Publicado em 22/10/95 no Jornal Folha de São
Paulo
A opinião democrática
desconfia dos fanatismos religiosos, sobretudo quando eles estão
em guerra. A seita do bispo Edir Macedo conduz massas
hipnotizadas para a caixa registradora, lugar onde se abrem as
portas do céu e da terra. Novidade? De modo algum.
O monge católico Tetzel, já
no século 16, recitava versinhos indecentes, prefigurando
as rezas dos pastores eletrônicos: "Sobald das Geld
im Kasten Klingt/Die seele aus dem Fegfeuer springt"
(Quando a moeda no cofre ressoar/A alma do purgatório vai
saltar).
Simonia não é monopólio
da Igreja Universal do Reino de Deus. Nesse comércio, a
Igreja Católica possui muita ciência e mais tempo
na praça.
A simonia é blasfêmia que
nenhum cristão pode aceitar. Mas ela possui muitas
formas. Quando bispos católicos impõem regras ao
Estado e à sociedade, em troca de apoio político,
vendem o evangelho.
As seitas "evangélicas"
renegaram Lutero. Este não aceitava confusão entre
o mundo e o reino celeste.
Alguns setores do calvinismo assumiram
_com as devidas cautelas_ a idéia de que Deus abençoa
os eleitos, inclusive com bens materiais.
Semelhante noção mesquinha
persiste em parcelas dos grupos reformados. Edir Macedo conduz
tal doutrina à caricatura cruel: é possível
dar um empurrão na graça divina, com dinheiro.
Abominável.
Nós, católicos democráticos,
precisamos fazer algumas perguntas. Quanto manda a diocese de
Aparecida para os cofres da CNBB (Conferência Nacional dos
Bispos do Brasil)?
Macedo recolhe moedas em sacos, no Maracanã.
Os "pastores" eletrônicos cobram por milagres.
Estes são absolutamente gratuitos em Aparecida?
Que sejam lidos os textos da CNBB apoiando
o golpe de 1964. No documento emitido em 19 de fevereiro de
1969, os bispos propõem "leal colaboração",
entre eles e os autores do AI-5, com a desculpa das "reformas"
sociais.
Mentira e simonia. E a "ceia dos
cardeais", com a presença dos militares, para ganho
político dos antístites? E a pressão dos
mesmos bispos sobre o Congresso para impor o ensino religioso
nas escolas públicas?
Sejamos equânimes: a simonia, a
troca do sagrado por dinheiro ou vantagem política,
existe nas duas instituições.
Bem disse aquele teórico do século
19: "A Igreja é mesmo divina. Caso oposto, os homens
já teriam acabado com ela".
No campo da tolerância, é
hipocrisia apontar os fiéis de Edir Macedo como os únicos
inimigos da crença alheia.
O boçal que profanou uma imagem
exibiu ódio repelente. Mas existem meios sutis de
rebaixar os valores de formas religiosas contrárias às
nossas.
A Igreja é mestra nessa arte. Ela
ajudou o colonialismo durante séculos, em nome da "inferioridade"
espiritual dos submetidos, índios ou negros.
Mesmo quando tenta dialogar, a hierarquia
comete deslizes etnocêntricos gravíssimos.
Dom Aloisio Lorscheider, referindo-se aos
cultos de origem africana (os mesmos satanizados por Edir
Macedo), disse que eles derivam de "uma alienação...
de uma tendência animista que se encontra muito em povos
que não sabem explicar fenômenos naturais".
Modo elegante de dizer o mesmo do que Edir
Macedo, com jargão "progressista". A violência
intolerante também é igual. Essas falas se
inspiram na autodefesa.
Em 1970, o teólogo J. Comblin
advertia que as massas estavam abandonando a Igreja: "São
as novas religiões, seitas, cultos sincretistas, que
recolhem a herança" ("Théologie de la Révolution").
Quando uma sociedade, laica ou religiosa,
sente o cheiro da morte, ela exorciza os "outros",
reserva-lhes o inferno ou a "mentalidade primitiva".
Seguem essa "lógica" as
perseguições promovidas por d. Lucas Neves, em
Salvador, contra os ritos africanos.
O Estado não pode permitir guerra
de religiões. O pouco que lhe resta de soberania, já
ameaçada por setores econômicos piratas, não
pode fenecer pelo mandonismo teológico-político.
Os democratas recusam deputados "crentes"
que praticam uma nova forma ecumênica. De fato, enoja o
seu entusiasmo pela blasfêmia "franciscana",
resumida no "é dando que se recebe".
Não menos perigosa para a
democracia é a pressão dos bispos sobre o
Parlamento e o Executivo. Se deseja manter-se soberano, o Estado
deve impor, com mão de ferro, a tolerância mútua
entre os credos.
Outro caminho, mais nobre, seria a leitura
e a prática, por todos os que se proclamam fiéis,
do prescrito no "Sermão da Montanha". Mas isso é
esperar muito dos grandes inquisidores e de seus inimigos "evangélicos".
Um Estado verdadeiro propicia liberdade e
respeito para todas as crenças e para os que não
acreditam nos dogmas.
É o que ensina a sábia
Igreja, quando delibera sob inspiração divina: o
direito de não ser coagido religiosamente funda-se na
natureza humana.
Ele "continua a existir, ainda para
aqueles que não satisfazem a obrigação de
procurar a verdade e de a ela aderir" (Concílio
Vaticano 2, declaração "Dignitatis Humanae").
ROBERTO ROMANO, 49, é professor
titular de filosofia na Universidade de Campinas e autor de "Brasil,
Igreja Contra Estado"
PADRE É
INDICIADO SOB SUSPEITA DE TRÁFICO DE MULHERES
Jornal O Estado de Minas em 15/03/00
O padre Orestes João Stragliotto,
da paróquia Santo Inácio, em São Leopoldo,
no Rio Grande do Sul, foi indiciado por co-autoria em crime de
tráfico de mulheres. No dia 17 de setembro, foi
depositada na conta corrente do pároco, de 71 anos, R$
1,4 mil. O depósito teria sido feito por Paulo Sérgio
de Almeida Mello, acusado de estar vinculado ao envio de
brasileiras para a Espanha, onde fariam shows em clubes e se
dedicariam à prostituição. O padre negou
enfaticamente o envolvimento com o delito. ''Depois de 71 anos
de vida me acontece uma coisa que nunca esperei '', desabafou
ontem. Em depoimento na superintendência da Polícia
Federal de Porto Alegre, na quinta-feira, Stragliotto explicou
que o dinheiro foi depositado na conta conjunta que possui com o
assistente social da paróquia, Paulo Garcia da Silva.
Segundo ele, quem pediu a Silva para usar a conta dos dois, na
agência do Banco do Brasil de São Leopoldo, foi Délcio
Gomes, também funcionário da paróquia.
Gomes teria alegado que precisaria da conta para receber uma doação
que viria da Alemanha para famílias carentes do município.
Gomes está detido no Presídio Central da capital
gaúcha. Ele e Mello foram presos pela PF, na
quarta-feira, por suspeita de traficar mulheres para a Espanha.
''O Délcio era ótimo funcionário. Nunca
desconfiamos dele '', disse o padre. Na verdade, o dinheiro foi
depositado em uma agência do BB na Espanha. Stragliotto
contou que, ao saber da acusação, descobriu um
comprovante bancário de que os R$ 1,4 mil -equivalentes a
130 mil pesetas -haviam sido transferidos imediatamente para
outra conta. ''Entreguei o documento, que estava com as coisas
do Délcio, à polícia '', relatou. Gomes e
Mello foram surpreendidos no Aeroporto Salgado Filho, de Porto
Alegre, quando se preparavam para embarcar para a Espanha,
acompanhados de C. S. R. , 22 anos.