UNIVERSIDADE PÚBLICA: ENSAIO DE PRIVATIZAÇÃO

Fernando Vicente Vivaldo (secretário geral da União Estadual dos Estudantes de São Paulo)

- Março de 2001 -

Um recente relatório do Fundo Monetário Internacional (FMI), com o título "Brasil: Assuntos Selecionados e Estatísticos", sugere que as universidades brasileiras deveriam cobrar algum tipo de mensalidade, com o intuito de financiar os ensinos fundamental e médio. Para os técnicos do FMI, o ensino superior gratuito beneficia, em maior escala, as pessoas de maior renda.

O Ministro da Educação Paulo Renato de Souza (PSDB/SP), questionado sobre o assunto, não desconsiderou completamente a sugestão do FMI. Para o Ministro, "esse é um assunto importante, que o país terá que discutir no futuro". De qualquer maneira, existem estudos "extra-oficiais" (sic), do próprio Ministério da Educação (MEC), a respeito dos valores arrecadados com a cobrança de mensalidades em universidades públicas.

As universidades públicas promovem cerca de 87% dos cursos de mestrado e 89% dos cursos de doutorado. Do total de projetos financiados pela FAPESP em que se identificam impactos de natureza científica, social e econômica, as universidades públicas concentram a maioria absoluta: 97,2%. Somente nessas universidades, existe produção científica e tecnológica capaz de atenuar a crescente quantidade de produção de alta tecnologia que o Brasil absorve dos países desenvolvidos.

Apesar da polêmica que o relatório criou, a orientação do FMI não é de maneira nenhuma uma novidade. Em 1995, com o documento "O Ensino Superior", o Banco Mundial lançava as linhas gerais das políticas para a universidade, as quais vêm sendo seguidas a risca pelo ministro Paulo Renato.

Entre outros pontos, o MEC vem induzindo a redução gradativa dos projetos de assistência estudantil, instituiu a cobrança nos cursos de mestrado para profissionalização, diminuiu a duração dos cursos; estimula um conceito de extensão universitária voltada para a indústria, a crescente mercantilização do ensino superior e o processo, já em curso, de cobrança de taxas.

Em tempos neoliberais, em que a superioridade da iniciativa privada é um princípio absoluto. Os ataques às universidades públicas tornam-se mais frequentes, refinados, e com um objetivo claro: criar condições favoráveis junto à opinião pública, para a cobrança de mensalidades e o subsequente processo de privatização destas universidades.

Para tanto, se utilizam indiscriminadamente de elementos do senso comum e mesmo de distorções grosseiras para convencer a sociedade da necessidade de acabar com os subsídios aos "filhos de famílias abastadas" que estudam em universidades públicas.

Em recente artigo na Revista Veja (a revista do Planalto), o ex-Presidente do Banco Central, Gustavo Franco, afirma que cada aluno da universidade pública custa R$ 14.027,00. Para chegar a tal conclusão, divide os gastos gerais das universidades federais pelo número de estudantes. Porém, este cálculo envolve gastos com hospitais universitários, inativos e centros de atendimento, o qual não é referência em nenhum outro país. Feitos os devidos descontos, os estudantes destas universidades custam cerca de R$4.700,00, número modesto em comparação aos valores investidos pelos países mais desenvolvidos.

É preciso ficar claro que o Brasil investe pouco em Educação – cerca de 4,6% do PNB – ao passo que outros países, como a França (que investe cerca de 6,1%) e a Dinamarca (cujo investimento chaga a 8,2%). No Brasil, desse montante destinado à educação, apenas 20% é investido no ensino superior, ao passo que nos Estados Unidos chega a 40%.

De carona na velha máxima: "Filho de rico faz cursinho e estuda na universidade pública. Filho de pobre faz universidade particular" é que o relatório do FMI propõe a cobrança de mensalidades.

No entanto, se considerarmos o número total de ingressantes nas universidades públicas federais, 44,3% pertencem às faixas C, D e E, da escala de rendimentos da Abipeme (Associação Brasileira de Pesquisa de Mercado). Na UNESP, esse total chega a 63% de estudantes cujas famílias possuem renda entre 2 a 13 salários mínimos. Esse quadro, porém, pode ser ainda mais favorável, desde que o governo invista mais recursos nos ensinos fundamental e médio, entendendo a escolarização como um patrimônio de toda a sociedade, com elaboração e planejamento da forma mais democrática possível.

Os gastos com a universidade pública são financiados através dos impostos pagos por toda a sociedade, devendo recair maior carga tributária sobre os mais ricos. Porém, se isso não ocorre é por conta da injusta rede fiscal brasileira, que a muito deve ser enfrentada de frente, acabando com privilégios e agindo de forma mais firme na distribuição de renda.

Além disso, a Comissão Mista de Inquérito (92/93), que investigou problemas da Universidade, concluiu que a cobrança de mensalidades nas universidades públicas, com preços compatíveis aos das universidades particulares (que ignoram a pesquisa), iria resultar em apenas 7 a 10% do orçamento total da Universidade; sem contar com toda a burocracia que seria criada para a administrar esses recursos e estabelecer os critérios de cobranças, o que iria diminuir ainda mais os recursos arrecadados.

A cobrança de mensalidades não iria afetar os estudantes mais ricos, que escolheram as universidades públicas somente pelo critério da qualidade. Iria atingir mais uma vez os estudantes da classe média, que estudou em escolas pagas e freqüentou cursinhos pré-vestibulares e iria fechar definitivamente as portas para os estudantes mais carentes, que seriam obrigados a recorrer às universidades pagas.

O pagamento de mensalidade abre o caminho para a privatização do ensino superior público, aumentando ainda mais a dependência brasileira em relação ao capital internacional, reduzindo o desenvolvimento de tecnologia nacional e destruindo qualquer tentativa de elaboração de um pensamento crítico e acesso ao pensamento único.

Segundo o FMI, a educação é uma "mercadoria valiosa", que deve ser tratada como qualquer outra e posta no processo de acumulação de capital, sem qualquer preocupação de caráter civilizatório, ou extensão de cidadania, uma mera "mercadoria", sob os aplausos de Mr. Franco, Paulo Renato e o governo tucano.

 

(FONTE: JORNAL ELETRÔNICO DO PT: http://www.pt.org.br)