DEMONSTRAÇÃO / ARGUMENTAÇÃO

«O que é que distingue a argumentação de uma demonstração formalmente correcta?

Antes de tudo, o facto de, numa demonstração, os signos utilizados serem, em princípio, desprovidos de qualquer ambiguidade, contrariamente à argumentação, que se desenrola numa língua natural, cuja ambiguidade não se encontra previamente excluída. Depois, porque a demonstração correcta é uma demonstração conforme a regras explicitadas em sistemas formalizados. Mas também, e insistimos neste ponto, porque o estatuto dos axiomas, dos princípios de que se parte, é diferente na demonstração e na argumentação.

Numa demonstração matemática, os axiomas não estão em discussão; sejam eles considerados como evidentes, como verdadeiros ou como simples hipóteses, não há qualquer preocupação em saber se eles são, ou não, aceites pelo auditório. [ ...]

Como o fim de uma argumentação não é deduzir consequências de certas premissas, mas provocar ou aumentar a adesão de um auditório às teses que se apresentam ao seu assentimento, ela não se desenvolve nunca no vazio. Pressupõe, com efeito, um contacto de espíritos entre o orador e o seu auditório: é preciso que um discurso seja escutado, que um livro seja lido, pois, sem isso, a sua acção seria nula.[...]

Como a argumentação se propõe agir sobre um auditório, modificar as suas convicções ou as suas disposições por meio de um discurso que se lhe dirige e que visa ganhar a adesão dos espíritos, em vez de impor a sua vontade pela constrição ou pela domesticação, ser-se uma pessoa a cuja opinião se atribui algum valor é já uma qualidade não negligenciável. Da mesma forma, é importante tomar a palavra em certas circunstâncias, ser o porta-voz de um grupo, de uma instituição, de um Estado e ser escutado. [...]

Aquele que argumenta não se dirige ao que consideramos como faculdades, como a razão, as emoções, a vontade. O orador dirige-se ao homem todo, mas a argumentação propiciará, conforme o caso, efeitos diferentes e utilizará, de cada vez, métodos apropriados tanto ao objecto do discurso como ao tipo de auditório sobre o qual se quer agir. Assim, um advogado que pleita num caso comercial ou criminal, político ou de direito comum, de direito privado ou de direito internacional público, e de acordo com o género de tribunal que se trata de convencer, não utilizará nem o mesmo estilo nem o mesmo tipo de argumentos.O único conselho, de ordem geral, que uma teoria da argumentação pode dar na ocorrência é recomendar ao orador que se adapte ao seu auditório. [...]

A distinção entre os discursos que se dirigem a alguns e aqueles que seriam válidos para todos permite fazer compreender melhor o que opõe o discurso persuasivo ao que se pretende convincente [ demonstração] . Em vez de considerar que a persuasão se dirige à imaginação, ao sentimento, numa palavra, ao autómato, e que o discurso convincente faz apelo à razão, em vez de as opor uma à outra, como o subjectivo ao objectivo, pode-se caracterizá-las, de uma forma mais técnica, e também mais exacta, dizendo que o discurso dirigido a um auditório particular visa persuadir, enquanto o que se dirige ao auditório universal visa convencer. [...]

Um discurso convincente é aquele cujas premissas e cujos argumentos são universalizáveis, isto é, aceitáveis, em princípio, por todos os membros do auditório universal.»

PERELMAN, O Império Retórico. Retórica e argumentação.