Fanáticos queriam `aniquilar inimigos de Deus'

(Publicado no Jornal O Estado de São Paulo em 27/11/98)

Membros de seita no Acre que mataram seis pessoas esperavam ser `arrebatados ao céu'

RIO BRANCO - Os fanáticos da seita Igreja Pentecostal Unidos do Brasil, que desde o dia 15 já mataram a pauladas seis pessoas, entre elas crianças, no Seringal Larvas, em Tarauacá, no Acre, disseram à polícia que promoveram a chacina para ser "arrebatados ao céu depois de aniquilar os inimigos de Deus". Quando iniciaram a matança, os líderes da seita estavam em jejum havia 15 dias. Após as mortes, os fanáticos ficaram nus e foram até um morro, de onde, segundo seu pastor, todos seriam levados.

A seita é liderada pelo seringueiro Francisco Bezerra de Moraes, o pastor Totó, e sua mulher, Raimunda Bernardo Gomes, presos em Tarauacá, a 466 quilômetros de Rio Branco. Outro seguidor, Adalberto Faveiro de Souza, que matou os filhos Samuel, de 3 anos, e Israel, de 4, também está preso. A mulher de Faveiro, Maria Luzia Pinheiro, foi morta a golpes de machado e pau pelo pastor enquanto os fanáticos faziam orações e gritavam: "Sai, satanás, em nome de Jesus."

Totó foi nomeado pastor há quase um mês por seu antecessor e líder da seita, China Alfontes Costa Leite, que há sete anos levou a doutrina para o seringal, onde reuniu cerca de 40 seguidores. Segundo a polícia, Totó comunicava-se com os fanáticos por meio do vento. Ele falava ao léu e as palavras eram levadas pela brisa até os seguidores, que imediatamente iniciavam o massacre dos que consideravam desobedientes e possuídos pelo demônio.

Outro seguidor, Francisco Lopes da Silva, de 29 anos, afirma que seu filho, morto a pauladas, se transformou em um monstro após a morte. "A cara dele ficou redonda, as orelhas compridas e começou a exalar um fedor insuportável", diz, sem remorso. Silva assegura que Totó proibiu o sepultamento dos corpos.

Os psiquiatras Carlos Baldner e Joaquim Carvalho estão em Tarauacá ouvindo os depoimentos dos fanáticos. Segundo eles, os líderes da Igreja Pentecostal Unida têm a mesma personalidade do motoboy Francisco Pereira da Silva, o maníaco do parque, que seduzia mulheres e depois as matava no Parque do Estado, em São Paulo. Outro psiquiatra, Paulino Rosa, explica que os seguidores estariam sofrendo do distúrbio de border line, uma fase em que a pessoa fica no limite entre a razão e a loucura.

Má sorte no canal

(Publicado no Jornal Expresso em 9/11/98)

Nos Açores, na ilha de S. Jorge, um décimo da população sujeitou-se ao curandeiro do Pico que se dizia capaz de fazer mezinhas milagrosas. Pelo menos oito pessoas morreram e muitas outras ficarão com marcas permanentes. Ressaca de um transe colectivo

(...)O próprio marido de Maria Adelaide Vieira, apesar de ter assistido à sua agonia, continuou a usar o penso que o curandeiro também lhe tinha receitado para as dores nas costas. Só quando o filho António, um jovem com 23 anos, motorista da ambulância dos Bombeiros Voluntários do Topo, ameaçou sair de casa, o viúvo suspendeu o tratamento. Entre os dois, o assunto é agora tabu. «Tenho a certeza que se a minha mãe não tivesse ido ao curandeiro estaria viva. Mas agora, mais vale não falar nisso», diz António Gonçalves.

Quem não se queixasse de uma maleita identificável, o curandeiro prontamente lhes diagnosticava um cancro. Segundo o médico, «há indícios de que o homem tenha uma personalidade de psicopata», tanto mais que a localização do tumor dependia da idade e do sexo dos clientes. «As mulheres jovens normalmente tinham cancro na zona púbica ou nos seios. Às mais idosas era-lhes aplicado um penso nas costas. Os homens tinham sobretudo tumores no pescoço, na cabeça, ou nas costas», conta o clínico. Esses homens ficarão com a marca da sua credulidade bem visível, já que as feridas, provocadas por uma queimadura química, provavelmente devidas ao paraquato (um componente conhecido por ser letal quando ingerido) transformam-se numa extensa cicatriz arroxeada.

Em parte, César Gonçalves, natural da ilha e delegado de saúde da Calheta desde há oito anos, atribui à pouca instrução, ao isolamento e à «neurose» típica das ilhas o facto de as pessoas se terem «tratado» com o curandeiro. «Os meus doentes dizem-me, agora, que não percebem como se sujeitaram a tudo aquilo. Muitos falam-me do nojo que sentiam por perceberem que o homem não tinha higiene. Outros dizem que tiveram dores atrozes e mesmo assim voltavam para repetir os pensos. Tive um doente que foi 12 vezes ao curandeiro». Uma explicação racional para a onda de crendice que atravessou a ilha não há, embora talvez se entenda melhor o fenómeno à luz da idade muito avançada de uma população eminentemente rural, envelhecida, com um nível de instrução muito baixo e onde até ao ano passado os jovens tinham que abandonar a ilha para frequentar o 10º ano.

(...) E era à porta de Germana que todas as madrugadas se formavam extensas filas à procura de milagres. Cada um pagava o que queria, que podia ir de 500 a três mil escudos. Só o garrafão de cinco litros com um líquido não identificado custava o preço fixo de cinco contos.

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