Estados Unidos 24/07/2003
Desde 1940, 789 crianças, pelo menos, foram molestadas sexualmente
por 250 padres e outros funcionários da arquidiocese Católica Romana
de Boston. A conclusão é da investigação do promotor geral de
Massachusetts, divulgada na quarta-feira (23/07).
O promotor-geral, Thomas F. Reilly, católico, descreveu o escândalo
de abuso sexual no clero que abalou Boston desde o início de 2002
como "a maior tragédia de crianças na história do país".
Reilly culpou a liderança da arquidiocese de Boston pelo escândalo.
Além do cardeal Bernard M. Law, que renunciou, sob pressão, em
dezembro último, Reilly culpou também uma série de assessores do
cardeal. Muitos desses se tornaram bispos em outras cidades do país,
como Thomas Daily, hoje bispo de Brooklyn.
"Quando tiveram que escolher entre proteger as crianças e proteger a
Igreja, escolheram o sigilo, para proteger a Igreja", disse Reilly
em conferência com a imprensa. "Eles sacrificaram as crianças por
muitos e muitos anos."
Reilly disse que existia dentro da arquidiocese "uma cultura
institucional" de segredo, que levou os líderes a proteger os padres
e a Igreja, em vez de investigar as acusações de abuso sexual das
crianças.
O documento de 76 páginas oferece o relato mais completo até hoje do
escândalo de abuso sexual do clero em Boston. Ele se baseou na
revisão de 30.000 páginas de documentos da Igreja e 100 horas de
testemunhos diante de um grande júri. O número de vítimas incluiu
somente pessoas que delataram os abusos à arquidiocese, disse
Reilly. No entanto, ele disse: "Não tenho absolutamente nenhuma
dúvida de que o número é muito maior", já que muitas vítimas não
puderam ou não quiseram relatar o que lhes aconteceu.
Assim, disse o relatório, o número real de vítimas "provavelmente
excede 1.000". Não há uma contagem oficial do número de vítimas. As
melhores estimativas vêm do número de processos legais por abuso
sexual contra a arquidiocese, que atualmente chegam a quase 600. No
entanto, Mitchell Garabedian, que representa 114 litigantes, disse
acreditar que o número de vítimas em todos esses anos seja de
"milhares".
Da mesma forma, não há uma contagem confiável do número total de
padres que serviram em Boston desde 1940. No entanto, o relatório
contou reclamações contra 237, o que representaria uma fração
significativa da arquidiocese, que hoje conta com 505 padres ativos.
A revisão do promotor-geral não gerou indiciamentos contra Law ou
outros membros da arquidiocese, porque a lei de Massachusetts não
requeria que a Igreja informasse de casos de suspeita de abuso de
crianças até o ano passado. Além disso, disse Reilly, as leis de
proteção à infância eram fracas.
"Ninguém está mais desapontado do que eu e minha equipe, por não
podermos indiciar os culpados", disse Reilly. "Se fosse possível, o
teríamos feito."
Em tom de raiva contida, Reilly indicou que Law e seus principais
assessores estavam perfeitamente cientes de como evitar as leis
lenientes da época e proteger a Igreja. "Acho que sabiam exatamente
o que estavam fazendo, em cada passo do caminho", disse Reilly.
"Sabiam que não tinham obrigação legal de informar às autoridades.
Fizeram escolhas deliberadas."
O relatório foi divulgado apenas uma semana antes de o bispo Sean P.
O'Malley assumir a liderança da arquidiocese de Boston. Reilly disse
que estava divulgando o relatório nesta data para dar a O'Malley a
chance de se distinguir da antiga liderança.
Reilly disse que sua investigação não tinha encontrado evidências de
atuais abusos de crianças. No entanto, acrescentou: "É cedo demais
para saber se acabou", porque o abuso sexual do clero durou tantos
anos que se tornou parte da "cultura institucional" da Igreja.
Reilly e o relatório ressaltaram que o principal problema era a
hierarquia da Igreja em Boston. "Há uma quantidade impressionante de
evidências que, por muitos anos, o cardeal Law e seus principais
administradores tiveram conhecimento direto de que números
substanciais de crianças na arquidiocese tinham sido molestadas por
números substanciais de padres", concluiu o relatório.
Law era tão bem informado que, de fato, estava ciente do problema em
Boston mesmo antes de ter assumido a arquidiocese, em 1984, segundo
o relatório.
"Os funcionários da administração do cardeal recebiam as reclamações
de abuso. Eles estipulavam a resposta da arquidiocese e informavam o
cardeal. Muitas vezes, pediram sua aprovação para as recomendações",
disse o relatório.
Em certa altura, Law até mesmo visitou um hospital psiquiátrico ao
qual a Igreja de Boston enviou padres acusados de pedofilia, Saint
Luke Institute, em Maryland, segundo o relatório.
Mas como Law e seus assistentes "continuavam comprometidos com seus
objetivos primários - proteger os padres e a instituição acima do
bem-estar das crianças e impedir um escândalo", disse o relatório,
eles não informaram as autoridades sobre o abuso sexual infantil.
Outra prática rotineira era transferir padres para outras paróquias,
sem notificar as pessoas do local sobre seus problemas.
Fonte: http://noticias.uol.com.br/midiaglobal/nytimes/ult574u3161.jhtm
Vaticano exige que abuso sexual seja abafado, diz jornal
Publicado no BBC Brasil - 17 de agosto, 2003 - 06h00 GMT (03h00 Brasília)
Original: http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/story/2003/08/030817_vaticanoon.shtml
A Igreja Católica foi acusada de vários casos de abuso sexual.
Um documento do Vaticano exige que bispos de todo mundo "abafem" os casos de
abuso sexual, segundo o jornal britânico The Observer.
O documento de 69 páginas, que foi enviado a todos os bispos do mundo, pede
sigilo "absoluto" dos clérigos sobre acusações sexuais contra padres e diz
que quem quebrar o silêncio deve ser expulso da Igreja Católica, diz o
jornal.
Apesar de ter sido lançado pela primeira vez em 1962, com o selo oficial do
papa João 23, o documento continuaria em vigor.
O Vaticano confirma a existência do texto, mas nega que tenha havido uma
tentativa organizada de "abafar" casos recentes de abuso sexual, segundo o
Observer.
Advogado
O documento foi obtido por um advogado americano que está defendendo
supostas vítimas de abuso sexual por bispos católicos.
"Ele prova que existe uma conspiração internacional da Igreja para calar
assuntos relacionados ao abuso sexual", disse o advogado Daniel Shea ao
jornal.
"É uma tentativa de esconder uma conduta criminosa."
O advogado disse ter conseguido o documento junto a um clérigo na Alemanha e
entregue o texto às autoridades americanas.
A Igreja Católica dos Estados Unidos sofreu uma série de acusações contra
seus padres.
O arcebispo de Boston, cardeal Bernard Law, teve que renunciar no ano
passado depois de ter admitido que "abafou" casos de abuso sexual de seus
padres.
As acusações levaram a mais de cem processos na Justiça americana.