DIFICULDADES METODOLÓGICAS DAS CIÊNCIAS HUMANAS

 

(do Livro: Filosofando – Introdução á Filosofia, de Maria Lúcia de Arruda Aranha e Maria Helena Pires Martins, Editora Moderna, São Paulo, pág. 167 e 168)

 

Enquanto doas as outras ciências têm como objeto algo que se encontra fora do sujeito cognoscente, as ciências humanas têm como objeto o próprio ser que conhece. Daí ser possível imaginar as dificuldades da economia, da sociologia, da psicologia, da geografia humana, da história para estudar com objetividade aquilo que diz respeito ao próprio homem tão diretamente.

Vejamos quais são as dificuldades enfrentadas pelas ciências humanas.

A complexidade inerente aos fenômenos humanos, sejam psíquicos, sociais ou econômicos, resiste ás tentativas de simplificação. Em física, por exemplo, ao estudas as condições de pressão, volume e temperatura, é possível simplificar o fenômeno tornando constante um desses fatores. O comportamento humano, entretanto, resulta de múltiplas influências como hereditariedade, meio, impulsos, desejos, memória, bem como da ação da consciência e da vontade, o que o torna um fenômeno extremamente complexo. Já pensou o que significa avaliar a decisão de votos dos cidadãos numa eleição presidencial? Ou procurar explicar o fenômeno do linchamento ou da vaia? Ou examinar as causas que determinam a escolha da profissão?

Outra dificuldade da metodologia das ciências humanas encontra-se na experimentação. Isso não significa que ela seja impossível, mas é difícil identificar e controlar os diversos aspectos que influenciam os atos humanos. Além disso, a natureza artificial dos experimentos controlados em laboratório podem falsear os resultados.

A motivação dos sujeitos também é variável, e s instruções do experimentador podem ser interpretadas de maneiras diferentes. Da mesma forma, a repetição do fenômeno altera os efeitos, pois nunca uma repetição se fará sem modificações, já que, para o homem, enquanto ser consciente e afetivo, a situação sempre será vivida de maneiras diferentes.

Certos experimentos oferecem restrições de caráter moral, já que não se pode submeter o ser humano, indiscriminadamente, a experiências que arrisquem sua integridade física, psíquica ou moral. Por exemplo: as reações de pânico num grupo de pessoas presas numa sala em chamas ou as relações entre a superpopulação num condomínio e a variação do índice de violência só podem ser objeto de apreciação eventual quando ocorrerem acidentes desse tipo. Jamais poderiam ser provocados.

Também é preciso saber o que ser observado: se o comportamento externo do indivíduo ou grupo, ou apenas o relato do que sentiram. Essa técnica , chamada introspecção (olhar par dentro), pode ser falseada pelo indivíduo voluntariamente, quando mente, ou involuntariamente, por motivos que precisariam ser detectados. Por isso, mesmo que a instrospecção seja usada, há quem a considere uma abordagem inadequada.

Outra questão refere-se à matematização. Se a passagem da física aristotélica para a física clássica de Galileu se deu pela transformação das qualidades em quantidades, pode-se concluir que a ciência será tão rigorosa quanto mais for matematizável. Ora, esse ideal é problemático com relação às ciências humanas, cujos fenômenos são essencialmente qualitativos. Por isso, quando é possível aplicar a matemática, são utilizadas técnicas estatísticas e os resultados são sempre aproximativos e sujeitos a interpretação.

Resta ainda a dificuldade decorrente da subjetividade. As ciências da natureza aspiram á objetividade, que consiste na descentração do eu no processo de conhecer, na capacidade de lançar hipóteses verificáveis por todos, mediante instrumentos de controle; e na descentração das emoções e da própria subjetividade do cientista. Mas, se o sujeito que conhece é da mesma natureza do objeto conhecido, parece ser difícil a superação da subjetividade. Imagine como analisar o medo, sendo o próprio analista uma pessoa sujeita ao medo; ou interpretar a história, estando situado numa dada perspectiva histórica; ou analisar a família, fazendo parte de uma; ou ser economista, vivendo num sistema econômico e de um sistema econômico...

Por fim, se a ciência supõe o DETERMINISMO – ou seja, o pressuposto de que na natureza tudo que existe tem uma causa – como fica a questão da liberdade humana?

Por haver REGULARIDADES na natureza, é possível estabelecer leis e por meio delas prever a incidência de um determinado fenômeno. Mas como isso seria possível, se admitíssemos a liberdade do homem? E caso ele esteja realmente submetido a determinismos, seria da mesma forma e intensidade que para os seres inertes?

Tais dificuldades foram levantadas não com a intenção de mostrar que as ciências humanas são inviáveis, pois elas aí estão, procurando o seu espaço. Quisemos apenas acentuar as diferenças de natureza e os problemas que têm encontrado até o momento.