Carta a Fliess - sobre os sonhos

(Jornal "Folha de São Paulo", 28 de novembro de 1999)

 

 

Viena, 19 de fevereiro de 1899
9, Berggasse 19
Querido Wilhelm,
(...) Não apenas os sonhos, mas também os ataques histéricos, são as realizações de desejos. Isso se aplica aos sintomas histéricos, mas é provável que se aplique a todos os produtos da neurose, pois reconheci-o há muito tempo na insanidade delirante aguda. Realidade e realização de desejo: é desses opostos que emerge nossa vida mental. Creio saber agora o que determina a distinção entre os sintomas que abrem caminho para a vida de vigília e para os sonhos. Para o sonho, basta que ele seja a realização de desejo do pensamento recalcado, pois os sonhos são mantidos à distância da realidade. Mas o sintoma, inserido em meio à vida, precisa ser mais uma coisa: precisa também ser a realização de desejo do pensamento recalcador. O sintoma surge quando o pensamento recalcado e o recalcador se unem na realização de um desejo. O sintoma é a realização de desejo do pensamento recalcador, por exemplo, sob a forma de uma punição; a autopunição é o substituto final da autogratificação, que provém da masturbação. Essa chave abre muitas portas. Você sabe, por exemplo, porque X. Y. sofre de vômitos histéricos? Porque, na fantasia, ela está grávida, porque é tão insaciável que não consegue suportar ser privada de ter um bebê também de seu último amante na fantasia. Mas também se permite vomitar porque, desse modo, ficará faminta e emaciada, perderá sua beleza e não será atraente para mais ninguém. Portanto o sentido do sintoma é um par contraditório de realizações de desejo.