EMPIRISMO - DAVID HUME

«Empirismo - Orientação filosófica persistente que procura ligar o conhecimento à experiência. A experiência é concebida como os conteúdos sensoriais da consciência ou como seja o que for que se exprime numa determinada classe [ ...] de afirmações cuja verdade possa ser verificada pelo uso dos sentidos. O empirismo nega que haja qualquer conhecimento exterior a esta classe, ou, pelo menos, exterior a tudo o que for dado por uma legítima teorização baseada nesta classe. Pode assumir a forma da negação da existência de qualquer conhecimento a priori, ou do conhecimento de verdades necessárias, ou de qualquer conhecimento inato ou intuitivo, ou de princípios gerais que adquiram credibilidade unicamente pelo uso da razão; opõe-se assim, sobretudo, ao racionalismo. Um tratamento empirista dos nossos conceitos defenderá que estes dependem da experiência: "nihil in intellectu nisi prius in sensu" (nada há no intelecto que não tenha previamente estado nos sentidos). [ ...] »

Simon Blackburn, Dicionário de Filosofia, Gradiva, pp. 128-129

 

1.

«[ ...] Imagine um bebé, uma criança excepcionalmente inteligente, a quem os pais sempre tenham dado brinquedos macios e moles para se entreter. Esse bebé atira frequentemente os brinquedos para fora do berço, e eles caem no chão com um baque surdo. Um dia, o tio dá-lhe uma bola de borracha. O bebé examina-a de todos os ângulos, cheira-a, mete-a na boca, apalpa-a, depois deixa-a cair. Não obstante o exame cuidadoso a que submeteu a bola, o menino não tem maneira de saber que, em vez de cair suavemente no chão, como os outros brinquedos, ela salta. Este exemplo servirá para mostrar a primeira tese de Hume. Só pelo exame de uma coisa, diz-nos ele constantemente, nunca poderemos dizer quais os efeitos que ela pode produzir. Só podemos determinar as suas consequências em resultado da experiência.

Imagine agora que o tio do menino ficou à espera de ver como brincaria o sobrinho com o seu presente. Quando vê a bola cair, espera que ela salte. Se você lhe perguntar o que fez a bola saltar, ele responderá: "O meu sobrinho deixou-a cair." Ou, se interpretar a pergunta de forma mais abstracta: "As bolas de borracha têm o poder de saltar"; ou, ainda, "Há uma conexão necessária entre deixar cair uma bola e ela saltar". [ ...]

Hume faz depois uma pergunta mais profunda. Qual a experiência que o tio tem e que falta à criança? O tio faz uso de conceitos gerais como "causa", "poder", "conexão necessária". Se não se tratar de palavras vazias apenas, têm de se reportar de algum modo à experiência. Então, qual é, no caso presente, a experiência? A experiência do tio difere da experiência do sobrinho em quê?

A diferença consiste, argumenta Hume, num facto simples. Ao contrário do sobrinho, o tio pôde observar, num grande número de casos, primeiro uma bola de borracha cair ao chão e, depois, o salto que ela dá. Na verdade, nunca na sua experiência houve um só caso em que uma bola de borracha tenha sido deixada cair numa superfície dura sem saltar, ou em que uma bola de borracha tenha começado a saltar sem primeiro ter caído ou sido atirada. Para utilizar a linguagem do próprio Hume, há uma "conjunção constante" entre a queda da bola e o salto que dá.

Até aqui, tudo bem. Parece que encontrámos uma diferença entre a experiência do tio e a do bebé. Porém, Hume passa a fazer outra pergunta. Mais exactamente, como é que esta diferença de experiências engendra conceitos como "causa", "poder", "conexão necessária"? Estamos de acordo em que o tio viu uma bola de borracha cair ao chão e saltar em muitas ocasiões, ao passo que o sobrinho só viu isso acontecer uma vez. Todavia, o tio nada viu que o sobrinho não tivesse visto também, apenas teve mais vezes a mesma sequência de experiências. Ambos observam que uma bola cai e depois salta - nada mais. O tio, porém, acredita que há uma conexão necessária entre a bola cair e saltar. E isto não é alguma coisa que ele encontre na sua experiência; a sua experiência é exactamente a mesma que a do sobrinho, só que se repetiu muitas vezes. Então, donde vem a ideia de uma conexão necessária, uma ligação causal, se nunca foi directamente observada?

A resposta de Hume é a seguinte: embora experimentar a mesma sequência de eventos em inúmeras ocasiões não revele algo que não tivéssemos notado da primeira vez - uma ligação causal -, isso afecta as operações da nossa mente de uma maneira especial. Forma em nós o hábito de esperar que uma bola de borracha salte quando cai ao chão. Acreditar que A causa B, ou que há uma conexão necessária entre A e B, ou que A faz B acontecer, corresponde, portanto, a nada mais do que, tendo nós na nossa experiência descoberto que A e B estão constantemente associados, quando se nos depara um B, presumimos que foi precedido de um A. A nossa experiência gera em nós um hábito de expectativa; e a nossa consciência desse hábito é a nossa ideia de conexão necessária. Todavia, cometemos o erro de o projectar no mundo à nossa volta, supondo, erradamente, que nos apercebemos de uma conexão necessária em vez de, simplesmente, nos sentirmos impelidos a fazer determinadas inferências. [ ...]

[ ...] Podemos dizer que o evento A causa o evento B mas, quando examinamos a situação, descobrimos que é o evento A seguido do evento B o que observamos de facto. Não existe uma terceira entidade, uma ligação causal, que também seja observada. [ ...] Assim, temos esta noção indispensável de causa no cerne da nossa concepção do mundo e da nossa compreensão da nossa própria experiência, mas achamo-nos incapazes de a validar através da observação ou da experiência.»

Bryan Magee, Os grandes filósofos, Presença, pp. 141-142

 

2.

«Todas as ideias são copiadas de alguma impressão ou sentimento anteriores; e onde não conseguirmos encontrar qualquer impressão, podemos ter a certeza de que não há qualquer ideia. Em todos os casos singulares de operação dos corpos ou das mentes, nada há que produza a impressão, nem que, por consequência, possa sugerir a ideia, de poder ou conexão necessária. Mas quando se dão muitos casos uniformes, e o mesmo objecto é sempre seguido pelo mesmo evento, começamos então a engendrar a noção de causa e conexão. Experimentamos então um novo sentimento ou impressão, isto é, uma conexão habitual no pensamento ou na imaginação entre um objecto e o que se lhe costuma seguir; e este sentimento é o original da ideia que procuramos.»

David Hume, An Enquiry Concerning Human Understanding, section VII, part II