Publicado no Observatório da
Imprensa em 21/02/2001
Precisamos voltar ao tema das religiões
na TV.
Eu não tenho TV a cabo e a grande
maioria dos brasileiros também não. Assim, vemos
TV aberta. E o que vemos na TV aberta? Um domínio
assustador de programas religiosos, em que multidões são
filmadas chorando, dançando, enquanto um cantor gospel
canta e dança ou um pregador lê e interpreta a Bíblia
em compridos sermões. Nada diferente dos shows-da-vida.
Vemos também pessoas contando como
conseguiram se equilibrar financeiramente ou salvar seus
casamentos na igreja. Essas pessoas contam seus dramas íntimos,
mostram resultados de exames etc. Uma espécie de
programa-do-ratinho-linha-direta-religioso. É o predomínio
da chamada TV-verdade até nas religiões.
O que impressiona é que estes
programas não têm patrocinador, em geral. São
horários comprados pelas igrejas ou pelos pastores que as
conduzem, mantidos, portanto, com o dízimo dos crentes. Há
horários em que quase todos os canais VHF e UHF estão
apresentando um programa deste tipo. A Igreja Católica e
a Igreja Universal têm seus próprios canais, não
obstante se apresentarem também em outros canais, até
mesmo na TV pública.
Não estranho os programas
religiosos. As religiões são parte de nossa busca
espiritual, mas a forma que estes programas adotam é
preocupante. Porque se apresentam como alternativa saudável
(?) para o excesso de violência, sexo e música de má
qualidade na TV, mas usam a mesma forma massificadora e
alienante do que dizem combater.
As pessoas dão testemunho público
de suas misérias e de sua salvação. Dizem
que agora têm dinheiro, a paz voltou ao lar, os filhos
deixaram as drogas, tudo em razão de estarem indo à
igreja e dando o dízimo. O agente da mudança é
colocado no estar na igreja, seguindo a orientação
do pastor da igreja ou padre, tradutores dos mandamentos de
Deus. A diferença plástica entre um
programa-do-ratinho e estes é que pastores e padres
sempre mostram os fiéis no depois, o antes é
simulado como no linha-direta. Assim, o sofrimento é
considerado extinto, sem mais nenhuma relação com
aquela pessoa. Uma simbólica nova vida, através do
acreditar no que o pastor falou. Não me admira que um número
enorme destes religiosos esteja atuando em cargos eletivos.
Simbolicamente, eles mostraram que têm poder para
transformar a realidade.
Chuva de salvador
As músicas são bem dançantes,
cantadas por pessoas risonhas e de boa voz. O tratamento acústico
é muito bom. Os fiéis dançam, cantam,
choram controlados pela música que ouvem e pelas palavras
de ordem do cantor ou do pregador. Apenas as letras das músicas
e a muita roupa que usam diferenciam o profano do sagrado. Mas
sempre a música, usada para conduzir à emoção
por movimentos e ritmos repetitivos. Nenhuma diferença,
portanto. Até a venda de CDs é do mesmo jeito.
Outro aspecto preocupante são os
chamados empresários que estavam falindo e com a igreja e
o dízimo estão bem de vida novamente. Os pastores
abençoam os contracheques, os contratos, as empresas e o
dinheiro flui. Mágica, não? O Deus que eles
apresentam faz chover dinheiro. Imaginem o efeito disto num povo
sem dinheiro numa economia cheia de problemas! É um
marketing danado de bom. Ninguém se importa de contestar
este tipo de testemunho, em que o antes não aparece,
igualzinho àquelas propagandas em que os atores dizem que
são médicos para vender remédios ou dizem
que usam leite-de-aveia para vender cosméticos.
É claro que não há
tiros, sangue, morte, sexo e similares, mas a figura do salvador
humano, que nos tira a ação pessoal, a reflexão,
a vivência autônoma está lá do mesmo
jeito que nos programas não-religiosos. Aquele salvador
humano que ia nos separar das raças impuras, como Hitler,
ou aquele outro que ia expulsar os marajás, como Collor,
ou aquele outro que vai denunciar a falta de ética do
governo, como o ACM, ou aquele outro que vai acabar com os infiéis,
como o Saddam Hussein, ou aquele outro que vai garantir a
democracia no mundo bombardeando os infiéis, como
Clinton, Bush etc. etc., os exemplos são muitos.
É preciso discutir não
somente os programas, mas também os aspectos da manipulação
psíquica a que são submetidos os telespectadores,
principalmente, as crianças e os adolescentes.
(*) Psicóloga