa história.

Sintetizando, podemos afirmar sem exageros que um concerto deste cantor e amigo é um valor acrescentado para qualquer actividade.


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