Uma Análise sobre o Filme "Assassinos por Natureza"

Por Hugo Harris

(Fonte: http://www.cyclades.com.br/roberto/gif/texto_22.html)

 

Assassinos por Natureza, na época de seu lançamento, foi um filme polêmico, não somente pela sua temática mas também pelas declarações de seu diretor, Oliver Stone, de que este seria o novo Laranja Mecânica (A Clockwork Orange/1971, de Stanley Kubrick), o novo manifesto sobre a violência e suas causas, nos anos 90.

Muita gente não gostou, por exatamente comparar a "versão" anos 90 com a obra-prima de cineasta inglês. Mas não importa muito quem gostou e quem não gostou, o que interessa é a inovação lingüística utilizada por Oliver Stone, absorvendo muito a natureza dos "Vídeo Clips", com montagens rápidas e mensagens subliminares. A dife-rença de Assassinos... e os Vídeo Clips é a coerência e intenção deste primeiro ao nos projetar inúmeras imagens de diferentes estilos para provocar sensações determinadas anteriormente pelo estudo da psicologia.

Sim, Laranja Mecânica utiliza em sua história a psicologia, mas a utiliza como explicação das reações do personagens ao "tratamento" que lhe é oferecido. Já em As-sassinos... esta psicologia se torna parte da narrativa, nos fazendo entrar na experiência alucinógena das mentes deturpadas de Mickey e Mallory Knox (Woody Harreson e Juli-ette Lewis).

Mas, o Laranja Mecânica... Chega! Chega de Laranja Mecânica. Vamos falar do nosso filme...

Pois, então. Já sabemos que Assassinos por Natureza é um filme sobre violência e suas causas, tratado através de uma montagem em estilo de Vídeo Clip, mas que na verdade somente tem como função construir, através de imagens, as alucinações das personagens (tanto principais quanto secundárias), nos fazendo experimentá-las e, tal-vez, compreendê-las.

O que será feito agora será o destrinchamento (é assim mesmo?) do filme, levan-do em consideração as imagens utilizadas, as maneiras como as quais são apresentadas e suas intenções, não a qualidade técnica, a verossimilhança, a consistência do roteiro e outras coisas do gênero. O objetivo é entender os porquês desta overdose visual, dando atenção para cada elemento observado. Logicamente, se sabe que o maior ataque é à mídia, aquela que transforma tudo em produto, até assassinos em série, mas isso não será discutido aqui, por não ser relevante ao caso.

É desde o começo que vemos a utilização que terá a imagem e sua colocação e ritmo na narrativa do filme. Tudo começa muito veloz, apresentando o ambiente em que a ação ocorre (aliás, como todos os filmes - apresentação do espaço). Cidade deserta, lobos ameaçadores, cobras peçonhentas, animais mortos, automóveis que passam em alta velocidade pela estrada apertada, tudo isso unido muito rapidamente, já nos intro-duzindo à cena inicial.

Dentro do bar conhecemos um pouco os nossos "heróis" ou "anti-heróis", seja lá como for. A violência os acompanha, atordoados por imagens constantes em suas men-tes, simbolizadas pelo uso de alternância entre cenas a cores, PB, vermelho, verde.

As mensagens subliminares citadas anteriormente são aquelas que o diretor inse-re na montagem, de modo a passar tão rapidamente no cinema (com seus 24 quadros por segundo), com o intuito de não registrarmos a devida imagem mas sentirmos o que sente a personagem. Com a passagem do filme para a fita de VHS (roda a 30 quadros por se-gundo, ou seja, mais lentamente) conseguimos perceber mais facilmente estas imagens e, portanto, a análise fica mais fácil. Estas imagens não são nada mais do que os perso-nagens ensangüentados encarando a tela, envolvido por um grande fundo negro, diabóli-co.

Muito presente é a união "Ação - Música", transformando tudo em um grande concerto no qual os assassinos dançam e cantam enquanto facilmente efetuam a sua matança.

Câmera lenta, subjetivas, flashbacks, recursos de trucagem e montagem, tudo é utilizado para variar os pontos de vista. Cito agora como exemplo quanto, ainda na cena do bar, Mickey Knox atira em uma servente, a bala se dirige a ela e freia (!), em seguida, após um corte, vemos sangue espirrar nas paredes.

Representatividade nas alucinações, representatividade nos sonhos. Consideran-do os desejos de nossos personagens, anjos descem dos céus e cavalos cavalgam exalta-dos.

Apresentação das personagens. Logicamente já aconteceu na cena do bar, mas parte integrante disso seria o passado dos envolvidos na história. Geralmente, ao decor-rer dos filmes, através de monólogos longuíssimos ou, no máximo, um flashback, co-nhecemos um pouco da história da personagem, nos ajudando a compreendê-la melhor. Em Assassinos... isso é resolvido de outra maneira, aproveitando para também mostrar como os personagens se conheceram.

Um programa humorístico de auditório, retratando a vida de Mallory antes de conhecer Mickey, maltratada e estuprada pelo pai e ignorada pela mãe. Cenas horríveis de violência dentro do lar ocorrem, mas a platéia somente acha tudo engraçado (risadas são ouvidas). Tudo leva ao final já imaginado no qual, com a ajuda de Mickey, Mallory acaba matando o pai afogado no aquário e a mãe é queimada viva.

Closes fortes são utilizados, e projeção de fogo nas paredes. É neste trecho que também surge um curto desenho animado (demonstrando a fuga de Mickey da cadeia) que servirá de suporte para a alucinação de Oliver Stone.

Outro desenho é utilizado quando o casal central do filme realiza sua própria cerimônia de casamento (filmado parecendo feito em V.T.), cortando suas mãos e as unindo, fazendo seu sangue se misturar e cair nas águas, se tornando cobras vermelhas que danças juntas dentro do mar. Essas cobras, ao decorrer do filme serão lembradas, tanto em uma tatuagem de Mickey, quanto no símbolo de uma farmácia na qual eles vão procurar soro anti-ofídico.

Inserido, então, um programa de TV com apresentação e tudo, contando a histó-ria de Mickey e Mallory, utilizando reconstituições simuladas e fazendo referência a rodovia 666 (número do demônio). Som dessincronizado propositadamente, cenas em PB, imagens paradas que passam como FLASHES, imagens repicadas. Até entrevistas acontecem.

Enquanto isso, no motel onde M. e M. Knox estão vemos projetadas na janela cenas de violência. O filme não dá uma trégua sequer. São sempre imagens e imagens, fazendo referência tanto à infância dos dois quanto ao seu atual estado psicológico.

Interessante um trecho em que Mallory vai fazer uma confidência para Mickey e diz: "Você sabe o que tenho pensado, baby?", então corta para a TV que eles estão as-sistindo e vemos pessoas se matando, uma atirando nas outras, sangue para todos os lados.

Existem momentos também em que os rostos de nossos personagens são desfigu-rados via computador, nos dando uma impressão confusa. É neste instante que o casal chega à cabana do índio que os recebe e vê escrito em seus peitos coisas como "Demô-nio" ou "Muitos programas de TV?" ou até "Ela é louca?", prenúncio de que eles o ma-tarão.

Não deixemos de registrar a relação que Oliver Stone fez com as atualidades de sua época (1994). Uma que identifiquei foi, quando da prisão de Mickey e Mallory, o primeiro apanha severamente dos policiais e, ao afastarmos a câmera, vemos a cena da mesma maneira como foi filmado o espancamento do caminhoneiro negro Rodney King por policiais, fato que escandalizou todo o Estados Unidos (e também fora lembrado por Spike Lee no filme Malcolm X).

Não somente toda esta montagem que nos é apresentada influi na nossa visão do filme, como também ocorre muito a utilização de recursos de câmera (como em todo filme), colocando o aparelho em diferentes posições de acordo com o efeito que traz, como imagens em diagonal ou imensas (se colocarmos ela baixa).

A montagem, muito importante, nos traz diversas reações como, por exemplo, quando Mallory corre para bater a cabeça na porta de sua cela. Ao se chocar a monta-gem ocorre de uma maneira a cruzar de subjetiva da porta para a subjetiva de Mallory, deixando-nos atordoados, como se nós tivéssemos batido a nossa cabeça.

Uma referência interessante, digna da montagem, é quando o diretor da prisão grita que está na área dos "Criminosos Insanos" e há um corte mostrando a imagem do monstro de Frankenstein, servindo tanto como uma lembrança (monstros) quanto ponto de vista do autor ("ambos foram criados pelo homem").

No final, todas aquelas cenas subliminares são juntadas e apresentadas como imagem real.

Termino aqui esta análise sobre o filme Assassinos por Natureza e insisto no fato de que este filme não é um Vídeo Clip, derretedor de cérebros, mas sim uma obra concebida da maneira como o foi com o exato propósito de demonstrar, imageticamente, o Universo alucinógeno de nossos personagens, nos fazendo entender o processo de brutalização do ser humano, experimentando a própria viagem e não somente a assistindo.

Ficha Técnica

ASSASSINOS POR NATUREZA (NATURAL BORN KILLERS)

Direção de Oliver Stone

História de Quentin Tarantino

Roteiro de David Veloz, Richard Rutowski e Oliver Stone

Fotografia de Robert Richardson

Montagem de Hank Corwin e Brian Berdan

Ano de Produção: 1994