Publicado no Jornal Folha de São
Paulo em 11/07/94
Membros de várias igrejas do país
acreditam que o juízo final pode acontecer entre hoje e o
ano 2000
Uma legião que varia entre 30 e 35
milhões de fiéis brasileiros acredita que o juízo
final, ou o dia do apocalipse, pode acontecer entre hoje e o ano
2000.
Esse coro, suficiente para lotar 185
Maracanãs, é estimado por entidades tão
diversas como o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE) e o Instituto Cristão de Pesquisas (ICP).
Os apocalípticos são
compostos por uma horda de fiéis intitulada "evangélicos",
que inclui membros de igrejas como a Presbiteriana, Batista,
Metodista, Assembléia de Deus, Deus é Amor e
Universal do Reino de Deus.
Considerada uma das características
do nosso "espírito de época", essa crença
no fim do mundo nasceu de múltiplas leituras que os fiéis
fizeram de axiomas bíblicos, retirados sobretudo dos
textos de Mateus, Habacuque e do Livro dos Provérbios.
A Folha percorreu o centro de São
Paulo por dez dias, em busca das leituras que cada fiel fez
dessas frases. Mario Silva Ramos, por exemplo, é pregador
presbiteriano que frequenta a praça Ramos de Azevedo
(centro de São Paulo). Diz que acredita no fim do mundo
para o ano de 1999 -graças a uma frase que ele retirou do
livro do Apocalipse: "um raio branco varrerá os não
convertidos do centro da terra e só serão
arrebatados ao Paraíso os merecedores".
Até alguns católicos têm
sustentado que o fim do mundo pode acontecer a qualquer momento,
antes do clássico 1999. Segundo a Confederação
Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), a Igreja Católica
perde em média, só no Brasil, 600 mil fiéis
para outras religiões, sobretudo as apocalípticas.
E alguns desses dissidentes do
catolicismo, atormentados pelo fantasma do juízo final,
saem para as ruas pregando o fim do mundo -sem abrir mão
dos cânones católicos mas também sem aceitar
integralmente a idéia das religiões adventistas.
É o caso de Maria de Lourdes
Batistella, 45, que há cinco anos "torra" sua
existência no centro de São Paulo alertando os
pedestres como sobre se salvar dos pecados.
Olhos azuis, vestida de branco como uma
freira, trazendo em punho um megafone de última geração,
ela distribuiu santinhos de metal dourado, na intenção
de salvar os paulistanos do "mal".
"Um dos sinais do apocalipse é
que os padres deixaram de usar batina e que eles mesmos têm
medo de falar sobre o fim do mundo", sustenta a pregadora.
"A única forma de salvação
seria rezar um rosário mais de 40 vezes por dia",
diz Maria de Lourdes, que prega carregando um retrato de Nossa
Senhora.
Assim como ela, há membros de
seitas que esperam o fim do mundo para qualquer hora, a partir
de agora. Em 1992, por exemplo, as seitas coreanas Bank ik Ha e
Missão Taberá, do Brás (zona leste),
anunciaram o fim do mundo para o dia 28 de setembro daquele ano
-também escolhido como o ano "final" pela seita
carioca Auto-Clamor.
O mais curioso de tudo é que a Missão
Taberá sustentava que a língua dos anjos que
desceriam do céu seria o coreano. E que as "bestas"
do apocalipse poderiam ser identificadas por trazerem o "código
de barras" na testa.
Segundo pesquisador Paulo Romeiro, do
Instituto Cristão de Pesquisas, a diversidade de datas e
meios pelo qual virá o juízo final reside em várias
interpretações do capítulo 4º, versículo
18, onde se faz menção à vinda da "luz",
que arrebatará os fiéis aos céus.
"Cada seita diz que essa luz virá
numa data e, com esse tipo de ameaça, conseguem extorquir
dinheiro de seus fiéis, que se sentem ameaçados."
Em 1994, apenas uma igreja marcou data
para o fim do mundo. Trata-se da seita Family Radio, dos EUA,
comandada por Harold Camping, um pastor da Califórnia. No
início do ano, ele enviou ao Brasil 50 discípulos
que se hospedaram no Othon Palace Hotel, em São Paulo.
Passaram 100 dias no Brasil distribuindo a
obra "1994", um calhamaço de 556 páginas,
que pode ser encontrado em qualquer livraria da cidade. Detalhe:
lê-se à página 524 que a vinda de Cristo à
Terra já teria sido anunciada em 1994 "no primeiro
dia do sétimo mês".
E mais: na página 528, está
escrito que o dia do juízo final está marcado para
o próximo dia 15 de setembro.
Diz o pesquisador de religiões
Joaquim de Andrade, 32, que alguns membros dessas seitas têm
sustentado que, quando finalmente o apocalipse chegar, só
haverá "vagas" no céu para um número
justo de 144 mil pessoas "puras".
"Agora eles vêm dizendo que a
maioria dessas vagas já foi preenchida e que só
vai haver lugar mesmo é para 8.000 pessoas."