Publicado no Jornal O Estado de São Paulo em 16 de junho de
2002
Nenhuma fonte celestial confirmou, mas quem mora na vizinhança
das igrejas evangélicas da cidade já está convencido: se é preciso
fazer cultos tão barulhentos - com direito a amplificadores,
guitarras e muita gritaria - só pode ser porque a saúde de Deus
está a perigo. Mas são os vizinhos que, baixinho, pedem piedade.
É que a tática de torcida de futebol dos pastores - quanto mais
gritar, melhor - está produzindo uma centena de novos neuróticos
na vizinhança dos templos. São pessoas que enlouquecem com os
horários pouco ortodoxos dos cultos, a empolgação das cerimônias
e a flexibilidade da lei quando o assunto é barulho em igrejas.
O JT passou à frente do Programa de Silêncio Urbano (Psiu) e
visitou a vizinhança dos templos com um decibelímetro - um aparelho
que mede o "tamanho" do barulho. A medição pode não ter sido
a mais científica, mas provou: estão todos gritando - e muito
- pela atenção divina.
Foi em um domingo à noite, há cerca de um mês, que a assistente
social Dora di Giorgi, de 62 anos, desceu do oitavo andar do
seu edifício, atravessou a Rua João Moura, onde mora, e seguiu
em passo determinado até a igreja evangélica Renascer em Cristo,
localizada em plena região residencial de Pinheiros, zona oeste,
a poucos metros do prédio. Não gritou, nem esperneou, mas tomou
uma atitude decidida: fechou as portas da igreja, que estavam
escancaradas, deu meia-volta e seguiu para casa.
"Tinha de terminar um trabalho para segunda-feira, mas com
aquele barulho não dava para me concentrar", diz. A pastora
que pregava para os cinco fiéis que estavam na igreja reagiu
rápido: parou a cantoria - "en-sii-na-me/en-sii-na-me a-vi-veer"
-, deixou de lado o microfone, desligou os amplificadores do
templo e alcançou a assistente social no meio da rua.
"Ela me pegou pelo braço e quis tirar satisfações. Eu respondi
que, se ela não me soltasse, a gente iria parar na polícia",
conta Dora. O "barraco" só se resolveu porque um funcionário
da igreja resolveu acalmar as duas e pôr panos quentes.
O incômodo da vizinhança com o barulho da igreja, porém, não
terminou aí.
Segundo os moradores, a igreja tem cultos noturnos diários,
que começam por volta das 19h30 e não terminam antes das 22h.
No domingo, as cerimônias começam de manhã. "Não dá para assistir
à TV, nem dormir", diz Dora.
O JT foi até o prédio da assistente social e tirou a prova.
Na medição feita do meio da rua - regra que vale para bares
e restaurantes, mas não para igrejas -, o decibelímetro oscilou
entre 70 e 80 decibéis durante a cantoria. Veredicto: tem gente
rezando alto demais.
Síndica de um prédio da rua, Maria Vita Carneiro não precisa
de despertador para acordar no domingo. Quando os fiéis começam
cantar - "je-sus-cris-to é-sal-va-dor" -, às 7h, já sabe, lá
do 3.º andar do prédio, que não vai mais dormir. "Te deixam
à beira da loucura." Reação de louco têm as sete adolescentes
que dividem um apartamento no prédio. "Quando passo na frente
da igreja, paro e ficou cantando", diz a estudante Milena Cardoso.
"Me olham com uma cara..."
Quando os cultos começam, a casa pára
Faz sentido passar a noite em um hotel quando se tem uma casa
confortável na mesma cidade? Se a casa fica ao lado da igreja
Nova Aliança em Cristo, a resposta é sim. Pelo menos é o que
garante a família do médico Nélson e da professora Joelza Rodrigues,
vizinhos do templo, que fica em uma rua residencial da Vila
Mascote, zona sul.
Quando as cerimônias começam, a casa pára. "Não dá para ouvir
nem os nossos pensamentos", diz Joelza. Durante os seus dias
de plantão, Nelson precisa madrugar. Só que para quem é vizinho
da igreja, dormir antes das 23h é tarefa impossível. "Por isso
já cogitamos ir para o hotel", diz a professora.
A família tentou resolver o problema na conversa, mas não deu
certo. "O pastor disse que não podia parar o culto por minha
causa. Fiquei assustada com a agressividade", diz Joelza. Um
outro vizinho até chamou o Psiu. Não adiantou: no dia da medição,
a igreja estava misteriosamente silenciosa.
Apesar de morar há dez anos na casa - que agora fica sempre
com as portas e janelas fechadas -, o casal já pensou em abandoná-la
. "A casa está desvalorizada. O vizinho do outro lado da igreja
tenta vender a sua há um ano e não consegue." Mariane, de 16
anos, a filha do casal, já sabe que tem de estudar na segunda
e na terça-feira, porque a partir de quarta fica impossível.
"Começam os cultos e não dá mais para se concentrar, é assustador."
Até a reportagem se impressionou. Quando entrou na sala da
casa, às 21h30 de uma sexta-feira, a trilha sonora era um inflamado
canto de louvor. Mas não deu tempo de medir o barulho: um segurança
da igreja viu a chegada do carro da reportagem e correu para
avisar que era hora de pôr fim ao culto. "São espertos", diz
Joelza.
Shhh! A festa está atrapalhando o culto
Publicado no Jornal O Estado de S. Paulo em 16 de junho de
2002-06-17
A sala ampla do apartamento da publicitária Thaís Bianco, no
quarto andar de um edifício no Morumbi, já estava cheia de convidados
para o aniversário de 13 anos das gêmeas Fernanda e Beatriz,
suas filhas, quando a cantoria começou.
Só que a música não vinha de dentro, mas de fora do apartamento
- mais precisamente, da igreja pentecostal Deus É Amor, instalada
em um barraco que fica a duas quadras do prédio, já no início
da Favela Paraisópolis. Aos poucos, os convidados foram se calando.
"Não dava para conversar."
Quando a música parou e começaram os gritos de exorcismo, ela
não agüentou:
fechou as portas e janelas. Mas era janeiro e logo o calor
tomou conta da sala. Então abriu a janela ("sai, Satanás!").
Fechou outra vez. Mais calor.
Abriu de novo ("glória, glória, glória..."). Fechou novamente
e perdeu a calma de vez. "Se tivesse uma bomba, acho que jogaria",
brinca.
Bomba ela nunca jogou, mas já tentou se vingar. "Coloquei as
caixas de som na sacada e liguei a música no último volume.
Mas acho que não adiantou nada."
O barulho da igreja perturba os moradores do prédio na Rua
Antônio Julio dos Santos já há mais de um ano. Os cultos acontecem
todos os dias, das 19h30 às 22h, e seguem sempre o mesmo ritual.
"Cantam, gritam e batem palmas. Depois começa o exorcismo e
ficam repetindo a mesma palavra uma centena de vezes", diz.
TV ligada, mas com o som da Igreja
O juiz Francisco Antônio Bianco Neto, marido de Thaís, tentou
resolver o problema pelas vias legais: ligou para o Psiu e agendou
uma visita. Os técnicos foram até lá e (surpresa!) não houve
culto no dia. "Acho que alguém avisou."
Quando o JT visitou a família Bianco, porém, os religiosos
estavam com os pulmões em plena forma: a oscilação do decibelímetro
ficou entre 75 e 85, com picos que chegavam a 90 decibéis.
"Sentar na sacada ou ler um livro na cama depois das 19h30
é impossível", diz Thaís. "O jeito é aumentar o volume da TV."
Bianco Neto já decidiu apelar à Justiça.
"Já organizamos até um abaixo-assinado para enviar ao Ministério
Público." A mulher não se conforma: "Não precisa gritar para
falar com Deus."
Opa! Marta Suplicy no coro das igrejas?
Nenhuma igreja foi multada pelo Programa de Silêncio Urbano
(Psiu) desde o início do ano. Com os outros estabelecimentos,
porém, não houve piedade: até abril, 1.564 foram notificados,
94 multados e três fechados.
Não se trata de bênção - o que dificulta a fiscalização são
as regras especiais para o barulho nas igrejas criadas por um
projeto do vereador Carlos Apolinário (PGT), ligado à Assembléia
de Deus, sancionado pela prefeita Marta Suplicy em janeiro.
"É que igreja não tem fins lucrativos", explica o vereador.
"São regras diferentes para coisas diferentes."
Regras bem diferentes, aliás: pela lei, as multas para estabelecimentos
comerciais variam de R$ 2.874 a R$ 17.247 (de acordo com a capacidade
do lugar; a multa é mais alta para quem não tem licença de funcionamento).
Já os templos têm 90 dias para adaptar o prédio depois que
o Psiu comprova o excesso de barulho - e ainda podem pedir aumento
indeterminado do prazo.
Durante o período, ninguém é multado. O valor? As multas começam
em R$ 500 e chegam, no máximo, com ou sem licença, a R$ 8 mil.
"Começamos a aplicar as regras depois de fevereiro. Assim,
só agora vão começar a vencer os prazos das igrejas notificadas.",
diz Sueli Demétrio, diretora da Divisão Técnica de Fiscalização
do Psiu. Mesmo assim, são apenas quatro as igrejas notificadas.
O milagre da multiplicação das vantagens
Depois, nas infrações seguintes, a multa para os "laicos" cresce
em um terço, podendo chegar a R$ 22.926. Na terceira notificação,
o local é fechado e tem 60 dias para que sejam feitas as adaptações.
Para as igrejas, milagre: valem as mesmas regras da primeira
autuação Bênção maior é outro projeto de Apolinário, em tramitação
na Câmara, que isenta os templos do pagamentos das multas aplicadas
antes das mudanças.
Apolinário vem com mais uma explicação: ele alega que a medição
feita da rua era irregular. "Tem que ser da casa do reclamante".
O primeiro projeto foi aprovado graças a uma forcinha da prefeita,
que prometeu facilitar a votação em troca dos votos da bancada
evangélica na Câmara em um pacote de projetos.
Até vereadores do PT se indignaram. "A lei é inconstitucional
porque elimina o princípio de igualdade", diz o vereador petista
Nabil Bonduki. "Torna a fiscalização inócua".
EI! VOCÊS ESTÃO OUVINDO AÍ NO FUNDO?
O som só é alto para que as pessoas que sentam no fundo dos
templos possam ouvir. A explicação é do pastor Rubens Mattos,
que comanda os cultos da igreja Deus É Amor de Pirituba, na
zona oeste. "Quando você fala para 50 pessoas, não precisa fazer
barulho. Mas, quando são 500, em um espaço de 1000 m², tem de
falar alto", diz o pastor, se referindo à igreja da foto acima,
pouco maior do que a garagem de uma casa - e responsável pelos
80 decibéis de barulho medidos pelo JT da porta da casa do vizinho.
Também é uma questão de estilo. "As igrejas tradicionais usam
piano. As renovadoras preferem bandas completas."
Pastor quase mata aluno por indisciplina em aula nos EUA
da Reuters, em Austin (EUA)
Publicado no Jornal Folha de São Paulo em 09/07/2002
A polícia do Texas procurava ontem um pastor batista e seu
irmão gêmeo depois que eles usaram um galho de árvore para espancar
um garoto de 11 anos e quase matá-lo porque ele não se comportou
numa aula de religião.
Investigadores procuravam Joshua Thompson, 23, e seu irmão
Caleb Thompson pelo incidente de 3 de julho, que levou Louie
Guerrero à UTI por quatro dias após o rompimento de veias ter
prejudicado o funcionamento de seus rins.
Os dois homens foram acusados pelo grave delito, de acordo
com um depoimento juramentado apresentado na segunda-feira (8).
Segundo depoimentos ao tribunal, Joshua Thompson teria dito
ao padrasto do garoto que os 90 minutos de espancamento serviram
para que Guerrero não mentisse mais.
Joshua Thompson é pastor da Igreja Batista da Capital. Caleb
Thompson ajuda nos serviços da igreja.
A criança era aluna de um programa de estudos da Bíblia e
estava na aula quando deixou Joshua Thompson enfurecido. O menino
foi retirado da sala de aulas e levado para a casa de Caleb,
onde foi espancado. Para que os vizinhos não escutassem os gritos
da criança, os dois homens aumentaram o volume do rádio.
Os dois homens levaram então a criança de volta para sua casa,
onde disseram ao padrasto que ele deveria continuar batendo
no menino por mais duas horas para que ele aprendesse a lição.
Depois que os irmãos Thompson saíram, a mãe de Guerrero verificou
contusões e cortes nas costas, cabeça e pernas do menino.
"Eles me bateram", disse Guerrero à mãe, acrescentando que
Caleb Thompson o segurou na cama enquanto Joshua batia nele
com o galho de árvore por uma hora e meia.
Original em: http://www.uol.com.br/folha/reuters/ult112u18372.shl
Só o pop salva
Publicado na Revista Bravo! Em junho de 2002
Programas religiosos trocam a histeria milagrosa por um credo
mais sutil e menos eficiente, que só entrega promessas em troca
da doação polpuda
Por Luís Antônio Giron
O galã da hora atende pelo codinome de Espírito Santo. Ele
resplende nos programas dos canais religiosos do Brasil. É a
santidade mais apropriada à cultura do espetáculo: ES pula,
dança e berra como um DJ ou um corista de gospel. Representa
a epifania, a aparição sensível da divindade, prova da existência
de Javé e da ressurreição do Ungido nos tubos de TV. Se Deus
era "dez" sete anos atrás nas redes religiosas, agora o Espírito
Santo é "tudo". Só que sua carreira pode ser curta.
Os carismáticos católicos e os fiéis pentecostais, confissões
dominantes na TV brasileira, cultuam ES até porque ele se encontra
no ângulo mais fraco da Trindade. O faro permite a exploração
da ambigüidade de suas emanações. Do lado católico, padres Marcelo
e Macário, da Rede Vida, devotam-se, de Bíblia em punho e olhar
à Virgem, a salmodias encantatórias. Na banda pentecostal, postam-se,
em linha, o bispo Edir Macedo e discípulos, da Igreja Universal
e Rede Record, e o casal Sônia e Estevam Hernandez, respectivamente
bispa e apóstolo, proprietários da Igreja Renascer e da Rede
Gospel.
Os religiosos de TV invocam o Espírito Santo e combatem Satanás
com a espada da convicção. Por intercessão de suas magias, Espírito
Santo acende a aura que falta a um mundo cínico contagiado por
ondas eletromagnéticas, reproduções, simulacros, clones, dengue,
hantavírus. Ante as câmeras, os showmen sacros menos espalham
idéias edificantes do que se ocupam em praticar exorcismos,
simular milagres e levar o espectador a um estado de transe
dionisíaco. Hierofantes católicos e pentecostais convertem o
fundamento cristão em chanchada grossa.
O espetáculo da fé arrebanha telespectadores, submete fiéis
e, claro, fatura com a ingenuidade da nova massa. Diferentemente
das hordas penitentes imemoriais, adeptas da catequese, a procissão
pós-cultural anseia por dançar e se encharcar na água benta
que o padre Marcelo lhes joga, aos baldes, enquanto dança o
Tecno do Senhor. Só o pop salva. A congregação quer chorar com
o funk cristão Restituição, em interpretação da bispa, no estilo
de James Brown. Arrebatados pela rave do Cordeiro de Deus, turbas
de empresários arruinados acorrem à Igreja Universal a fim de
fazer um sacrifício de fome que vara a noite. Pastores dos embalos
de sábado à noite da Record ensinam como evitar as noites do
sabá das "casas de macumbaria": exibem trabalhos dos terreiros
em detalhes e entrevistam pessoas afetadas por um mau-olhado
ou um trabalho de Exu. O encosto é extraído com uma simples
visita ao templo mais próximo. À vista de um dízimo, ES deixa
qualquer um "sarado" (sem trocadilho). Ele ministra um curso
de pai-de-santo grátis pela TV, mesmo que ad absurdum.
A penitência não acha hora para acabar. A bispa abençoa cartas
e e-mails no programa De bem com a Vida. Atira-se sobre a mesa
cheia de papéis e, acompanhada de duas carpideiras, urra por
Jesus, exortando-o a separar o joio do trigo e trazer poder,
força e dinheiro, além de "carros importados", aos Gideões,
Josués e Dizimistas - membros da igreja que pagam seus carnês
em dia. A bispa conversa com Carlos, gay arrependido que confessa
as "perversões" passadas, declara que Jesus o salvou e até mesmo
o fez se casar com mulher. "Aleluia! Agora estou feliz, bispa!"
Ela escancara o sorriso: "Amém! Você conseguiu se livrar desses...
desejos passados? Você agora leva uma vida normal!?". Sem embargo
da aparência de modernidade, a Renascer enxerga um demônio embutido
em cada GLS.
Há, porém, jovens que fornecem cara clubber à emissora. No
programa diário Escola de Profetas, o jovem pastor Gê, com visual
moderno, inicia os incautos na interpretação literal do Apocalipse.
A jeremiada não pára. Ao longo da programação de maio, os fiéis
tagarelaram e defenderam seus líderes das reportagens da revista
Época (que denunciou um suposto desvio dos dízimos dos membros
da igreja para o patrimônio do casal Hernandez). "Vale a pena
abandonar pai e mãe em nome de Jesus, aleluia!", diz uma garota
muito jovem. O programa Jejum da Fé, da TV Gospel, lembra a
Maratona dos Empresários, da Record. A diferença é que os degredados
filhos de Eva do primeiro canal jejuam e atiram moedas ao palco
para obter uma reviravolta súbita na cotação de suas almas na
Bolsa do Senhor. Os da Record cursam um MBA com lições de neurolingüística
e direito tributário. A histeria talibã da Gospel contrasta
com o racionalismo do exorcismo light da Universal.
A atmosfera da Rede Vida prefere o arcaísmo: o ritual se sobrepõe
à doutrina, numa repetição estupefaciente de frases feitas e
distribuição de santinhos, imagens e relíquias virtuais. O programa
Santo do Dia conscientiza a gente para as semelhanças entre
santinhos e bulas de remédio, ensinando para que serve cada
mártir da Igreja Católica. Um jovem efebo com feições de Heliogábalo
e as enormes orelhas adornadas de brincos de argola reza a Ave
Maria mil vezes para beatas automáticas sonolentas. Chega a
hora da bênção noturna; padre Marcelo repete dez mistérios por
dez vezes, narcotizando os espectadores com ladainhas tipo "Espírito
Santo, abençoe os meus antepassados. Espírito Santo, abençoe
os meus antepassados". Assim até levar o católico a um torpor
de indiferença.
Apesar das distinções de fundamentos teóricos e televisivos,
uma oração une as igrejas: o Pai Nosso. Cada uma, porém, reza-a
do seu jeito. Padre Marcelo: "Perdoai as nossas ofensas". "Perdoa
nossas dívidas!", suplica a bispa. Ambos sabem que o Pai significa
a gênese; o Filho, o amor. O Espírito Santo encena o teatro
do milagre. Eis o arcano com que os programas de TV professam
a nova aliança pós-utópica: a montagem do auto da fé para a
patuléia dos desesperados e descrentes, famintos de uma só palavra
redentora, do show pop que os tire da letargia.
Em tais espetáculos, porém, não comparecem mais aqueles tetraplégicos
de faroeste que infestavam os programas do bispo Macedo - que,
a uma bênção, libertavam-se das muletas e corriam ao altar com
uma cédula graúda, dando graças ao pastor. A "teotevê" atual
tornou a cena mais sutil. Agora, o circo da crendice oferece
somente esperança em troca da esmola polpuda. É como encomendar
produtos num canal de compras sem que este o entregue jamais:
o carro importado, a vitória e a recuperação das finanças, casamento
ou da saúde solicitadas. Se nada é dado em troca, muitos crentes
vêem-se traídos pelas promessas vãs. O resultado só pode ser
um: a conversão às avessas. Ironicamente, os programas religiosos
podem estar induzindo os telespectadores ao niilismo. E enchendo
o inferno de ateus.
Falsa juíza, já presa, se infiltrava em igrejas
e aplicava golpes em fiéis
Publicado no Jornal O Globo em 16/07/2002
Autor: Dimmi Amora
Rosania Elygiara, de 50 anos, se apresentava como juíza federal
corregedora. Dizia-se também evangélica e, em vários templos
da cidade, dava seu testemunho de fé e oferecia ajuda jurídica
aos fiéis. Mostrava autoridade e chegava a determinar a PMs
que o trânsito na rua fosse interrompido para sua saída. Sua
identidade verdadeira, no entanto, acabou sendo descoberta:
seu nome é Rosania Gomes Maranhão e ela é uma estelionatária
já condenada. Presa pela Polícia Federal (PF), já foi reconhecida
por mais de 15 vítimas. Somados, os valores de seus golpes já
chegam a R$ 500 mil.
O delegado Agildo Soares, da PF de Nova Iguaçu, acredita que
Rosania possa ter lesado mais de cem pessoas nos últimos dois
anos. Para o delegado, ela é a ponta de uma quadrilha especializada
em dar golpes por toda a cidade, que inclui advogados e parentes
de Rosania, entre eles seu marido, José Bonifácio de Paula,
que está sendo procurado. Rosania morava no prédio número 120
da Avenida Nossa Senhora de Copacabana, onde também teria aplicado
vários golpes, e tem um forte sotaque nordestino.
- Estamos no início da operação e muita coisa ainda vai aparecer.
Vamos prender muita gente ainda - prometeu o delegado.
Empresária perdeu R$ 180 mil para golpista
As vítimas de Rosania tinham perfis distintos. Numa empresária
da cidade, que pediu para não ser identificada, ela conseguiu
dar um golpe de R$ 180 mil para agilizar um processo. De uma
dona-de-casa da Cidade de Deus, levou mais de R$ 21 mil a título
de consultoria jurídica. Rosania foi presa em flagrante na semana
passada quando tentava levar R$ 16 mil de um sargento da Marinha.
- Ela é muito abusada. Na hora em que lhe dei voz de prisão,
ela disse que era juíza federal e não ia se identificar para
mim - contou o delegado Marcelo Bertolucci, também da PF de
Nova Iguaçu.
Segundo a polícia, Rosania se infiltrou como fiel em três
igrejas: a Universal do Reino de Deus da Avenida Princesa Isabel,
no Leme; a Deus é Amor da Rua Senador Pompeu, no Centro; e a
Nova Vida da Rua General Polidoro, em Botafogo. De acordo com
uma fiel da Nova Vida, porém, o pastor proibiu Rosania de falar
nos cultos:
- Ela tentou me dar um golpe dizendo que tinha jóias valiosas
para vender e me perguntando se eu queria comprá-las. Mas percebi
que era golpe e ela se afastou da nossa igreja há algum tempo.
Percebi que ela não tinha linguajar de uma pessoa que fez direito
- disse a fiel.
Menos sorte tiveram os fiéis da Igreja Universal. Rosania
teve livre acesso à igreja e, em seus testemunhos, se identificava
como juíza e dizia que podia prestar auxílio aos fiéis. Era
no Leme que ela costumava determinar aos policiais da região
que fechassem a Avenida Princesa Isabel para que saísse com
carros de luxo.
- Faziam fila para falar com ela. Eu mesma cheguei a pagar
R$ 18 mil a ela dentro da igreja. Esta mulher é a própria encarnação
do diabo - contou a empresária que perdeu R$ 180 mil para agilizar,
na Justiça federal, uma causa contra uma empresa pública.
A dona-de-casa Maria das Dores de Oliveira conheceu Rosania
por intermédio de um parente da falsa juíza, em abril de 2001.
Maria precisava de auxílio num processo de pensão de seu pai.
Ela contou que juntou dinheiro com amigos e parentes e conseguiu
a quantia de R$ 21 mil pedida por Rosania. Até hoje, não tem
qualquer documento referente ao processo.
- Sou uma pessoa simples e acabei sendo enganada por esta
mulher, mesmo conhecendo parentes dela - reclamou.
Condenações chegam a 11 anos de prisão
De acordo com o delegado Agildo Soares, Rosania se beneficiou
da boa-fé das pessoas que acreditavam que ela poderia auxiliar
nos processos parados na Justiça. Por isso, segundo ele, não
há motivos para indiciar as vítimas por tentativa de corrupção:
- Ela agia com outras pessoas, inclusive advogados, num grande
esquema para lesar as vítimas. Não podemos condenar quem estava
querendo agilizar os processos.
Rosania passou mal a caminho da delegacia e está internada,
sob custódia, no Hospital da Posse, em Nova Iguaçu. Ela tem
36 anotações em sua ficha criminal, sendo quatro condenações.
Todas por estelionato que, somadas, chegam a quase 11 anos de
prisão.