COMO CONFIAR EM FOTOGRAFIAS
*Peter Burke
Costumava-se dizer que "as câmaras não mentem". De fato, um dos motivos do entusiasmo pela fotografia na época de sua invenção foi exatamente a sua objetividade. No século 109 a fotografia era considerada o produto do "lápis da natureza", pois os próprios objetos deixam traços na chapa fotográfica quando ela é exposta à luz, sem outras intervenções da parte do fotógrafo.
Desde aquela época , a objetividade da fotografia tem sido muito criticada.
Lewis Hine, um norte-americano famoso por sua "fotografia social" de trabalhadores imigrantes e cortiços, disse que, "embora as fotografias não possam mentir, os mentirosos podem fotografar".
Mas a ilusão de ver o mundo diretamente quando se olha para fotografias - o "efeito realidade", como o chamou Roland Barthes (1915-1980) - continua difícil de evitar. Esse efeito, parte do que Barthes chamou de "retórica da imagem", é explorado nas imagens de fatos recentes que aparecem nos jornais e na televisão e é a particularmente vívido no caso de antigas fotos de ruas das cidades.
Quando essas fotos são ampliadas, como no caso de algumas fotografias de São Paulo exibidas numa mostra na avenida Paulista alguns atrás ou como as fotos da cidade feitas por Claude Lévi Strauss nos anos 30 e expostas há alguns meses, é difícil resistir à sensação de que estamos realmente parados no lugar onde o fotógrafo esteve e que podemos entrar na fotografia e caminhar pela rua no passado. Um dos motivos para a dificuldade de nos afastarmos desse efeito de realidade é sem duvida a "cultura do instantâneo ": nossa prática cotidiana de tirar fotografias da vida, registrando a história de nossa família e de amigos e também, é claro, moldando nossas lembranças dessa história.
Então por que não devemos confiar nos fotógrafos? Afinal, os tribunais consideram as fotos e os vídeos provas cabais de furto, assassinato ou violência policial (como no notório caso em Los Angeles alguns anos atrás).
O escritor francês Paul Valéry (1871-1945) sugeriu que nossos próprios critérios de veracidade histórica passaram a incluir a pergunta: "Poderia tal fato, assim como é narrado, ter sido fotografado?
Ele não teria ficado surpreso ao saber que os historiadores estão cada vez mais conscientes de que as fotografias, pinturas, filmes e outras imagens podem ajudá-los em suas tentativas de reconstrução do passado.
Por exemplo, um historiador norte-americano do Brasil, Robert Levine, publicou vários livros de fotografias com comentários sobre sua possível utilidade para escrever história social. Outros, como Robert Rosenstone, defendem a "escrita" da história por meio da realização de filmes, o que foi chamado de "historiofotia", substituindo ou se aliando à "historiografia'.
Alguns estudiosos defendem com entusiasmo essa tendência, enquanto outros a rejeitam, alegando que a câmara não é confiável. Nesse debate, minha opinião é que o uso crescente de fotografias e outras imagens como fontes históricas pode enriquecer muito nosso conhecimento e nossa compreensão do passado, desde que possamos desenvolver técnicas de "crítica da fonte" semelhantes às que foram desenvolvidas há muito tempo para avaliar depoimentos escritos.
Como já notou o crítico inglês John Ruskin no século 19, o depoimento de fotografias, assim como o de testemunhas no tribunal, "é muito útil se soubermos fazer um exame cruzado". Enquanto aguardamos a elaboração de uma crítica sistemática das evidências fotográficas e cinemáticas, vale a pena lembrar cinco pontos, não apenas aos historiadores, amas a qualquer pessoa tentada a ver nas fotografias registros precisos do passado.
Comecemos pelos casos mais extremos. Como sugeriu Hine, "os mentirosos podem fotografar". Eles podem retocar as fotos ou manipulá-las de outras maneiras - montagem, por exemplo - para enganar o observador.
Para não sermos enganados por fotografias, sejam fixas ou móveis, precisamos - assim como no caso dos textos - prestar atenção á mensagem e ao remetente, perguntando quem está tentando nos dizer o quê e por que motivos. Numa sociedade como a nossa, saturada de imagens, as escolas poderiam dar uma grande contribuição à democracia e à responsabilidade cívica ensinando aos estudantes uma espécie de "crítica da imagem", revelando as técnicas das agências de publicidade e de fotojornalismo e as intenções das instituições que as contratam.
*Peter Burke é historiador inglês, autor de "Variedades de História Cultural" (Ed. Civilização Brasileira) e "O Renascimento Italiana" (Ed. Nova Alexandria,), entre outros.