CAPÍTULO VII


OS PROFETAS E A HISTÓRIA

 

Tem-se dito que o Velho Testamento não tem uma palavra para «história». Seria mais exato dizer que ele não tem um termo tão compreensivo quanto se tornou esta palavra, que significa ao mesmo tempo o registro dos acontecimentos e os próprios acontecimentos (1). Encontram-se no Velho Testamento termos equivalentes aos sentidos mais restritos da palavra «história», tais como o que é correntemente traduzido por «crônicas», e duas palavras cognatas, que significam «memória» ou «memorial» (2).

As crônicas eram registros de um reinado, em que os acontecimentos relatados não eram uma sucessão heterogênea, mas eram selecionados por sua importância intrínseca, e sem dúvida também por seu valor para aumentar a reputação do governante, ou para servir, de algum outro modo, ao propósito do escritor. Em uma passagem tardia, tal crônica é chamada «o livro dos feitos memoráveis», e em outra ouvimos falar de um memorandum celeste a respeito da piedade dos fiéis (3). A memória de indivíduos, dos mortos, de cidades destruídas, de Israel como nação, de acontecimentos e ocasiões significativos para o futuro, é referido de um modo que sugere a recordação de experiência memorável, é a essência da História (4).

Mais importante porém do que qualquer questão de terminologia é o fato de o Velho Testamento ser caracterizado pela qualidade histórica de seu pensamento, diferente de um enfoque da realidade que seja mitológico, metafísico ou místico. Êle é construído ao redor de uma história, e de uma interpretação dessa história que se torna uma interpre-

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tação de toda a História. Seu deus é conhecido por seus atos, que são eventos da História e não intervenções originadas em outra dimensão da realidade. A experiência temporal do homem não é ilusão, pois nela ele defronta a realidade final do Deus justo, misericordioso e verdadeiro. O Velho Testamento reconhece, na experiência histórica de Israel, o propósito persistente desse Deus, Javé, de criar e abençoar um povo obediente à Sua vontade.

Os profetas do oitavo século desempenharam importante papel na criação desse entendimento religioso da experiência, e da filosofia, ou melhor, teologia, da história, derivada dele. Não o originaram, porém, desenvolveram algo latente em sua tradição religiosa. Nem mesmo o elevaram às alturas que haveria de alcançar mais tarde, por exemplo, na profecia escrita do Segundo Isaías (5). A contribuição peculiar deles é a matéria deste capítulo. O assunto deve ser tratado por via de alguma consideração preliminar da idéia de História e da possibilidade e método de sua interpretação.


A Interpretação da História

Diz Tillich: «História é a totalidade dos acontecimentos relembrados, determinados pela livre atividade humana e importantes para a vida de grupos humanos» (6). Essa definição combina brilhantemente os significados subjetivos e objetivo da palavra. História é a cadeia de eventos, mas eventos relembrados, quer na memória viva, na tradição ou em qualquer forma de registro. Esses eventos são escolhidos para registro ou preservados na memória porque se sente terem uma importância acima do momento em que acontecem, e tal apreciação abre caminho a diferentes interpretações dos acontecimentos visto que variam os interesses e padrões de valor dos homens. E ainda, história refere-se a acontecimentos «determinados pela livre atividade humana», isto é, com o que acontece nas decisões e ações humanas, e como resultado delas, em dadas circunstâncias. Mas Tillich reconhece: «A natureza, também tem parte na feitura da história humana... mas a natureza mesma não tem história porque não tem liberdade» (7). Na autonomia humana de

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decisão e resposta, mesmo dentro de limites, é que jaz o elemento novo e singular, impredizível e irrepetível, que distingue a história humana.

Podemos pois definir história como o registro e interpretação de experiência humana significativa. Só num sentido restrito podemos falar da história da vida de um indivíduo; preocupamo-nos primariamente com eventos relembrados por sua importância, como diz Tillich «para a vida de grupos humanos». A vida contínua de uma comunidade autoconsciente tem sua própria memória, que influi poderosamente em seu caráter e ações, quase como no caso do indivíduo. De fato, a tradição viva de uma comunidade, somada à sua organização política e ética, contribui mais para a sua autoconsciência do que a raça, língua e religião dominante. Um grupo sem memórias significativas e formativas é sub-histórico, e até mesmo uma comunidade historicamente autoconsciente tem muitos membros em que esta consciência é vaga. Além disso «o fato puro em si não é histórico. Só se torna histórico quando pode ser colocado em relação com uma tradição social» (8) isto é, com a memória comum que relaciona um passado vivo a um presente vivo.

Desse modo, a tarefa do historiador não é simplesmente a determinação tão exata quanto possível dos fatos do que aconteceu, e das condições em que aconteceu. Ele deve procurar causas e conseqüências de modo que o acontecimento se torne significativo numa seqüência de acontecimentos que por fim alcança o ponto onde o historiador está. Inevitavelmente ele terá sua própria «maneira de correlacionar uma certa série de eventos», de modo que «história não é uma coisa puramente objetiva» (9). Diz o Professor Shotwell: «A história envolve duas operações distintas, uma das quais, a investigação, está no âmbito da ciência, enquanto a outra, a apresentação literária, está no âmbito da arte (10). A primeira só se firmou a partir do século dezoito, mas a segunda, que é tão antiga quanto a consciência histórica, não pode ser posta de lado; pois o historiador deve interpretar os acontecimentos e condições que esteja descrevendo à luz não só de fatos históricos, mas de todos os fatos até onde ele os conheça, e de toda a verdade, até onde ele a compreenda.

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Se sua compreensão for muito limitada, ou se ele deliberadamente adapta sua história para servir a algum interesse especial ou para apoiar-se de alguma tese, o resultado será desvirtuado na mesma proporção. Mas mesmo o mais imparcial dos escritores não pode fazer um juízo inteiramente objetivo sobre seu assunto, que abarca em grande parte as palavras e ações de outros homens.

Há uma divisão entre historiadores a respeito da ênfase, se devia recair na parte científica ou na parte artística ou interpretativa de sua tarefa. Bury declara decididamente: «História é uma ciência, nem mais nem menos»; «Exigindo para a História, como Wood comenta ao citá-lo, os mesmos padrões de imparcialidade ou objetividade, o mesmo esfôrço pela exatidão de medida, que são característicos da física» (11). Oman declara que História «é a investigação da evidência... acêrca de uma série de acontecimentos a respeito dos quais somos capazes de chegar a alguma conclusão. (Ela) não é um relato de processos lógicos ou evoluções necessárias, mas uma série de acontecimentos interessantes» (12). Mas Weiser pergunta: «Como é que 'acontecimentos' se tornam 'História'?» E responde: «Quando se torna visível uma vinculação de espírito mais do que individual, pela qual acontecimentos separados adquirem significado e relação; 'História' são acontecimentos que se tornaram significativos» (13).

Quando os homens encontram significados e valôres na História, isso se dá em relação a algum ponto de vista filosófico ou religioso. Eles crêem que isso lhes fornece um padrão moral e um quadro de referência externo à História, e uma chave para a entenderem como um todo. O elemento interpretativo é mais do que o enfoque pessoal do escritor; é um esquema coerente de coisas no qual os fatos da História parecem ajustar-se e o qual eles ilustram. Percebe-se que certos eventos, condições e pessoas são momentosos, porque são importantes e até decisivos numa corrente de experiência histórica, que, como um todo, têm direção e significado. Os eventos passados não são uma sucessão baralhada, heterogênea e irrelevante, mas recebem ordem, unidade e relevância imediata num esquema de coisas que abarca a experiência

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humana passada e presente. História significativa é parte do presente contexto da vida.

A interpretação caracteristicamente religiosa da História vê a vida social do homem, bem como sua vida individual, como a arena dos juízos morais de Deus, e o curso da História, com toda a sua relatividade, e suas ambigüidades, como conformando-se por fim à vontade de Deus. Reconhece a liberdade do homem, e o conflito de sua vontade com a vontade dos outros homens e com o propósito ativo de Deus. Reconhece, também, um elemento inexplicável de tragédia na experiência humana, elemento que marca a relação do próprio Deus com o seu mundo. Reconhece a presença e atividade de Deus em pessoas e eventos, e na corrente contínua da vida da comunidade. Finalmente descobre o significado da vida humana, passada, presente e futura, em sua relação com Aquele que se faz conhecer sob as condições do tempo, mas não é limitado por essas condições, e em cujas mãos estão os dilemas da vida.


A Religião da Natureza, e a Religião Histórica

O fundamento da interpretação religiosa da História está posto no Velho Testamento, e suas mais profundas intuições são encontradas nas palavras dos profetas. De fato, a religião central da Bíblia está inseparavelmente ligada a certos acontecimentos históricos dos quais, entre outras coisas, ela é a interpretação. A realidade de Deus na experiência temporal, e o reconhecimento de sua atividade característica no que acontece e no que aconteceu no passado com conseqüências decisivas, marcam-na como uma religião histórica.

O notável disso tudo é que nada semelhante se encontra nos antecedentes religiosos de Israel, até onde eles podem ser reconstituídos, nem evidentemente nas religiões dos povos que o circundavam no período pré-exílico, a influência cultural dos quais sobre Israel foi muito grande. Dentro do próprio povo israelita desenvolveu-se uma luta mortal entre os proponentes de uma forma de religião da natureza, não essencialmente da dos povos vizinhos e os representantes da religião histórica tipicamente israelita. As formas de culto e práti-

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cas religiosas em muitos aspectos, especialmente nos tempos mais antigos, eram as da religião da natureza, e até ao fim isso deixou sobre elas sua marca indelével. A religião histórica pura desafiou a religião da natureza na grande tradição da profecia, e finalmente modificou as estruturas do culto e transformou o significado que lhes era atribuído (14). A profecia demonstrou, além disso, sua independência de quaisquer estruturas particulares de culto e dos santuários existentes. Por essa razão a religião de Israel não pereceu quando seu santuário foi destruido, mas viveu para passar adiante a tocha às comunidades religiosas supranacionais do judaísmo e do cristianismo.

A religião da natureza causou seu impacto mais direto sobre Israel por meio da religião dos canaanitas entre os quais os israelitas se fixaram depois da conquista da terra. De alusões incidentais a ela no Velho Testamento tanto quanto dessa influência sobre a religião popular de Israel, parece claro que a religião canaanita conformava-se a um padrão geral de crenças e práticas encontrado, na época, na Mesopotâmia, Egito e Síria. Essa religião procurava compreender o ambiente natural do homem como uma manifestação de podêres divinos, e procurava influenciar, se não controlar, esse ambiente no interesse do homem. Cria-se residirem no ambiente natural-divino dois princípios ou podêres supremos -- o da fertilidade sexual derivado da observação da vida animal, e o da morte e ressurreição derivado do processo cíclico da vegetação. O homem procurava por meio do mito e ritual relacionar-se eficazmente com essas forças divinas da natureza a fim de garantir a constante renovação da vida de sua família e da vida dos animais e da vegetação de que dependia seu sustento. Outros aspectos da natureza, também, o impressionavam como resultado dos podêres divinos, que deviam estar de algum modo relacionados com as forças da vida: o ritmo regular do dia e da noite e das estações, e os corpos celestes que pareciam governá-lo, além das catástrofes ocasionais da tempestade e sêca, incêndio e inundação, fome e peste.

Não temos espaço para discutir aqui as muitas e variadas formas assumidas por essa religião da natureza, nos

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cultos nacionais oficiais e na prática religiosa popular. Basta mencionar certos elementos que indicam quanto diferia fundamentalmente da religião histórica que apareceu em Israel. Em primeiro lugar, seus deuses e deusas eram forças naturais personificadas, que se tinham originado de acôrdo com as diferentes mitologias, dos próprios elementos da natureza. Eles não eram a realidade última e tinha havido uma época em que não havia deuses. Embora a criação do modo físico conhecido fôsse obra de um Deus ou deuses numa fase posterior, essa criação não era considerada como o comêco de um movimento progressivo da História humana, mas como o início de ciclos recorrentes do mundo natural (15). Pois «a religião da natureza encontra o divino... naqueles aspectos do (mundo) que se repetem e podem ser considerados como exemplos de leis imutáveis, e não nos eventos particulares e irrepetíveis que constituem a história.... Os profetas hebreus... repudiaram todo culto desse tipo. A razão para isso é clara. A natureza é em si mesma não-moral como é não-pessoal. A História é a esfera em que o caráter conta e estão envolvidas as questões morais. É, portanto, a esfera própria para a revelação de um deus pessoal preocupado com a retidão» (16).

Não podia, assim, haver qualquer idéia de uma relação pessoal e moral entre os deuses da natureza e seus adoradores, ou de qualquer significado nos acontecimentos além da indicação que davam de que os deuses estavam naquele momento satisfeitos, indiferentes ou irados. Essa religião exigia a execução de certos atos religiosos e a observância de certos tabus; o único pecado era deixar de cumprir as exigências culturais. Pois todo o aparato do culto era essencialmente uma espécie de mágica simpática, que se corretamente executada, submeteria as forças divinas à satisfação dos desejos humanos. Isso não deixava lugar para uma avaliação qualitativa da vida ou para uma continuidade racional e moral entre as experiências das gerações sucessivas. A comunidade recordava sem dúvida os eventos do passado, mas não tinha história, não tinha um passado vivo e com significado. Porque ela vivia sempre no ciclo recorrente do presente.

No pensamento tipicamente israelita, por outro lado, o tempo era linear em vez de circular; movia-se sempre em

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uma só direção, a partir de um comêço no propósito criativo e benéfico de Javé até a consumação quando esse propósito para o homem e seu mundo seria cumprido. O poder de Javé era visto em a natureza, mas Ele não se identificava com as forças naturais, pois lhes era anterior. Em Israel não havia teogonia, ou narrativa da origem de Javé. A criação fornecia o contexto para a história humana primariamente e para a revelação por Javé de sua vontade nessa história (17), e só num sentido secundário fornecia o contexto para o círculo incessante de crescimento e declínio, de vida e morte e ressurreição. Mesmo as lendas litúrgicas, como Weiser nota (18), são de caráter não mitológico mas histórico, e associam os lugares de cerimônia sagrados a uma tradição viva da comunidade religiosa. Na experiência humana do imutável ritmo natural tinha entrado algo que não era parte dele, algo novo, debaixo do sol. No Mar Vermelho e no Sinai, Javé tinha-se apresentado de maneira nova e diferente, como deus novo e diferente, relacionando-se com o mundo da experiência por meio de acontecimentos únicos, sem nenhuma dependência do ciclo da natureza.

Esses eventos, e os que os sucederam, deram a Israel a consciência e perspectiva históricas que o libertaram, se o povo aceitasse essa liberdade, da escravidão ao ciclo perpétuo da existência. Fizeram isso, em primeiro lugar, criando um povo numa base que não era nem a raça nem o território, na base de uma religião essencialmente nova por causa do conteúdo distintivo que Moisés lhe dera. O povo teve uma origem histórica num ponto do tempo que não era o comêço de todas as coisas, e teve uma história subseqüente orgânicamente relacionada com essa origem. O tempo como evento e como duração podia ser, assim, medido qualitativamente; tornava-se algo mais do que uma perpétua sucessão. O significado da religião era visto à luz de eventos particulares reconhecidos como atos de Deus. Um passado significativo tinha efeito determinante no presente e para o futuro.

Em segundo lugar, essa qualidade histórica distinguia a mais alta concepção israelita de Deus e da relação da comunidade com ele. Javé era uma divindade não limitada pela natureza, nem confinada a manifestar-se por instrumen-

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talidade das forças naturais. Ele era o Deus livre, vivo, ativo, que participava dos acontecimentos para torná-los históricos. Havia feito conhecer sua natureza em termos das relações de homem para homem, como justiça e misericórdia, antes que nos termos da relação do homem com a natureza, como fertilidade e poder irracional. Sua vontade característica e coerente confrontava seu povo no fato de os haver escolhido, e no lidar com eles em suas experiências externas como uma nação, e acima de tudo no exigir a obediência deles ao Seu chamado e a livre aceitação do estilo de vida própria de seus adoradores.

A relação de tal deus com seu povo era portanto não formal, mecânica, mágica, mas inteligente, ética e pessoal. A estrutura da associação não era o culto mas o «pacto», uma tessitura viva de relações pessoais que fazia retroceder sua origem a uma ocasião histórica, quando as tribos se tornarem «Israel», o povo de Javé. Dentro dos termos do pacto o culto tinha seu lugar como forma que expressava a relação dos adoradores para com o seu deus. Mas o que importava era a realidade que ele se propunha a expressar. Essa realidade era a resposta obediente dos adoradores à vontade de Javé em seu comportamento social diário e sua firme confiança em seu poder para salvar seu povo da calamidade e realizar por instrumentalidade dele seu propósito histórico.


A Tradição Viva de Israel

«De todas as famílias da terra somente a vós outros vos escolhi, portanto eu vos punirei por todas as vossas iniqüidades» (19). Das premissas que aceitavam em comum, Amós e seus ouvintes tiravam conclusões radicalmente diferentes, isto é, da tradição da relação especial de Javé para com Israel e sua história. Essa tradição é de grande importância como quadro de referência, não só dos apelos dos profetas às bênçãos e advertências passadas, mas de seu próprio progresso na compreensão da qualidade histórica da experiencia religiosa.

Graças à história religiosa sucinta, que, tendo o Gênesis como introdução, vai do Êxodo ao fim de II Reis, numa narrativa aparentemente contínua, nos são familiares os

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elementos da tradição. Essa narrativa, em sua forma presente, compõe-se de diferentes tipos de material proveniente de diversos períodos, inclusive as grandes secções de material legislativo do Pentateuco, e assumiu sua forma atual depois da época dos grandes profetas e, em grande medida, sob a influência deles. A coisa importante é que no frontispício dos documentos religiosos de Israel, como fundamento racional de seu culto, sua ética e sua organização social, está esse documento, que é tanto história como doutrina. As crenças e costumes da sociedade religiosa são coordenados e unificados com base num princípio histórico e relacionado com ocasiões momentosas e experiências individuais únicas, do passado de uma comunidade contínua.

É importante, ainda, que essa história doutrinária, em sua presente forma, segue as linhas de versões muito mais antigas da história nacional, versões conhecidas como J e E (19a), das quais ela incorpora grandes porções. Há alguma razão para supor que as narrativas de J e E, em prosa, por sua vez, são dependentes de ciclos de baladas com propósito e conteúdo semelhantes (20). Os fragmentos existentes dessa literatura poética popular têm uma notável conexão com os episódios importantes do épico religioso-nacional; por exemplo, o livramento no Mar Vermelho: Êx 15.21; caminhadas e batalhas antes e durante a conquista de Canaã: Êx 17.16; Nm 10.35, 36; 21.14, 15, 27-30; Js 10.12b, 13; Jz 5.

Os próprios escritos proféticos dão testemunho da existência, no seu tempo, de uma tradição religiosa-histórica, bem formada e reconhecida por todos. Amós refere-se três vezes a Israel como o povo que Javé «fêz subir da terra do Egito»; uma vez à sua escolha por Javé para receber a revelação; duas vezes aos quarenta anos no deserto, e outra vez à conquista e ocupação de Canaã (21). Oséias, também, fala das origens religiosas de Israel no período de seu Êxodo do Egito, sob a liderança de «um profeta»; período em que seu «Criador» o trouxe à existência como um povo. Há referências ao «pacto» e à promulgação da «lei», à estada no deserto e até a um acidente específico em Baal-Peor, narrado em Nm 25.1-3. Do período posterior à Conquista, Oséias faz

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menção especial do estabelecimento da monarquia e da revolução de Jeú (22).

Isaías não faz nenhuma referência à tradição; sua preocupacão suprema é com a atividade de Javé na história de sua própria época. O livro de Miquéias, numa única passagem de autenticidade, aliás um tanto duvidosa, fala não só da libertação da escravidão egípcia mas cita os nomes de Moisés, Aarão e Miriã, e passa a mencionar o episódio de Balaque e Balaão (23). Sofonias, como Isaías, não toca na tradição. Jeremias, por outro lado, alude ao Êxodo, a Moisés e à promulgação da lei, ao Pacto, às caminhadas no deserto e à ocupação de Canaã, e do período posterior a Samuel e à destruição de Silo nas guerras contra os filisteus (24).

Os profetas, portanto, dirigiam-se a um povo que tinha uma tradição viva de eventos e personagens históricos por intermédio dos quais sua religião distintiva tinha sido mediada, e dos quais ela era uma interpretação. Isso continua sendo verdade a despeito do fato de, na prática, o povo ter caído, em grande parte, nos caminhos da religião da natureza, mantendo as duas numa associação incômoda, sem reconhecer sua incompatibilidade. Com insistência, que ia até à importunação, os profetas recordavam-lhes que o primeiro mandamento da tradição religiosa, em virtude da qual eles eram «Israel», era uma lealdade exclusiva ao seu deus particular. Sua história não devia ser transformada numa mitologia, sem ter conexão com a experiência presente, a não ser para explicar as condições permanentes dela. Deve haver uma continuidade viva no caráter da religião, entre os elementos dinâmicos distintivos da tradição e o serviço atual de Javé.

Os pontos altos da história nacional, como o livramento no Mar Vermelho e o estabelecimento do pacto sob Moisés, incorporam e exibem para todas as épocas os traços centrais da religião de Israel. Javé é um Deus cuja retidão e misericórdia se manifestam em sua livre participação nos acontecimentos da vida social que produzem a história. Ele criou um povo, independentemente de conexão original com uma terra, por meio de um pacto ou relação vital, em que os benefícios de seu poder dependem de o povo conformar-se

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aos padrões éticos estabelecidos por Ele. Sua relação para com o mundo e para com Israel é a de uma vontade livre e pessoal; Ele é alguém que «faz», é um agente na área das relações humanas. A exigência primordial de seu serviço é a resposta livre dos homens à sua revelação e aos seus mandamentos. Ele liberta seu povo para que este o sirva; traz desastres sobre ele, em resultado de sua negligência e desafio de sua vontade. A consumação de seu propósito na História deve ser vista não só à luz de sua justiça, misericórdia e poder demonstrado, mas também da liberdade incondicionada com que escolheu seu povo e pode rejeitá-lo.

Essa é a história íntima de Israel, como a lêem os profetas; a verdadeira história, da qual eles mesmos eram protagonistas tanto quanto porta-vozes.


A História Como Espera da Ação de Javé

Os profetas e seus conterrâneos israelitas estavam de acôrdo em que os grandes eventos entesourados em sua tradição tinham sido ações salvadoras e reveladoras de Javé. Mas, na opinião geral, tais eventos pertenciam ao passado, ou a um «Dia» vindouro de vitória e salvação finais. Os homens não podiam discernir os sinais da atividade de Javé no presente. Tornaram-se cépticos com respeito aos valores morais, e cínicos, porque nada parecia acontecer, da maneira esperada, para confirmar sua presença: «E dizem no seu coração: o Senhor não faz bem nem faz mal»; «E dizem: apresse-se Deus, leve a cabo a sua obra, para que a vejamos» (25).

Para os profetas, por outro lado, o Deus da tradição clássica estava visivelmente presente e ativo ainda, e suas exigências morais eram imediatas. Aos «escarnecedores» Isaías replicava: «O Senhor se levantará... para realizar a sua obra, a sua obra estranha, e para executar o seu ato inaudito». Se Israel não o percebia era por estarem obcecados por outras coisas: «Liras e harpas, tamboris e flautas e vinho há nos seus banquetes; porém não consideram os feitos do Senhor nem olham para as obras das suas mãos» (26). Javé havia-os castigado com fome e sêca, com peste

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e guerra, mas eles não tinham feito a dedução óbvia. Amós exclamava: «Rugirá o leão no bosque, sem que tenha prêsa?... Sucederá algum mal à cidade, sem que o Senhor o tenha feito?» (27).

A experiência da vida do homem, então, não é determinada pelo ambiente e circunstâncias naturais. Esses são apenas o contexto para sua resposta, para as escolhas e ações que o distinguem como homem. Na interação, na luta e na unificação de vontades, algo acontece. É nesta área que a vontade de Javé está presente, como fator determinante e final. Ele é não só o autor do «espírito» do homem, de sua força vital; mas participa mesmo como uma vontade pessoal de retidão constante, acima e independentemente dos processos naturais, introduzindo-se nas situações críticas que tenham conseqüências históricas (28).

Daí ser a vontade de Javé a força da História, seu propósito garante-lhe a continuidade, e seu caráter, a explicação dela. Amós apelava a Israel para que considerasse as atrocidades dos povos vizinhos, e depois suas próprias, para que pudesse compreender por que as coisas aconteciam daquela maneira, e lhe aconteciam. Javé deve agir de acôrdo com sua natureza. Isaías pergunta, quase desesperançadamente: «Por que haveis de ainda ser feridos, visto que continuais em rebeldia?» revoltando-se contra uma vontade cujas exigências são conhecidas e cujo poder eficaz é visível na desolação da zona rural e nas cidades queimadas a fogo (29). Javé é o criador de um mundo que é mais do que o simples ambiente físico da vida, o mundo dos pensamentos e ações do homem, o mundo de seu intercâmbio social e da história de seu povo. Pela sustentação de Javé esse mundo pode ser «firmado»; por seu veto, todos os planos e esforços humanos são reduzidos a nada: «Isto não subsistirá, nem tampouco acontecerá». A liberdade do homem é limitada pelo propósito soberano, que pode usar a fúria destrutiva do inimigo como serva inconsciente, e depois castigar «a arrogância do coracão do rei da Assíria e a desmedida altivez dos seus olhos» (30). O destino não é determinado pelas estrêlas; o homem tem de avir-se, não é com o acaso, mas com uma vontade coerente e pessoal, com um propósito justo que abrange todas as coisas.

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Esse propósito é soberano, mas não avança sobre o homem com o peso esmagador de uma avalanche, inexorável e sem compaixão. Não é mero poder, mas é como o vigor da maturidade no trato com a juventude, ou do homem ao ensinar obediência aos seus animais domésticos. A soberania é moralmente condicionada: «Se quiserdes, e me ouvirdes, comereis o melhor desta terra. Mas se recusardes, e fordes rebeldes, sereis devorados à espada» (31). Pois a lei moral expressa nas condições éticas do culto de Javé é o solvente e o fermento da história social. As palavras de Javé, na bôca do profeta, são forças reais que operam entre as nações «para arrancar e derribar, para destruir e arruinar, e também para edificar e para plantar» (32).

Os povos da terra lutaram para conseguir segurança por meio do predomínio econômico, das armas e das alianças, num esfôrço de perpetuar-se, que se tornou uma luta pelo poder. Mas a área da história social era precisamente aquela em que o poder de Javé era mais evidente, em que sua orientação e ajuda eram indispensáveis. Portanto, «ai dos filhos rebeldes, diz o Senhor, que executam planos que não procedem de mim... Ai dos que descem ao Egito em busca de socorro, e se estribam em cavalos; que confiam em carros, porque são muitos... mas não atentam para o Santo de Israel. Pois os egípcios são homens, e não Deus; e seus cavalos carne, e não espírito. Quando o Senhor estender a sua mão, cairão por terra tanto o auxiliador, como o ajudado» (33). De modo que, quando Jeremias toma conhecimento da batalha de Carquemis, onde o Egito e o poder neobabilônico se haviam empenhado numa disputa pela supremacia mundial, declara que não se trata de um dia comum; «porque este dia é o dia do Senhor dos Exércitos, dia de vingança contra os seus adversários», (34). E Isaías prediz que as guerras assírias serão um processo de cirandagem, em que Israel aprenderá, da ação de Deus na história, onde está a segurança única para a vida da nação: «Acontecerá naquele dia que os restantes de Israel.. . nunca mais se estribarão naquele que os feriu (Assíria), mas, com efeito, se estribarão no Senhor, o Santo de Israel» (35).

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A história é, portanto, para os profetas a área da livre e intencional ação de Javé; e a significação da experiência social, passada e presente, deve encontrar-se na verdade a respeito de Deus, de sua natureza, seu propósito e sua participação naquilo que acontece no mundo. O bem e o mal não são predeterminados; nem sobrevêm por acaso. As distinções morais são reais. Suas conseqüências são evidentes e, em última análise, inevitáveis, porque Javé é quem é e seu poder é o que é. Ele mantém uma controvérsia perpétua com o mal e os malfeitores, e céus e terra são chamados a testemunhar que suas acusações são justas (36). Israel, como as outras nações, deve enfrentar a realidade da justiça de Javé; ter sido escolhido por ele significa responsabilidade, e não privilégio imoral: «Eis que eu porei o prumo no meio do seu povo Israel... Não sois vós para mim como os filhos dos etíopes?... Eis que os olhos do Senhor Deus estão contra o reino pecador (qualquer que seja), e eu o destruirei de sobre a face da terra». Israel olha para as ações passadas de Javé na História como fundamento de sua religião e vida presentes. Aprenderá que aquele fundamento mesmo está sob o escrutínio dele; que sua ação presente, e não sua ação no passado, determinará os destinos nacionais, de acôrdo com sua verdade (37).


A Interpretação dos Momentos Significativos

A História tenta encontrar algum princípio racional ou moral de ordem na experiência social rememorada. Ela encontra uma indicação de tal princípio em ocasião e eventos particulares, em decisões pessoais e sociais que têm uma signifícação para além de si mesmos porque afetam o futuro e talvez «mudam o curso da História». Nesses momentos, as forças que determinam o curso da História desvendam-se, e habilitam os homens a refletirem sobre sua experiência total à luz do desvendamento. Desse modo, o passado adquire significado em si mesmo, e significado também para a compreensão pelo homem da situação presente em que ele deve viver, decidir e agir.

A tradição israelita tinha como eixo certos acontecimentos do Êxodo, do estabelecimento do Pacto no Sinai e da Con-

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quista, acontecimentos que tiveram efeitos decisivos, mas que foram também extraordinários em si mesmos. Foram «sinais» e «maravilhas». As pragas do Egito, a travessia do Mar dos Caniços e os fenômenos no Sinai podem ser explicados como acontecimentos naturais vestidos com o manto da lenda. Tornaram-se lendários, mas primeiramente porque produziram temor reverente, e segundo porque pertenceram a uma série especial de acontecimentos que tiveram conseqüências profundas. Em resultado deles, adquiriu existência um povo histórico real com uma religião distintiva. A significacão de sua história tornou-se visível em suas experiências «históricas» notáveis. Essa significação deu unidade e ordem à tradição que se tornara agora tão amplamente o molde da consciência própria de Israel como um povo.

Com respeito aos eventos da tradição, os profetas e seus ouvintes estariam em acôrdo geral. Mas os primeiros estavam apercebidos, como os outros não estavam, do fato de que a manifestação de Javé por meio de acontecimentos incomuns e perturbadores, mas não miraculosos, não cessara muito antes; terremoto e sêca no reino da natureza, fome e peste e guerra na vida recente da comunidade, eram atos de Javé. Estes, como os feitos de outrora, expressavam seu caráter e propósito. Sua realidade estava fazendo-se sentir no mundo da experiência histórica onde, ao contrário dos deuses da natureza, ele manifestava sua presença e poder distintivos: «Todavia este povo não se voltou para quem o fere... em soberba e altivez de coração dizem: Os tijolos ruíram por terra, mas tornaremos a edificar com pedras lavradas» (38). Eles tinham vindo a associar Javé demasiado exclusivamente com os acontecimentos da tradição, especialmente com seus elementos extraordinários, muitas vezes transformados, na lenda, em acontecimentos miraculosos.

Para os profetas, por outro lado, os atos históricos de Javé formavam uma unidade com sua atividade no presente. Sua participação nos assuntos de seu povo não pertencia exclusivamente à época original e criadora, nem a um «Dia» futuro de seu retôrno em poder. Era constante, e o curso de sua luta com seu povo e por seu povo tinha sido contínuo até ao presente, inclusive. Como o passado fora

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pejado de significação para aquele tempo e para o tempo por vir, também a história corrente devia ser vista como revelação corrente (39). A tradição deles era uma tradição viva e não estática. O passado e o presente não eram apenas momentos sucessivos. Deviam ser medidos em termos qualitativos à luz do caráter conhecido de Javé, o Deus vivo, e de propósito e poder imediatamente evidentes.

Esse propósito e poder de Javé, evidentes nos acontecimentos e condições correntes, tinham-se tornado supremamente reais e luminosos para esses porta-vozes proféticos em seu «chamado». Aquela experiência pessoal intensa fora um evento entre outros eventos; ela também fora um «fato da história». Como Weiser aponta (40), não foi uma experiência bem-aventurada e mística de união com o ser de Deus; fora antes um momento convulsivo, quando o profeta se sentiu mergulhado na atividade de Deus. Aqui e agora estava sua presença dinâmica, inquestionavelmente real e ativa, e capaz «de fazer acontecerem coisas», naquilo que acontecia. Era uma presença na qual o profeta sentia temor reverente pela majestade da santa vontade de Javé, tornado vividamente apercebido da fraqueza e loucura humanas, e convencido do propósito de Javé de «fazer história» agora como tinha feito muito tempo antes.

O «chamado» fora um momento significativo na experiência em que a verdade a respeito de tudo na vida se tornou evidente. À luz dele o profeta analisava os acontecimentos presentes, e era capaz de apresentar seu testemunho. Emhora momentos «extáticos» similares ocorressem algumas vezes, é claro que eram ocasionais, e que o ministério do profeta era governado antes pela memória de sua experiência suprema e pelo fato de que ele era contado na linha de sucessão dos mensageiros de Javé.

O que lhe fora dado como novo era a «palavra» de Javé, e esta, não o seu próprio ensino, era o poder efetivo que operava em seu mundo e no seu tempo. Ela punha em movimento os processos da História, como quando Jeremias em obediência à palavra de Javé colocava pedras que haviam de ser o alicerce sobre o qual o trono de um futuro conquistador seria erigido (41). A «palavra» era a expressão con-

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creta da vontade pessoal de Javé. E o momento em que a palavra vinha ao profeta era singularmente significativo em sua vida, como parte da vida de seu povo. Ela desvendava a significacão, e desencadeava o poder da acão de Javé. Ela reunia os dois aspectos da história de Israel: a tradição dos atos decisivos e constitutivos de Javé, que tinham criado este povo numa época específica do passado; e a consciência de Javé como um Deus vivo, sempre «presente no presente», sua vontade enfrentando a vontade dos homens e a vontade coletiva da comunidade. Ele era «um Deus de perto e não de longe» (Jer 23.23), um Deus que enfrentava os homens muito diretamente, não no santuário, mas na experiência real e concreta da vida, na qual a história deles estava sendo feita. Seu «Dia» seria um momento revelador, transformador e catastrófico da manifestação divina no plano da história.


A Importância Religiosa do Presente

Os profetas davam ênfase inusitada à importância religiosa do presente em que eles e seus ouvintes viviam, em contraste com a confiança, sem fundamentos, na tradição e no otimismo igualmente sem fundamento quanto ao futuro. De algum modo, o passado e o futuro eram parte do presente. S. A. Cook indica como «a apreciação semítica do tempo nos eventos e ações afeta sua perspectiva histórica geral... os tempos verbais em hebraico mal expressam tempo segundo nosso ponto de vista, mas antes estados de desenvolvimento... o esquema indo-europeu de três períodos distintos de tempo, passado, presente e futuro, não é expresso» (isto é, pelos tempos verbais) (42). As dificuldades que disso resultam para a tradução dos tempos verbais hebraicos são bem conhecidos, e indicam um modo diferente de apreender o tempo e sua marcha. Há, de fato, reconhecimento do tempo como duração, longa ou curta (43); do tempo assinalado pela repetição de acontecimentos (44), e pela sucessão de causa e efeito (45). Frases como «nos primeiros tempos» e «nos últimos tempos» (46) diferenciam claramente o passado e o futuro do presente. Mas, como é evidente pelas formas verbais usadas, o pensamento se concentra na ação mesma ou no próprio acontecimento, como começada, continua ou completa. O tempo contém a experiência total. Passado e futuro são

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extensões do presente, e, por assim dizer, estão presentes no presente. Isso é particularmente importante para entendermos o pensamento profético. Um exemplo conhecido é o assim chamado «perfeito profético», o uso do pretérito perfeito, como se se tratasse de um ato executado, para expressar a certeza do profeta a respeito do que Javé está na iminência de fazer. Outro exemplo é a maneira como o profeta fala como se seus ouvintes houvessem cometido os pecados de seus antepassados: «Vossos pais... afastaram-se de mim e eu vos introduzi numa terra fértil... portanto ainda pleitearei convosco e até com os filhos de vossos filhos»; «porque vossos pais me deixaram.. . e vós fizestes pior do que vossos pais... portanto lançar-vos-ei fora desta terra» (47). A solidariedade psíquica inclui todas as gerações, assim como inclui as três ou quatro gerações contemporâneas. Há uma força especial na invectiva de Isaías aos seus contemporâneos judaítas: «Vós príncipes de Sodoma... vós povo de Gomorra». Como o jovem vive no homem, assim o passado e o futuro da nação são abrangidos em sua consciência do presente: «Eu sou o Senhor teu Deus desde a terra do Egito; Eu ainda te farei habitar em tendas» (48).

Por causa de sua empolgante certeza do intercurso de Javé com eles, para os profetas sua presente atividade na corrente da história social parecia óbvia, Imediatamente após o chamado e investidura de Jeremias, ele percebeu «sinais» do que Javé estava para fazer (49). Eles eram capazes de identificar o Deus de sua experiência extática com o Deus da tradição israelita, e podemos dizer, de fato, que a experiência era inevitavelmente condicionada pelo domínio da tradição por parte deles. Mas era a essência da tradição que os preocupava, a saber, a natureza de Javé como um Deus de vontade ética, mostrando-se nos acontecimentos históricos e por intermédio de profetas e líderes, e estabelecendo a obediência moral como condição primeira de seu serviço. A qualidade religiosa desses homens é demonstrada por essa intuição; antes de se tornarem profetas, eles já eram do estofo de que podiam ser feitos os profetas.

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Para mentes assim, o passado de seu povo, especialmente suas grandes ocasiões de ação divina, era real e vívido. A significação evidente da tradição era como um refletor de luz iluminando a situação presente. Além disso, o futuro estava já naquele presente, esperando para ser revelado. Num mundo em que as exigências morais de Javé eram postas em vigor pelo poder de sua vontade coerente, o consentimento ou a indiferença e rebelião dos homens traria inevitáveis resultados. O oráculo profético é caracterizado pelo fato de que sua conclusão efetiva é introduzida pela conjunção «portanto»: «'Mas vocês não quiseram voltar a Mim', diz o Senhor. 'Portanto, trarei sobre vocês todos os males de que falei» (50).

A realidade da história estava nos eventos em que Deus participava para seus próprios propósitos, não nos sucessos temporários da vontade de poder egocêntrica do homem: «Vós vos alegrais com Lo-Debar, e dizeis: Não é assim que por nossas próprias forças nos apoderamos de Carnaim? Pois eis que levantarei sobre vós, ó casa de Israel, uma nação, diz o Senhor». Um «fim» estava próximo, embora o fato de estarem absorvidos na busca imediata de lucro abumbrasse a mente dos homens para o movimento dos eventos que denotavam a presença de Javé (51). Os regozijos prematuros da «cidade tumultuosa» deixavam de levar em conta as realidades da situação; era, de fato, um dia de ruína. Não as aparências externas, mas as realidades morais são os fatôres determinantes; elas são o fato grande e constante, porque Javé também está operando em tudo que acontece. Ele dá aos homens «sinais» de sua presença (52), caso tenham fé para aceitá-los; «sinais» que serão cumpridos à medida que o presente se desenrola para revelar o que está oculto em suas profundezas.

A importância do presente está no fato do ponto focal da consciência em que o homem pode apreender a realidade da história em sua própria experiência. Visto que, no pensamento profético, esta realidade é determinada pela participação de Javé no que acontece, a história deriva seu significado da religião e nesta encontra seu centro. Javé «mantém seu pacto», fora do qual Israel, como Israel, não poderia ter nem história nem existência permanente. Ele é seu «Criador» agora, como o foi no princípio.

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Para aqueles que conhecem realmente o Deus que faz história, o significado de toda a História está manifesto no presente. Oséias declara repetidamente que a raiz da infelicidade da nação é que ela não conhece a Deus: «O meu povo está sendo destruido, porque lhe falta o conhecimento»; «não atinaram que eu os curava». Amós afirma que Javé
aceita os profetas em sua intimidade, a fim de que percebam o movimento e a direção dos acontecimentos. Numa experiencia esmagadora Isaías aprende que é a realidade presente de Deus, em vez das ligas humanas, que leve ser objeto do temor em que os homens vivem, e da confiança pela qual vivem. Amós e Miquéias conhecem a Javé como aquele que sai de seu santuário e entra no tumulto dos acontecimentos. Para Sofonias, Javé é justiça, uma fonte ininterrupta de justiça, jorrando dentro da comunidade corrupta existente. Para Jeremias ele é a força do coração crente, contra o qual nenhum adversário pode prevalecer; o invicto Deus do pacto, cuja vontade é que todos conheçam como uma presença viva aquele cuja lei está escrita em seus corações (53).

A Consumação da História

No conhecimento de Deus encontram-se a unidade e o significado da História. O Criador do homem e do mundo do homem é o autor de sua vida espiritual e de sua consciência moral, a fonte da justiça que há no juíz, e da coragem que há no soldado (54). Ele criou o homem livre, e está procurando criar no homem, pela instrumentalidade da livre obediência, uma qualidade de vida que reflita a dele mesmo. Não são portanto, econômicas e políticas as forças espezinhadoras na experiência social humana, mas psicológicas, morais e espirituais. A lei moral contida no «Pacto» é universalmente aplicável: «Por três transgressões de Damasco, de Tiro, de Edom, de Israel, e por quatro, não sustarei o castigo» (55).

A história de Israel, diz Dodd, «está apresentada na forma de história de um único povo; mas, na intenção, é história universal» (56). O comissionamento de Jeremias haveria de afetar o destino das nações. As nações planejam determinar sua própria história pelos exércitos e pelas alianças políticas, mas o poder de Javé, que é de outra natureza, transtorna-se e repreende seu orgulho: «Continuarei a fazer

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obra maravilhosa no meio deste povo... a sabedoria dos seus sábios perecerá»; «Ai dos que descem ao Egito em busca de socorro, e se estribam em cavalos; que confiam em carros... mas não atentam para o Santo de Israel... todavia este é sábio» (57). As nações, como os homens, podem ser instrumentos de Javé, sabendo-o ou não: «Assíria, cetro de minha ira!.. . Envio-a contra uma nação ímpia... ela, porém, assim não pensa... por isso acontecerá que, havendo o senhor acabado toda a sua obra no Monte Sião.. . então castigará a arrogância do coração do rei da Assíria». Nabucodonosor é escolhido como servo de Javé, não como seu adorador, mas seu agente nos empreendimentos históricos (58). Javé é a fonte de toda soberania e distribui govêrno na terra conforme achar melhor. Dirige os movimentos dos povos, e seu desígnio é «concernente a toda a terra» (59).

Os profetas eram inevitàvelmente levados a pensar numa consumação quando consideravam a soberania de Javé na História e seu propósito ético. Pois o propósito divino era contraditado pela vida presente de Israel. A ira divina não era uma reação temporária a um episódio particular; devia ser relacionada com o objetivo final de Javé para a vida humana. O Deus soberano deve reinar «até que haja posto todos os inimigos debaixo dos seus pés» (59a). Além disso, de acôrdo com a maneira característica de esse Deus manifestar seu poder, a consumação seria um evento histórico. Aquilo que transparecera aqui e ali, de tempo em tempo, devia vir na plenitude, avassalando toda a história anterior. Sem a vitória final, o juízo não é juízo e a salvação não é salvação.

Esta revelação final de Deus em poder não é o irromper de meras forças sobrenaturais, não relacionadas moralmente com a vida concreta do homem. É o libertar a vida das contradições de sua natureza essencial: «Até a cegonha no céu conhece as suas estações... mas o meu povo não conhece o juízo do Senhor» (60). A desobediência de Israel fora antinatural e perversa. Amós diz-nos como Javé tinha revogado os juízos prévios por sua intercessão, mas agora: «Eis que eu porei o prumo no meio do meu povo Israel; e jamais passarei por ele». Aquilo que sempre estêve operando na história deve afirmar-se como o princípio final e todo decisivo

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da História. O «Dia» manifestará em poder a plena realidade daquilo com que os homens têm de avir-se. Será a desgraça do mundo feito pelo homem não ter levado a Deus em consideração: «Nem a sua prata nem o seu ouro os poderá livrar do dia da indignação do Senhor... porque certamente fará destruição total e repentina de todos os moradores da terra» (61).

Desse modo, o processo histórico terá seu ajuste final. O juízo e a salvação que estiveram sempre às portas, na presença de Javé, mas se realizaram concretamente só em algumas ocasiões e apenas em parte, hão de aparecer agora em forma plena e final. O que fora afirmado na tradição e conhecido pela fé mas obscurecido pela vontade própria e segurança em si mesmo por parte do homem, se manifestará de modo que ninguém o possa ignorar: «Os homens se meterão nas cavernas das rochas... ante o terror do Senhor e a glória da sua majestade, quando ele se levantar para espantar a terra» (62).

A urgência moral de sua situação, ligada conscientemente com a aproximação de inimigos reais, leva os profetas, em primeiro lugar, a falar como se o fim estivesse imediatamente próximo. A história parece estar em seu ponto de ruptura. A proximidade da realidade divina é indicada como se pela iminência no tempo. O clímax está pendente: «Eis que projeto mal contra esta família... porque o tempo será mau»; «Está perto o grande dia do Senhor»; «Para que desejais vós o dia do Senhor? É dia de trevas e não de luz». O próprio curso da História será invertido: «Agora se lembrará da sua iníqüidade, e lhes castigará o pecado: eles voltarão para o Egito». «Chegará o estrondo até a extremidade da terra, porque o Senhor tem contenda com as nações» (63).

Como dissemos na secção final do capítulo anterior, Amós e Sofonias aparentemente não olharam para além desse clímax imediatamente pendente. Para eles, ele seria o fim do seu mundo familiar. Mas outros entre os profetas, embora não menos certos da natureza drástica do juízo que estava iminente, olharam para além dele, para a vindicação do propósito de salvação de Javé. Lemos, em Isaías, que Javé «purificar-te-á como com potassa das tuas escórias. . . resti-

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tuirte-á os teus juízes, como eram antigamente... depois te chamarão cidade de justiça, cidade fiel» (64). Oséias e Jeremias olham para além das trevas, para uma nova aurora, quando o propósito da história de Israel e do Pacto no deserto se tornará realizado, e a salvação de Javé será manifesta.

Essa salvação não será em termos políticos de prosperidade nacional, mas em termos religiosos do conhecimento autêntico de Deus, e da realização de sua presença na justiça social, na retidão e no amor (65).
Contudo não se trata e uma consumaça extramundana «espiritual». Ela pertence ao mundo real conhecido, e terá conseqüências sociais e
econômicas. O homem encontrará a segurança que sempre lhe
faltou e ele sempre desejou e procurou mas na direção errada;
segurança da fome, da opressão, da justiça desigual e da guerra (66).
Essas coisas, que o homem tem procurado à sua maneira obstinada mas não tem conseguido achar, serão, «naquele dia», acrescentadas a ele.

Nos escritos posteriores, as bênçãos materiais da «Era Messiânica» são superenfatizadas. Mas, em essência, elas pertencem, como a esperança de um rei da família de Davi, que haveria de ser um verdadeiro vice-regente de Javé, à concepção de que a salvação final de Deus será alcançada dentro da História. Não será diferente em espécie dos atos históricos de Javé -- sua manifestação na eleição, os livramentos e juízos que seu povo já tinha conhecido. Será, antes, apenas o acabamento daquilo que ele havia começado -- uma consumação garantida pela soberania de Javé, pela coerência de sua vontade ética e pela incansável bondade de seu propósito.



NOTAS E CITAÇÕES BÍBLICAS

CAPITULO VII

(1) Ver Hempel: «Gott und Mench im Alten. Testament», p 86, e Weiser: «Glaube und Geschichte im AT», p 21. Cf. art. «History», na «Encyclopaedia Britannica».
(2) dibrê hayyamïn, zeker, zikkarôn.
(3) Et 6.1; Ml 3.16.
(4) Já 18.17; Is 26.14; SI 9.6; Dt 25.19; 32.26; Et 9.28.
(5) Is 43.1-21; 44.6-8; 45.1-17 etc.
(6) Em «The Kingdom of God and History», ed. por Oldham, p 108.
(7) Op. cit., p 108. Cf. Omân: «On the Writing of History», p 2: «Não se podem erradicar da esfera da pesquisa histórica os fenômenos do mundo físico».
(8) Christopher Dawson em: «The Kingdom of God and History», p 200.
(9) Com Sir Charles Oman, que não admite filosofias da História, admite na op. cit., pp 7, 8; cf. p 213: «É o pressuposto da interpretação que faz o que podemos realmente chamar de «História», a qual é uma maneira de ponderar os fatos antes que uma recapitulação deles».
(10) Encyclopaedia Britannica, art, «History», p 527.
(11) J. B. Bury, citado por Wood em: «Christianity and the Nature of History», p 12. (12) Oman: op. cit., pp 7, 9.
(13) Weiser: op. cit., p 20.
(14) Cf. Welch: «Prophets and Priests in Old Israel».
(15) Cf. Weiser, op. cit., pp 23ss.
(16) C. H. Dodd, em: «The Kingdom of God and History», p 21.
(17) Cf. Hempel, op. cit., p 65.
(18) Weiser, op. cit., pp 35ss.
(19) Am 3.2.
(20) Cf. Eissfeldt.- «Einleitung in das Alte Testament», pp 145ss.
(21) Am 2.9, 10; 3.1, 2; 5.25; 9.7.
(22) Os 2.15; 8.13; 12.9, 13; 11.1; 13,.4, 5; 12.13; 8.14, 12; 9.3, 10; 8.4; 13.10; 1.4, 5.
(23) Mq 6.4, 5.
(24) Jr 7.22; 11.7; 31.32; 34.13; 15.1; 2.2ss; 7.12; 26.6.
(25) Sf 1.12; Is 5.19.
(26) Is 28.21; 5.12.
(27) Am, 4.6-11; 3.4, 6.
(28) Is 37.7, 33-35.
(29) Am 1, 2; Is 1. 5-7.
(30) Is 7.7, 9; 10.5-19.
(31) Is 1.2, 3, 19, 20.
(32) Jr 1.10.
(33) Is 30. 1; 31-1, 3.
(34) Jr 46.2-10.
(35) Is 10.20.
(36) Os 4.1ss; Is 1.2ss.
(37) Am 7-7, 8; 9-7, 8; cf. Am 1, 2 e Is 29.14.
(38) Is 9.13,10; cf Am 4.6-11. Note-se o contraste entre os repetidos festivais do culto e a nova ação de Deus; Is 29.1ss.
(39) Cf. Is 6.1; 14.28, onde um ponto decisivo da história social se torna oportunidade de revelação.
(40) Weiser, op. cit., p 81.
(41) Jr 1.9, 10; 43.8ss; ver cap V.
(42) «Cambridge Ancient History», vol. I, p 196.
(43) Is 6.11; Jr 29.28; Is 10.25.
(44) Jr 7.25.
(45) Am 3.3ss.
(46) Is 9.1; cf. «The Old Testament, an American Translation»: «days gone by» and «time to come».
(47) Jr 2.5, 7, 9; 16.11-13.
(48) Os 12,9; cf. Is 5.1ss; 1.10.
(49) Jr 1.4-16.
(50) Por ex., Am 4.11, 12; cf., V. p
(51) Am, 6.13, 14; 8.1-10.
(52) Is 22.1-5; 7.10-16; Jr 1.llss.
(43) Os 4.6; 11.3; Am 3.7; Is 8.11-13; Am 1.2; Mq 1.2-4; Sf
3.5; Jr 1.19; 31.31-34.
(54) Is 28.6.
(55) Am 1. 3-2. S.
(56) Dodd, em «The Kingdom of God and History», p 18.
(57) Is 29.14; 31.1, 2.
(58) Is 10.5-12; Jr 43.10; cf. Am 6.14; Hc 1.6 e a profecia literá- ria de Is 45.1-6.
(59) Jr 27.4ss; Am 9.7; Is 14.26, 27.
(59a) I Co 15.25.
(60) Jr 8.7.
(61) Am 7.8; Sf 1.18.
(62) Is 2.19.
(63) Mq 2.3; Sf 1.14; Am 5.18; Os 8.13; Jr 25.31.
(64) Is 10.22, 20; 1.25, 26.
(65) Os 2.18-20; Jr 31.33, 34.
(66) Mq 4.1-4; Is 9.6, 7; 11.1-9; Jr 23.5, 6; 29.10, 11; 31.4, 5; Os 2.18. Algumas dessas passagens, em sua presente forma, podem ser de época posterior à dos profetas clássicos, mas o ponto ilustrado não é afetado.




CAPITULO VIII

OS PROFETAS E A ORDEM SOCIAL


Por causa de sua teologia, e particularmente por sua doutrina do homem e do propósito histórico de Javé de criar para si mesmo um povo, os profetas eram profundamente preocupados com a natureza da ordem em que viviam (1). A forma de sua organização social determina, em grande parte, a maneira de viver de um povo e até o padrão de seu pensamento. A natureza e propósito da autoridade política, interesses econômicos e de classe, instituições sociais de muitos tipos, o modo como o indivíduo encontra seu lugar na comunidade e ajusta suas relações com seus semelhantes, as condições físicas sob que a comunidade deve manter sua existência todos esses e ainda outros fatôres afetam profundamente a qualidade das relações pessoais e o valor da própria vida. Com essa qualidade e valor os profetas preocupavam-se primordialmente. Para eles, era um imperativo religioso que a sociedade fôsse ordenada de modo a tornar possível e a incrementar uma maneira de vida boa, aos olhos de Javé (2).

A maneira de vida boa e correta é o mishpat, do qual Amós diz: «Aborrecei o mal e amai o bem, e estabelecei na porta o juízo (mishpat)» (3). Pois uma decisão justa, num caso particular, ajuda a definir o bem social e confirmar, no comportamento social, os padrões que Javé fomenta. Diz Isaías: «Ai dos que ao mal chamam bem, e ao bem mal» (4). Os males particulares que arruínam a sociedade refletem, do ponto de vista dos profetas, padrões estabelecidos mas errados. Os padrões são errados porque, por sua vez, o objeto real do temor e reverência dos homens não é Javé, Deus de Israel, mas são os deuses da civilização material de Canaã (5).

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Com os deuses de Canaã e com a maneira de vida sancionada por seu culto, não poderia haver acôrdo. Como Elias vira claramente, a nação devia escolher. Era impossível adorar realmente a Javé enquanto se adoravam o modo de vida, os costumes e instituições próprias dos servos de Baal (6). A consciência nacional de Israel tinha sido formada pela tradição de Moisés e do livramento do Egito, pela tradição de um pacto com Javé, que prescrevia o mishpat de seu povo (7). Javé era o «Criador» de Israel; os fundamentos de qualquer vida que fôsse própria do povo eram apoiados na justiça dele, a qual era a natureza e a qualidade do ser de Javé expressas em seus atos de justiça (8). Uma correspondente qualidade de vida e propósito comuns devia caracterizar seu povo, para que continuasse seu povo. Sua justiça (mishpat) e sua retidão deviam fluir entre eles como um ribeiro perene; ou, usando outra metáfora, seriam frutos de sua vida social que Ele esperava ver, como um homem que procura boas uvas em sua vinha, em recompensa de seus cuidados (9). Era uma tarefa ingrata para os profetas declarar que a vida nacional não podia agüentar o teste. Visto que o fruto era mau, algo devia estar errado com as videiras. A nação não tinha ordenado seus caminhos de modo a produzir bom fruto na vida, no caráter e na ação, o fruto que a natureza de sua professada religião exigia. Com a clara intuição e a coragem de sua própria fé, os profetas empenhavam-se em tornar claro o que estava errado.

É, talvez, desnecessário chamar a atenção para o fato de que os profetas estavam denunciando os males da ordem social sob que eles mesmos viviam, e não os da moderna civilização ocidental. É, em conseqüência, ilegítimo simplificar demasiadamente a comparação de sua situação com a nossa, e transferir seus ditos de um contexto cultural e religioso para outro que é muito diferente, sem reconhecer as diferenças. Só quando compreendemos a natureza e forma da sociedade que os profetas conheceram, podemos discernir, com propriedade, a importância de sua mensagem social e a relevância dela ainda hoje.

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A Ordem Social de Judá e Israel

Como toda ordem social, a dos reinos gêmeos de Judá e Israel era o produto associado de seu ambiente físico e de sua história social. Canaã era uma terra que tinha sustentado, por século uma população sedentária. Estava à margem do deserto e era constantemente sujeita a incursões dos povos nômades do deserto, com seu baixo padrão de vida. Ela formava uma ponte e uma estrada real para o comércio e a guerra entre o Egito e a Arábia, por um lado, e a Síria, Anaiólia e Mesopotâmia, por outro. A população de Canaã era, por conseguinte, de raça mista, e sua civilização e cultura eram um amálgama cujos traços dominantes tinham notáveis semelhanças com os das nações vizinhas maiores. Embora ao nômade faminto ela parecesse «uma terra que mana leite e mel», era uma região pequena, com muito deserto montanhoso e árido; e a fertilidade do restante dependia da regularidade da chuva. Freqüentemente lemos a respeito de fome, como conseqüência imediata de sêca. Em acréscimo ao perigo constante de ataques do deserto e conflitos com novos vizinhos menores, a existência nacional tornava-se precária pela posição de Canaã ao longo das rotas de conquista das grandes potências.

Dentro desse ambiente físico e cultural, a vida dos reinos hebraicos tinha sido moldada pelas forças e circunstâncias de sua própria história. Eles eram um povo tribal e pastoril, com uma religião distintiva e um forte sentimento de sua própria identidade; tinham entrado só recentemente numa comunidade havia muito sedentária. Mas, embora os recém-chegados tivessem sido capazes de estabelecer, depois de algum tempo, sua primazia política sobre os habitantes anteriores de Canaã, e de lutar vitoriosamente contra os filisteus, a única ameaça séria ao poder do Estado, Israel teve menos êxito na preservação de sua própria cultura distintiva. O estilo de vida de suas tradições do deserto e de sua religião teve de acomodar-se às novas condições físicas de uma situação sedentária e à civilização mais desenvolvida dos habitantes da terra. A continuidade do povo «Israel» foi mantida no reino unido, mais tarde, nos reinos divididos, mas somente ao custo de uma desajeitada e, como o afirmavam os profetas,

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impraticável acomodação da verdadeira tradição israelita com o estilo de vida canaanita (10). A unidade e integridade da sociedade foram prejudicadas na transição da mobilidade para o sedentarismo permanente, de uma cultura simples para uma cultura mais complexa, dos pequenos grupos vinculados pelo parentesco para a grande sociedade política, que abrangia também muitos que não tinham sangue israelita; de uma economia principalmente pastoril (11), para uma economia predominantemente agrícola e comercial; de um sistema em que as propriedades eram havidas em comum ou por delegação, para um sistema de propriedade privada em que a riqueza dava poder ao indivíduo e estratificava a sociedade. Mais notável de tudo era a incompatibilidade da ética do javismo mosaico com as instituições da religião canaanita.

No período profético, a população compunha-se de israelitas livres, escravos e residentes estrangeiros, cuja posição e privilégios eram cuidadosamente definidos (12). Israelitas podiam tornar-se escravos, temporariamente, por era de sangue estrangeiro, homens, mulheres e seus descendentes adquiridos por compra, ou na guerra. Havia escravos do estado e escravos de propriedade de famílias particulares (14). Havia ainda os «jornaleiros», ou biscateiros israelitas pobres, que nada possuíam além de seus braços e cuja condição pouco diferia da dos escravos.

A unidade social básica continuou sendo a família patriarcal, e o vívido sentimento de parentesco, herdado de seu passado nômade, foi característico do povo israelita durante toda a sua história. Vemos isso no orgulho de família e no desejo de filhos para manter acesa a lâmpada da vida da família. Vemo-lo nos deveres impostos aos parentes próximos, nas leis destinadas a manter intacta a herança da família, no respeito pela autoridade paterna e pela posição dos anciãos (15). O lar de um homem era a localidade onde estava situada a propriedade ancestral de seu clã, não importando onde ele pudesse estar morando. Elias era um tesbita, de Tisbê, em Gileade; Miquéias pertencia a Morésete-Gate; Amós veio de uma família de pastôres de Técoa; e Jeremias era de uma família sacerdotal de Anatote. Isaías, Oséias e

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Sofonias são identificados somente por seus antepassados paternos, provavelmente porque moravam na cidade, pois os laços com o clã eram mais fàcilmente mantidos nos distritos rurais do que sob as condições da vida urbana.

A força do antigo sentimento de parentesco mostrava-se na sociedade mais ampla, não só nos apelos proféticos a «toda a família que eu (Javé) fiz subir da terra do Egito» (16), mas também em certas instituições políticas e religiosas. A circuncisão e a Páscoa eram ordenanças domésticas e, pelo menos nos distritos rurais, as festas da colheita eram reuniões da família. «Todo Israel», quando reunido para batalha, para culto nos átrios do templo, ou na coroação de um rei, era ainda idealmente, uma assembléia das tribos (17). O absolutismo real raras vezes se exercia sem oposição, e ouvimos, repetidamente, a respeito de o rei partilhar responsabilidade com os anciãos (18). O rei era a fonte da justiça e suprema instância de apelação, mas a administração geral da justiça estava nas mãos dos anciãos locais, que ouviam o debate e tomavam decisão, «na porta», na presença dos cidadãos (19). Vemos, em Jr 26, como o povo participava nas decisões até do «supremo tribunal» em Jerusalém. O próprio Rei Acabe hesitou antes de violar o direito tradicional de um de seus súditos de conservar a propriedade de sua família.

A estrutura política centralizava-se no rei, «pessoa sagrada», que mantinha uma relação especial com o povo e com o deus nacional. Ele era o sumo sacerdote, o primeiro soldado, o supremo juíz e administrador. Seu conselho de ministros, ou «príncipes», incluía o sacerdote chefe do santuário real, o comandante do exército profissional, o administrador da casa real, um conselheiro pessoal (o «amigo do rei») e um escrivão oficial, além de ajudantes e secretários de segunda classe. Os eunucos, eram servos pessoais, que algumas vezes alcançavam posição privilegiada. A rainha-mãe, parece ter gozado, após a morte de seu marido, uma posição de prestígio, e os parentes próximos do rei parece terem gozado as benesses da côrte. Adidos à côrte, muito freqüentemente, havia grupos de profetas profissionais e havia, certamente, uma guarda militar que, em Jerusalém, se incumbia da vigilância do templo adjacente (20).

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A manutenção da côrte, do exército e dos oficiais do Estado era provida pelo «tesouro pessoal» do rei, com renda que provinha das taxas, em dinheiro e em espécie, de pedágio cobrado nas rotas comerciais que cruzavam o país, dos empreendimentos comerciais do Estado, dos despojos de guerra e do tributo dos povos submetidos (21). Desta última fonte é provável que os reinos hebraicos ganhassem menos do que o que perdiam, quando as condições eram invertidas, pois ouvimos falar repetidamente do pagamento de tributo a conquistadores estrangeiros. O templo de Jerusalém tinha seu próprio tesouro, tirando seu sustento das ofertas compulsórias e voluntárias dos adoradores; desse tesouro, Do período posterior da monarquia, esperava-se que o sacerdócio provesse à manutenção do funcionamento do templo (22).

Além da côrte e do exército, dos grupos profissionais de sacerdotes, profetas e, talvez, de «sábios», havia, na comunidade uma classe distinta de ricos proprietários de terra e comerciantes, concentrada particularmente nas cidades. Ali viviam eles, num alto grau de luxo que contrastava chocantemente com a pobreza de seus vizinhos e os separava, em espírito, da tradicão igualitária e de parentesco do antigo Israel. Eram eles os homens importantes da comunidade leiga, em íntima relação com os círculos da côrte, juntos com os quais macaqueavam os «refinamentos» da civilização (23).

A massa do povo compunha-se de sitiantes, hortelãos, pastôres, pequenos comerciantes, artesãos, assalariados sem profissão e escravos. Ouvimos falar de várias artes e ofícios -- pedreiros, carpinteiros, metalúrgicos, oleiros, padeiros, pescadores, vigias, tecelões, tintureiros, etc. (12). A moagem de cereal era um trabalho doméstico atribuído, como a fiação e o carregar água, às mulheres. Não havia educação sistemática das crianças, e saber ler e escrever confinava-se, em grande parte, aos escribas profissionais.

A estabilidade da sociedade israelita era ameaçada pelas freqüentes tempestades, sêcas e ocasionais incêndios e terremotos, além do empobrecimento produzido pelas muitas guerras e ataques, e pela constante ameaça de outras guerras e ataques. Depredações causadas por animais selvagens, como leões, ursos e leopardos, testemunhavam a proximida-

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de da fronteira indomada (25). Fôrças deletérias operavam dentro da própria sociedade. A justaposição, dentro de estreitos limites geográficos, do luxo e da miséria, da corrupção judicial e da desonestidade comercial, da devassidão entre os ricos e da luta insana pelo ganho rápido por parte dos aceitos como líderes da comunidade -- tudo isso minava a integridade da nação. Algumas vezes, o rei era fantoche, nas mãos de cortesãos gananciosos, ou ficava à mercê das rivalidades partidárias. Nesses tempos, tornavam-se comuns os crimes de violência e imoralidade, os ladrões infestavam as estradas e não havia segurança nem para a vida nem para os bens (26).

É preciso dizer uma palavra a respeito das leis civis, sob as quais Israel vivia. Embora a justiça fôsse administrada pelos anciãos de acôrdo com o costume e o direito, a formulação das leis civis era, em grande parte, obra dos sacerdotes, muitas vezes, aparentemente, sob influência profética. A tradição de Moisés estava sob o cuidado deles, e o mishpat, ou código, da comunidade tinha sua origem na vontade justa do Deus nacional, que falava por intermédio deles. Em Judá pelo menos, o próprio rei estava, em teoria, sujeito às leis divinas da constituição pactual, que ele prometera defender.

A mais antiga coleção de leis civis, encontrada em Ex 21 a 23, é a parte que sobreviveu de um código maior, datado do comêço do reino, e relacionado com o antigo código de Hamurabi de Babilônia, do século XVIII a. C. Os códigos posteriores, que se encontram em Deuteronômio e Levítico, mostram mais claramente os sinais das influências religiosas sob as quais foram formulados. As únicas leis decretadas por autoridade real, como distinta da autoridade religiosa, são atribuídas a Omeri, em Mq 6.16, onde são referidos como inovação condenável.


Religião em Conflito Com Civilização

A ordem social concreta, como já notamos, era uma acomodação instável de uma tradição israelita nativa e peculiar ao estilo de vida canaanita. Ela possuía as fraquezas de uma estrutura cujos construtores estivessem em desacôrdo quanto nos princípios arquitetônicos e aos materiais de construção. A

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civilização canaanita imitava a das grandes potências do Vale do Nilo e da Mesopotânia; era particularmente influenciada pelo comercialismo de sua próxima vizinha, a Fenícia. Era uma sociedade urbana, estruturada com base no poder comercial e agrícola, sob monarquias despóticas, sustentadas pelas sanções de uma religião politeísta e naturalista. Essa civilização, com suas artes e técnicas desenvolvidas e seu prestígio acumulado, só poderia ter sido desalojada, e mesmo assim temporariamente, pelo completo aniquilamento dos canaanitas. E esse, como aprendemos do livro de Juízes, não foi o resultado da conquista israelita. Ao invés, a cultura mais primitiva dos conquistadores foi cada vez mais sufocada.

Continuou a haver em Israel, porém, aqueles que reconheciam que o antigo javismo tinha criado a nação e tinha-lhe dado o vigor e coesão social necessários para estabelecer seu poder em Canaã. A antiga ética isrelita tinha por detrás de si um imperativo religioso e patriótico e, agora, a preservação da identidade nacional dependia da preservação de seus princípios essenciais. Se sua natureza peculiar chegasse a ser obscurecida pela assimilação a uma cultura alienígena, Javé se tornaria meramente o nome de outra divindade local e Israel, tendo perdido sua história, seria tragado entre as nações.

O ponto de vista do qual os profetas atacavam os males da ordem social era o da religião, social e historicamente consciente, peculiar a Israel. Eles tendiam a idealizar o período nômade do passado, antes de Israel ter-se corrompido, na religião e na vida, pelo contato com os canaanitas, (27); embora, ao contrário dos recabitas, os profetas não tentassem
fazer retroceder a história, por uma reversão artificial às condições da vida pastoril. «Os dias da sua mocidade.. . em que subiu da terra do Egito» (28) tornaram-se um símbolo da saúde deste povo e de sua natureza não desfigurada, quando ele tinha estado claramente apercebido de Javé e fora genuinamente devotado a ele. Agora, o corpo político estava velho e enfêrmo, embora os homens parecessem não percebê-lo, e o vigor e a qualidade especial da cultura de Israel
estavam sendo destruídos por forças estranhas à sua tradição e à sua religião. As cisternas artificiais das cidades, inca-

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pazes de reter água, diz Jeremias (29), não têm a água corrente límpida da fonte do deserto; afastar-se de sua herança e procurar uma satisfação sucedânea é, para Israel, um mal, feito tanto a Javé como a si mesmo. O povo tomava erradamente uma civilização mais complexa por um estilo de vida mais alto, e preferia suas vantagens imediatas aos valôres fundamentais.

A contenda dos profetas com a ordem social era que esta não incluía nem fomentava os valôres humanos e sociais inerentes ao javismo, mas, ao contrário, os destruía. Diz Amós: «Buscai o bem e não o mal, para que vivais». E Isaías: «Cessai de fazer o mal; aprendei a fazer o bem; atendei à justiça» (30). Os fundamentos sobre os quais a estrutura econômica e política deve ser construída são éticos e religiosos -- uma retidão nas relações humanas, segundo os padrões de Javé, e a justiça merecedora de confiança, que sustenta essa norma na vida social. Justiça e retidão, boa vontade, amor e integridade são fios necessários ao vínculo social (31). Estas são as condicões exigidas para o que os homens desejam imediatamente de sua ordem social «bem-estar, paz e segurança permanente» (32), mas Israel, ofuscado pelo rebrilho de uma civilização material e seduzido por suas paixões, tinha procurado esses frutos numa árvore que não os produzia.


A Árvore é Conhecida por Seus Frutos

Os profetas condenaram, com uma paixão que chegava a ser fúria, os males particulares que viam na sociedade ao seu redor -- opressão, violência, devassidão, cupidez, roubo, desonestidade, sêde de poder, insensibilidade desumana, abuso de confiança. Esses são pecados de homens e e mulheres concretos, males que podem aparecer em qualquer forma de sociedade e pelos quais está condenada qualquer sociedade em que prevaleçam e sejam tolerados. Vale a pena relembrar
um pouco da linguagem dos profetas: «Furtais e matais, cometeis adultério e jurais falsamente... e depois vindes e vos pondes diante de mim nesta casa?» «Os seus cabeças dão as sentenças por suborno, os seus sacerdotes ensinam por interesse, e os seus profetas advinham por dinheiro». «Não há verdade nela, nem amor, nem conhecimento de Deus. O que

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só prevalece é perjurar, mentir, matar, furtar e adulterar, e há arrombamentos e homicídios». «Os comerciantes diminuem o efa a (medida), aumentam o siclo (preço), usam balanças desonestas, e vendem o refugo do trigo» (33).

Convém observar o vívido realismo com que os profetas descrevem a situação. Não fazem vagas acusações em termos gerais, são concretos e específicos quanto ao que os homens fazem ou deixam de fazer, e associam o pecado diretamente com suas conseqüências. Com uma franqueza implacável, que lembra a reprovação severa de Jesus contra os homens piedosos que «devoram as casas das viúvas», eles arrancam o véu do costume e da hipocrisia para mostrar as condições e as práticas sociais no que elas realmente são. O que fora julgado respeitável nada mais é do que assalto com violência (Am 3.10), assassínio (Os 6.8, 9), pôr armadilha aos homens como se fôssem aves (Jr 5.26), tráfico de vida humana (Am 2.6), declaração de guerra contra seu próprio povo (Mq 2.8). As classes dominantes são realmente canibais, pois têm devorado a carne daqueles que estão subnutridos por causa da voracidade delas (Mq 3.1-3).

O pêso da denúncia recai sobre os beneficiários da ordem existente, o rei e aqueles que exercem autoridade; gordos sacerdotes, profetas profissionais cúpidos e «sábios» parasitários; os que vivem no luxo e indiferentes ao miserável à sua porta, em especial as mulheres ricas, vãs e irresponsáveis; juízes venais, credores sem coração, donos de casas suntuosas, cúpidos poprietários de terra (34). «O Senhor entra em juízo contra os anciãos do seu povo, e contra os seus príncipes. Vós sois os que consumistes esta vinha; o que roubastes do pobre está em vossas casas» (35). Mas à ira contra os opressores e piedades pelas vítimas, os profetas acrescentam a reprovação da apatia e da degenerescência populares. É um caso de «tal povo tal sacerdote», e, se os governantes parecem os príncipes de Sodoma, o povo é como o povo de Gomorra (36).

Os males condenados não são visualizados como aberrações dos mores normais da sociedade, comuns mas ainda excepcionais. São característicos da sociedade como tal, permeando sua estrutura política, suas atividades econômicas, sua cultura e seus padrões de moral aceitos, e afetando

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profundamente sua religião. Correspondem, de algum modo, à forma e aos fins da própria ordem social, aos pincípios sobre os quais ela opera e aos valôres que ela incorpora. «ó sacerdotes... fôstes um laço... os príncipes de Judá são como os que mudam os marcos... Israel está contaminado. O seu proceder não lhes permite voltar para o seu Deus» (37). A nação fizera seu pacto com as divindades da natureza e colocara, desta maneira, toda a sua vida numa diferente base, pois, por causa disso, o pacto com Javé é, com efeito, anulado (38). A corrupção e degenerescência dos líderes e do povo são, para usar outra metáfora, sintomas de uma doença profundamente arraigada na vida da nação: «Efraim se mistura com os povos.. . estrangeiros lhe comem a força... também as cãs se espalham sobre ele» (39).

A ordem social, como os profetas a vêem, é uma árvore corrupta que produz fruto corrupto. A árvore é corrupta porque não está radicada no culto de Javé, como Israel pretende, mas numa falsa religião, à qual se podia associar pouca coisa mais do que o nome de Javé: «Este povo... com os seus lábios me honra, mas com o seu coração anda longe de mim». A religião canaanita da fertilidade sanciona o que na comunidade de Javé é depravação: «Um homem e seu pai coabitam com a mesma jovem, e assim profanam o meu santo nome... e na casa dos seus deuses bebem o vinho dos que foram multados» (40). Javé não pode tolerar esses falsos princípios e práticas corruptas da ordem social; são estranhos à sua natureza e à natureza da comunidade que ele procura criar entre os homens: «Portanto... tomarei satisfações dos meus adversários, e vingar-me-ei dos meus inimigos... Purificar-te-ei como com potassa das tuas escórias.. . restituir-te- ei os teus juízes, como eram antigamente... depois te chamarão cidade de justiça, cidade fiel» (41).

Os princípios plasmadores da ordem social assim condenados podem ser resumidos da seguinte maneira: o homem vive em sociedade porque sua vida está sob constante ameaça. Em associações com seus semelhantes e, particularmente, se se garantir uma posição favorável ou dominante entre eles, torna-se mais capaz de manter sua existência, aumentar suas satisfações e perpetuar sua espécie. O mis-

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terioso ambiente natural-sobrenatural é a fonte de sua vida e de seus alimentos, e também de perigos que os ameaçam. Por meio de um culto religioso, ele busca, portanto, uma influência que prevaleça sobre esse ambiente, de maneira a garantir fertilidade entre os homens, os animais e as plantas, além de boa sorte, e livramento de catástrofes naturais e sociais. O culto é, desse modo, não uma associação para um fim especial, dentro da sociedade, mas algo essencial à existência dela. Porém as forças com que o culto lida são misteriosas, e a influência do homem sobre elas é incerta. De modo que, no mundo do visível e também tangível, o homem busca segurança e satisfação na posse de coisas e no exercício de poder e influência sobre os outros homens.

O desejo de segurança e satisfação, portanto, era a mola mestra da ação social, e determinava muito decisivamente a forma da ordem social e a qualidade das relações humanas dentro dela. Na sociedade israelita, certos indivíduos, grupos ou classes tinham alcançado posição de domínio e privilégio pelo exercício do poder, pela influência do prestígio e pela posse de riquezas; e esses meios estavam constantemente sendo procurados para tais fins. Os interesses da sociedade como um todo eram, como nos tempos modernos, demasiado facilmente identificados com os interesses das classes dominantes em manter sua posição e privilégios. Aqueles «que andam à vontade em Sião, que vivem sem receio em Samaria» não se afligiam com a ruína de José (42). Procuravam garantir a posição da nação, e a sua própria, pelos mesmos meios usados nos assuntos internos de sua sociedade -- poder, por intermédio do emprêgo da força militar, aliança com povos mais fortes e subjugação dos mais fracos; e bens, a terra, o saque e o tributo obtidos pela conquista e a riqueza resultante do comércio internacional e das taxas e da exploração de seu próprio povo (43).

Os profetas não tinham paciência com a tal situação nacional. «Israel se esqueceu do seu Criador, e edificou palácios, e Judá multiplicou cidades fortes». «Ai dos que descem ao Egito em busca de socorro, e se estribam em cavalos; que confiam em carros porque são muitos, e em cavaleiros, porque são mui fortes» (44). Pois isso significava que a fé última da

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nação não estava em Javé; as pilastras de sua estrutura social não descansavam na rocha da justiça dele.

Era, ao contrário, a religião de Baal e de outros deuses da natureza que sancionava essa luta por satisfações materiais, e levava os homens a depositarem sua confiança no poder e nas riquezas. Essa religião era em si mesma o fruto da tentativa de atrelar as forças Sobrenaturais à carruagem da necessidade humana: «Irei atrás de meus amantes (os baalins), que me dão o meu pão e a minha água, a minha lã e o meu linho, o meu óleo e as minhas bebidas». A terra estava cheia de prata, ouro, incontáveis riquezas, com cavalos e carros além da conta -- e de ídolos (45). Daí os males sociais que os profetas denunciavam não serem apenas políticos e econômicos; eram, ao mesmo tempo, males religiosos. Estavam aliados a uma falsa religião que produzia uma falsa moralidade. Ao mesmo tempo, se compunham à ética da comunidade, que era fundamental na tradição do javismo. Jeremias, pertinentemente, contrasta o despotismo egoísta de Jeoaquim com o govêrno justo e benevolente de seu pai, Josias. «Porventura não é isso conhecer-me (a Javé) ?» (46). A religião e a ordem social afetam profundamente uma a outra e devem estar em correspondência, se aquilo que a religião define como santo não deve correr o risco de ser desvirtuado e contaminado.


A Condenação da Ordem Social

A ordem social dos reinos hebraicos sendo o que era, os profetas, em nome de Javé, rejeitaram frontalmente a forma da sociedade constituída, seu poder e seus propósitos, tão enfaticamente como rejeitaram a forma e propósitos do culto religioso pervertido. Assim fizeram porque a ordem social que conheciam encampava uma visão errada da vida em sociedade, apoiava falsos valôres, e buscava a sua segurança e satisfações nas fontes erradas e por métodos errados. Formas políticas, atividades econômicas, prática legal e judicial, instituições sociais, moral pública, cultura e religião, tudo estava deformado por um êrro básico quanto ao sentido, valôres e direção da vida. A mensagem dos profetas a respeito da sociedade não era evolucionista nem reformista, mas revolu-

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cionária. E eles foram revolucionários sociais porque eram conservadores religiosos, procurando reviver a ética essencial e a criatividade social do javismo histórico. O próprio Javé, declaravam eles, participa da luta pela justiça social. Ele é o Grande Aliado dos injustiçados e deserdados. «Que há convosco que esmagais o meu povo?» perguntava Javé aos governantes (47). Mais do que isso, ele é o protagonista no drama mais vasto da criação, cujo propósito final é o criar um povo para ele mesmo. Sua vontade é criar comunidade, uma ordem de relações com os homens e entre os homens, que sua justiça possa encontrar cumprimento.

De modo que, para os profetas, a ordem social existente estava condenada: «Sião será lavrada como um campo, e Jerusalém se tornará em montões de ruínas». «Porque o dia do Senhor dos Exércitos será contra todo soberbo e altivo: cedros e carvalhos e montes e outeiros e tôrres e muralhas e navios -- e homens». «Eu eliminarei do meio de ti os teus cavalos, e destruirei os teus carros de guerra, destruirei as cidades da tua terra, e deitarei os homens que estão apegados à bôrra de vinho ... serão saqueados os seus bens, e assoladas as suas casas... nem a sua prata nem o seu ouro os poderá livrar no dia da indignação do Senhor». «Os filhos de Israel ficarão por muitos dias sem rei, sem príncipe, sem sacrificio, sem coluna, sem estola sacerdotal ou ídolos do lar» (48).

A linguagem dos profetas era, muitas vezes, de tal natureza, que provocava ressentimento entre os poderosos e consciência de classe entre as vítimas da injustiça e da exploração. Isaías declara aos anciãos e príncipes que o que arrancaram dos pobres está em suas casas. Oséias denuncia a devassidão da côrte e refere-se aos sacerdotes como salteadores de estradas. Miquéias chama de canibais os governantes e de canalhas os profetas profissionais (49). Não é de espantar que as autoridades civis e religiosas considerassem tais palavras como perigosamente subversivas. Amós foi expulso, Jeremias foi aprisionado, acusado de traição, e ameaçado de morte. Seu contemporâneo, Urias, foi morto por ordem real, destino de que Elias havia escapado por pouco e do qual muitos dos seus colegas não escaparam (50). Outros mais teriam sofrido pena semelhante, não fora o temor supers-

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ticioso de levantar a mão contra um «homem santo» e o apoio popular que um apêlo aos antigos direitos e liberdades ainda podia provocar. Hempel nota que, desde a fábula de Jotão até à exploração desesperada de Jó, havia no pensamento e sentimento israelita um constante «ressentimento contra o poder» (51).

O impacto do juízo de Javé, dizem os profetas, será sentido por todos os elementos constitutivos da ordem social que Israel erigiu, negligenciando e desafiando os valôres humanos fundamentais da religião que professava. A monarquia e o estabelecimento real, os sacerdócios do templo com todo o aparato de seu culto, as cidades e palácios, que são o sinal externo e visível de riqueza e poder, os juízes e anciãos, que tinham cometido abuso de confiança, o exército, que se vangloriava de suas proezas -- todos serão atingidos de um modo apropriado para destruir seu orgulho (52). A arrogância do poder e da riqueza é odiosíssima aos olhos de Javé, pois é sinal nos indivíduos e na sociedade de um espírito que não teme a Deus nem respeita o homem. Enfim diz: «Contudo me tenho enriquecido, e adquirido grandes bens». «Os moradores de Samaria, que em soberba e altivez de coração dizem: Os tijolos ruíram por terra, mas tornaremos a edificar com pedras lavradas». «Visto que são altivas as filhas de Sião, e andam de pescoço emproado». Os vencedores exclamam na batalha: «Não é assim que por nossas próprias forças nos apoderamos de Carnaim?» O próprio esplendor do culto no santuário exibe vaidade humana mais do que devoção (53).

A sociedade, como os homens a conheciam, estava portanto, condenada. Era inútil procurar, frenèticamente, reforçar a estrutura em colapso por uma multidão dos cultos no templo, trazendo sacrifícios cada manhã e dízimos de três em três dias; por novas superstições e culto de mais deuses; por aumento dos armamentos, apelos urgentes por ajuda estrangeira, e por colocar cargas ainda mais pesadas sobre o povo (54). Javé, a força de integração dentro da sociedade israelita, tinha-se tornado uma força de desintegração, «uma traça» na tessitura de Efraim, uma «podridão» correndo em Judá. «A tua ruína, ó Israel, vem de mim,; quem pode ajudar-te?. Onde está agora o teu rei, para que te salve?».

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«Arastes a malícia, colhestes a perversidade... porque confiastes nos vossos carros, e na multidão dos vossos valentes. Entre o teu povo se levantará tumulto de guerra, e todas as tuas fortalezas serão destruídas» (55).

O silogismo dos profetas é simples: «Se quiserdes, e me ouvirdes, comereis o melhor desta terra. Mas se recusardes, e fôrdes rebeldes, sereis devorados à espada». «Que é o que o Senhor pede de ti, senão que pratiques a justiça e ames a misericórdia e andes humildemente com o teu Deus?». «Porque não há verdade, nem amor, nem conhecimento de Deus, na terra?». Portanto «os olhos do Senhor Deus estão contra este reino pecador, e eu o destruirei de sobre a face da terra» (56).


A Divina Alternativa

A sociedade israelita ouvia, assim, declarada a sua sentença, e essa sentença seria executada muito breve. Se a justiça de Javé não conseguia alcançar a realização de si mesma numa ordem social, deveria destruir a ordem de vida que os homens haviam construido em oposição a ela. Mas os profetas que proclamavam o juízo divino não eram simples críticos destrutivos da sociedade, sem nenhuma alternativa para propor. Eles reafirmavam, como base para a vida de Israel, o Pacto, a negação do qual tinha provocado suas denúncias.

Suas referências à verdadeira tradição nacional do povo de Israel, e ao período de Moisés e do deserto, apontam o Pacto com Javé como a Carta Magna que trouxera esse povo à existência e condicionava sua existência história peculiar. Javé tinha criado um povo para si mesmo, antes de lhe ter dado a terra onde sua atual ordem social passara a existir. A vida nacional real tinha começado e sua existência consciente lançara raizes, na religião daqueles dias distantes. Essa nação não era como as outras nações que partilhavam a civilização das terras sedentárias; ela viera a existir por escolha de Javé e por seus atos de livramento e revelação. Ela estava comprometida com ele e com um estilo de vida que correspondesse à natureza dele. Donde, na figura de Oséias, Javé ser

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o primeiro e único marido real de Israel, fonte e sustentador de sua vida (57).

A nação israelita tinha, então, sua verdadeira existência à parte e antes da ereção de sua ordem política, social e econômica, em Canaã. O próprio povo e sua comunidade eram anteriores e superiores; sua religião e os valôres éticos que ela contém eram da máxima importância. Eles deviam ser preservados puros e incontaminados. A fé ancestral distintiva, e não as instituições políticas e econômicas alheias a ela, devia definir a moral. A estrutura política e econômica devia servir aos interesses humanos e religiosos, e estes seriam definidos pela tradição antiga e central do javismo, e não pela religião da fertilidade, naturista de Canaã. Dessa maneira, em assuntos econômicos, o javismo preocupava-se com o bem-estar do povo como um todo e com a distribuição da riqueza em termos de justiça e bondade, enquanto a ênfase do baalismo era sobre o máximo de produção e o acúmulo de riqueza particular. Do lado político, a ética do javismo investiria de autoridade os mandatários que são instrumentos da justiça social e que «defendem o direito» na comunidade. Como Jesus o expressou muito depois: «Sabeis que os que são considerados governadores dos povos, têm-nos sob seu domínio, e sobre eles os seus maiorais exercem autoridade. Mas entre vós não é assim» (58).

O Pacto foi, originalmente, uma instituição pela qual o parentesco se estendia artificialmente até incluir os que não eram do mesmo sangue. Envolvia um acôrdo solene de aceitar as condições e partilhar a experiência de uma vida comum. Os que assim se uniam formavam uma família ou povo, cujo princípio de associação estava expresso nos termos do Pacto. Esses termos eram a própria essência da aliança que unia os homens na vida, interesse e propósito. De modo que, com respeito ao vinculo histórico que ligava Israel ao seu Deus, Jeremias declarava: «Assim diz o Senhor, Deus de Israel: Maldito o homem que não atentar para as palavras (os termos) desta aliança, que ordenei a vossos pais no dia em que os tirei da terra do Egito». Se uma das partes do acôrdo solene deixasse de transformá-lo numa realidade, não cumprindo suas obrigações, o Pacto seria rompido e ela

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devia sofrer a penalidade inerente nas condições originais: «Pelo que fiz cair sobre eles todas as ameaças desta aliança» (59).

Desse modo, à luz de sua visão essencialmente teológica da história de Israel, os profetas afirmavam que a nação era constituída não por sua estrutura política centralizada no rei, seus juízes e oficiais, seu exército e suas leis; nem pelo culto oficial com seu sacerdócio; nem mesmo por sua organização e instituicões religiosas. A nação é o povo, constituído como tal pelo Pacto e caracterizado pela ética social «implícita» no Pacto. O Pacto não era, de fato, um código fixo e escrito, mas uma tradição viva, reformulada de maneira variável, em diferentes períodos. Encontrava sua expressão nas diferentes formas do Decálogo usadas (talvez como um rito de acesso) Dos templos de Javé; era parte integrante da cerimônia de coroação dos reis javistas; era um dos temas principais no ensino profético; e moldava os códigos de lei civil e eclesiástica, de modo que, pelo menos dois deles, eram conhecidos como «as palavras (ou termos) do Pacto» (60).

Somente por uma volta a esse documento básico da existência nacional poderia Israel renovar sua vida, numa ordem social transformada. Enquanto tal não acontecesse, a desgraça da velha ordem estava às portas: «Está perto o grande dia do Senhor; está perto e muito se apressa» (61).


Para Além do Desastre

Embora seja inquestionável que as descrições e promessas de restauração a seguir-se ao castigo são, no principal, obra de profetas anônimos do período posterior ao desastre, os profetas clássicos pré-exílicos dão mais de uma indicação do que teriam dito, caso suas circunstâncias tivessem sido diferentes. O propósito histórico de Javé é criar um povo segundo seu coração, e o futuro lhe pertence. Amós, na verdade, nada mais vê do que a tempestade que se aproxima. Oséias, porém, espera o dia quando o amor de Javé, agora desdenhado, triunfará, e Israel será desposada por ele para sempre, em justiça e juízo, em benignidade, amor e fidelidade. Isaías, particularmente, mas também Sofonias (e Miquéias?), falam do remanescente, a medula por meio da qual a vida

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real da nação continuará e da qual brotará uma nova nação. Jeremias declara que, assim como Javé se dispusera a arrancar e a derrubar, também nos dias por vir ele se disporia a edificar e a plantar, sob os termos de um novo Pacto, escrito nas mentes dos homens (62). Só reconhecendo as irrecusáveis exigências éticas de Javé sobre a ordem social, só comprElendendo a importância da religião real na vida diária, poderiam os homens do futuro criar uma sociedade que Javé permitisse sobreviver.

Os profetas mais antigos descreviam, algumas vezes, o Israel do futuro com côres tiradas da tradição idealizada do período do deserto, com sua simplicidade social e lealdade entusiástica. A escatologia de bênção, mais recente, é, primàriamente, social, antes que individual, pois a comunidade é o corolário do Pacto. Não é uma existência celestial, mas uma ordem social real, neste mundo, que eles antecipam, pois o propósito de Javé devia triunfar no único mundo que- Israel conhecia como real. É digno de mencionar que a profecia messiânica, à medida que se desenvolve, enfatiza (algumas vezes demasiadamente) os efeitos concretos da justiça, no bemestar físico e na segurança social. O que quer que este triunfo possa significar além disso, ele deverá trazer o fim da opressão, da injustiça e da pobreza desamparada, da desumanidade, e a cessação e destruição da guerra (63).


Os profetas não prescrevem, e nem podem prescrever, formas e instituições políticas, econômicas e culturais; mas podem insistir, e insistem, em que, quaisquer que possam ser as necessidades aparentes da ordem social, seus métodos e princípios devem ser julgados por suas conseqüências humanas. É o fruto espiritual de uma ordem social que determina se a árvore é boa ou má, e se ela sobreviverá ou não, num mundo em que a justiça clamante de Javé é igualada por seu poder. Os profetas tornam claro para nós que o ônus recai sobre os defensores de qualquer ordem social estabelecida, e recai igualmente sobre os que propugnam por uma diferente estrutura, de demonstrar que o que eles defendem ou propoem é uma sociedade em harmonia com a verdadeira religião e capaz de produzir valôres humanos, e é a expressão concreta de comunidade real entre os homens.



NOTAS E REFERÊNCIAS

CAPITULO VIII


(1) Ver, sobre isto, cap. VI acima, pp 123ss, e cap. VII, pp 143ss.
(2) Cf. Jr 7-3-7; 1.16, 17.
(3) Am 5.15.

(4) Is 5.20; cf. Am 6.12.
(5) Is 2.7, 8; 8.12, 13.
(6) I Rs 18.21; 21.17ss; cf. Os 8.14.
(7) Jr 7.21-26; Cf. Am. 3.1, 2; Os 11.1ss; 13.4.
(8) Cf. Pedersen: «Israel», pp 336ss e Is 1.21-26; 28.16, 17.
(9) Os 1.9; Am 5.24; Is 5.1, 2, 7.
(10) Ver acima, cap. VI, pp 117-119.
(11) As tribos israelitas tinham, sem dúvida, praticado a agricultura, em pequena escala, durante as paradas nos oásis; cf, Tods: «Israel» (trad. ingl.), p 387.
(12) Trata-se dos guerim, que Pedersen (op. cit., pp 40ss) pensaserem os descendentes dos habitantes vencidos de Canaã.
(13) Cf. Pedersen, op. cit., pp 43ss e Bertholet: «History of the Hebrew Civilization», pp 163ss.
(14) I Rs 9.21; Jr 34.8ss.
(15) Ver acima, cap. 11, pp 19-23, e Pedersen, op. cit, pp 46-49.
(16) Am 3. 1.
(17) II Sm 10. 17; I Rs 8.1, 22; Jr 26. 2; I Rs 12.1, 16; II Rs 11. 17.
(18) I Rs 12.1-16; 20,7; II Rs 6.8.
(19) II Sm 8.15; 15.2; II Rs 6.26ss; Am 5.10, 12, 15; Rt 4.1ss. Lembrem-se também os juramentos de inocência administrados pelos sacerdotes, cf. Dt 21.5ss.
(20) I Rs 14.27, 28; 22.6; II Rs 11.4-20.
(21) Ver acima, cap. II, pp 28ss; e cf. I Rs 10.15, 25, 29; 20.34;
(22) II Rs 12.4ss; 22.4ss; Lv 27.2,ss.
(23) I Sm 25.2; II Rs 15.20; 4.8; Jr 9.23; Is 5.8; Am 3.15.
(24) Cf. II Rs 12.11, 12; 24.14; Jr 16.16; 18.3, 4; 37.21 e Bertholet, op. cit., pp 194-222.
(25) Am 3.4, 12; 5.19; Os 13.7.
(26) Is 3.13, 14; 5.8ss; Os 6.8, 9; 7.5; Am. 6.1-6.
(27) Os 2.14, 15; 9.10; 11.1; Am 5.25.
(28) Os 2.15.
(29) Jr 2.13.
(30) Am 5.14; Is 1.17.
(31) Os 2.19, 20; Mq 6.8.
(32) Is 32.16, 17. Esse é o significado de «paz, repouso e segurança», que aparecem no texto bíblico em português.
(33) Jr 7.9, 10; Mq 3.11; Os 4.1, 2; Am 8.5, 6.
(34) Os 4.4-6; 5.1; Mq 3.5, 6, 11; Am 4.1; 6.1-7; Is 3.1-3, 13-15
(35) Is 3.14.
(36) Os 4.9; Is 1.10; cf. Is 9.16.
(37) Os 5.1, 10, 3, 4.
(38) Is 28.15-18.
(39) Os 7.8, 9.
(40) Is 29.13; Am 2.7, 8.
(41) Is 1.24-26.
(42) Am 6.1, 6.
(43) Cf. Am 6.13; Os 5.13; 7.11; Is 30.1-5, 15, 16; 31.1; e ver acima, cap. 11, pp 39ss.
(44) Os 8.14; Is 31. 1.
(45) Os 2. 5; Is 2. 7, 8.
(46) Jr 22.16.
(47) Pergunta Javé aos governantes: «Que há convosco que esmagais o meu povo?» Is 3.15.
(48) Mq 3.12; Is 2.12-17; Mq 5.10; Sf 1.12, 13, 18; Os 3.4.
(49) Is 3.14, 15; Os 7.1-7; 6.9; Mq 3.1-3, 5, 11.
(50) Am. 7.12, 13; Jr 37.11-15; 26.16-23; I Rs 19.2, 3, 10.
(51) Hempel: «Gott und Mensch im Alten Testament», p 63.
(52) Am 7.9; 8.3; 6.11; 2.14-16; Os 1.4; 5.1; Is 32.14; 30.16, 17; Mq 1.6; 3.15-12; Jr 22, 13-19.
(53) Os 12.8; Is 3.16, 17; 9.9, 10; Am 6.13; 4.4, 5; 5.21-23.
(54) Am 4.4; 5.26; Jr 11.12, 13; Is 8.19; 31.1-3; 30.1, 2; Os 5.13; Mq 3.10.
(55) Os 5.12 13.9, 10; 10.13, 14.
(56) Is 1.19, 20; Mq 6.8; Os 4.1; Am 9.8.
(57) Os 2.7, 16; cf. Jr 2.2ss.
(58) Mc 10.42, 43.
(59) Jr 11.3, 4, 8.
(60) Êx 34.28; Dt 29.1; cf. cap. IV. pp 70-72.
(61) Sf 1. 14.
(62) Jr 31.31ss.
(63) Mq 4.3, 4; Is 9.2-7; 11.1-9; Os 2.21-23; cf. Is 60.5-16; 61. 4-9. A genuinidade das profecias messiânicas, ostensivamente pré-exílicas, é assunto de muita discussão; mas podemos aceitar a afirmação cautelosa de Eissfeldt de que a esperança
messiânica parte, certamente, do período pré-exílico, embora fôsse muitíssimo ansiosamente nutrida no período exílico, e pós-exílico, Eissfeldt: «Einleitung in das AT», p 457.

CAPITULO IX


A RELIGIÃO PROFÉTICA


A essência espiritual do Velho Testamento encontra-se na religião dos profetas e na piedade dos Salmos. Estes, na maior parte, são posteriores àqueles e dependentes deles mais extensa e profundamente do que geralmente se reconhece. O supremo manual devocional do judaísmo e do cristianismo veio a existir por intermédio da influência da religião que os profetas pregavam, embora incorpore e adapte idéias e linguagem ritual do culto mais antigo dos santuários. Nos próprios profetas encontrase a mais clara expressão do que é distintivo e criador em toda a experiência e tradição religiosas de Israel. É um espírito, uma dinâmica e uma definição de religião pura que se percebe na antiga tradição mosaico, e que permeia as narrativas lendárias e históricas da nação. Ela deixou sua marca na lei e na liturgia, e criou, no fim, uma comunidade religiosa que poderia sobreviver e sobreviveu à destruição nacional. Além disso, como Duhm faz notar: «A profecia marca o comêço da história espiritual do mundo, e tem exercido muito maior influência nele do que a filosofia da Grécia e a sabedoria da India» (1).

Podemos descrever a influência desse espírito em toda a história religiosa de Israel em termos de um processo dialético. As tribos hebraicas originais, com suas crenças animistas e seus deuses tribais, caíram sob a influência profética de Moisés. Moisés tornou Javé conhecido a Israel como o Deus ético, que tinha intervindo para libertar as tribos, a fim de transformá-las num povo que o cultuasse com exclusividade. Históricamente falando, emergiu um novo povo. Mas sua religião era uma síntese do ensino de Moisés com velhas crenças e

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práticas semelhantes às de outros povos semíticos do deserto. Com a conquista de Canaã, Israel confrontou por sua vez o culto naturista dos templos de Baal e a civilização sincretista daquela terra. Uma nova síntese foi alcançada gradativamente, na qual Javé era adorado à maneira de um deus canaanita, e não mais com exclusividade. Esse sincretismo de religiões provocou o protesto profético de que tratamos neste capítulo. A obra dos profetas elevou a um novo plano a vida e religião israelitas, embora não ao plano em que eles mesmos estavam. A escola deuteronômica de escritores, que os sucedeu, encampou muito do ensino profético em seus códigos de leis e em suas histórias. Os ritos dos antigos santuários foram modificados e interpretados à luz desse ensino. Mas, como Jeremias tinha visto, mandamentos religiosos, para serem eficazes, devem ser escritos no coração dos homens, de modo que o bem seja escolhido livremente. A religião pura torna-se, dessa maneira, independente dos antigos ritos dos santuários ou de outros semelhantes. Mas quando, por sua vez, o judaísmo pós-exílico foi reconstruido em tôrno de um culto reformado e de sua lei, os escritores de Rute e Jonas (e de certos salmos) tiveram de expressar seu protesto contra a exclusividade e legalismo tacanhos, em nome da fé universal e profética, que haveria de encontrar, por fim, seu cumprimento no cristianismo

Em nenhuma parte desse longo processo histórico, o dinamismo e intuição religiosos, que são a contribuição especial de Israel para o patrimônio da humanidade, são mais visíveis do que na vida e palavras dos profetas clássicos. Em nenhuma outra parte é mais clara e enfàticamente definida a essência da religião. Essa clareza e ênfase são o resultado da árdua peleja contra a avalanche da religião naturista e da
civilização de Canaã. Os campeões do javismo foram forçados a tornar claro para si mesmos e para seu povo aquilo que tornava a religião própria de Israel infinitamente superior ao indispensável à herança e missão histórica da nação. Pois a vida mesma do povo, que era povo de Javé, dependia da realidade do vínculo que o unisse a ele, por intermédio de uma religião que seria uma relação viva com um Deus vivo.
Eles mesmos tendo vívida consciência da presença e natureza

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de Deus, e daquilo que na vida do povo as negava, intensamente apercebidos da tensão social criada pela injustiça e dos perigos inerentes na situação política, os profetas viam mais claramente do que nenhum de seus predecessores o que devia significar o serviço de tal Deus. Eram capazes de definir o que era primário, e em conseqüência de pôr de lado, como indiferente, o que era secundário, e depois desafiar o que se opunha fundamentalmente à sua fé central.


A Religião Canaanita

A religião oficial de Israel e as práticas religiosas populares estavam, na mente dos profetas, fatalmente contaminadas pela natureza politeísta da religião naturista de Canaã e pela sua conseqüente civilização pagã. William Robertson Smith disse uma vez que Israel tinha uma religião para as ocasiões de exaltação patriótica e outra para a vida diária. Javé era na verdade o Deus nacional, adorado não só nos santuários reais de Jerusalém, Betel e Dá (2), mas também em muitos santuários locais, acima e abaixo, no país. Mas o culto dos grandes templos era tão semelhante ao culto prestado a outros deuses em Canaã (e além), que os elementos distintivos da natureza de Javé eram obscurecidos. Visto como os santuários de outros deuses pontilhavam a terra, Javé, tornou-se pouco mais do que o chefe de um panteão israelita. Além disso, o povo ao adaptar-se à vida agrícola e urbana ,caiu no culto das divindades agrícolas locais ou baalins, e em outras superstições e práticas religiosas da população pré-israelita, no meio da qual (deve ser lembrado) os israelitas eram uma minoria. A evidência arqueológica (confirmada por passagens bíblicas como Jr 44.17-19) sugere que o culto da grande Deusa Mãe era geral (3). A adoção por Israel da instituição da monarquia com o fito de ser «como todas as nações» (4), introduziu crenças e mitos na religião do Estado como os associados com aquela instituição entre outros povos contemporâneos (5). Além disso, o culto de divindades estrangeiras fora deliberadamente introduzido por certos reis: o de Astarté de Sidom, Camôs de Moabe, e Milcom (Moloque) de Amom, por Salomão; o de ídolos não especificados, por Abias; o de Baal Melcarte fenício e de sua consorte, Astarté,

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por Acabe; o de divindades astrais assírias, por Manassés (6). Ouvimos falar de outras formas de idolatria só quando nos -relatam sua abolição; por exemplo, o culto da serpente de -bronze, dos cavalos e carruagens do Sol e da deusa-mãe, a «rainha dos céus» (7).

A situação religiosa era, portanto, muito complexa e é difícil deslindá-la, especialmente quando nos lembramos de que uma grande parte da população não era realmente israelita de raça e cultura. Entre os próprios israelitas o culto de outros deuses era facilitado, sem dúvida, pelo pensamento de que estes eram subordinados a Javé, ou de que operavam em áreas da vida com as quais ele não se preocupava. Desse ponto de vista, Javé era o Deus da nação, como um todo, especialmente em suas migrações e batalhas. Não havia nenhuma tradição que o tivesse associado com os problemas diários do indivíduo empenhado no cultivo do solo. Eles não souberam «que eu é que lhes dei o grão, e o vinho, e o óleo» (8). De modo que o lavrador e o fruticultor traziam suas oferendas ao Baal local, mas também compareciam, periódicamente, ao mais próximo santuário de Javé. Porque este era geralmente um santuário canaanita apropriado pelos javistas, seu culto diferia pouco do culto dos santuários de Baal. Na verdade, os baalins locais podiam ser considerados manifestações particulares de um grande Baal da terra inteira, a ser agora identificado com Javé.

A palavra «Baal», ao contrário do nome «Javé», não é nome próprio, mas um titulo honorífico geral (como «o Senhor»), usado em vez do nome próprio da divindade, ou combinado com o nome da localidade onde seu poder era manifesto (por exemplo, «o Baal de Peor») (9). O nome próprio do Baal supremo de Canaã era «Hadade», deus das tempestades e da chuva fertilizadora. «Baal» significa «senhor», no sentido de alguém que tem poder e direitos efetivos particulares; o baal de uma mulher é seu marido; o baal de uma casa é seu proprietário, o chefe da família; «um baal dos sonhos» é alguém que tem capacidade de sonhar, enquanto um «baal da justiça» é alguém que alega direitos num tribunal. Os muitos baalins locais eram divindades menores da fertilidade, com «personalidades» distintas e poder efetivo, den-

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tro de uma área -restrita; enquanto eram, ao mesmo tempo, edições menores de Hadade. Junto com cada baal havia uma Astarté (Astarote, na Bíblia), uma deusa espôsa e mãe (10).

A religião de Baal era um culto dos poderes produtores e reprodutores da natureza, assim deificados, por meio de um culto operativo, que procurava influenciar ou coagi-los a servir os interesses do homem. Era uma das muitas formas assumidas pelas religiões da fertilidade, entre os povos que dependiam da regularidade da «sementeira e ceifa». Essas formas parece terem tido um padrão comum, através de todo o antigo Oriente Próximo. De acôrdo com esse padrão, o deus representa a vegetação, que morre no calor do verão ou do outono, ou que é cortada para que o homem possa ter colheita. Ele desce ao mundo dos mortos, onde sua deusa consorte vai à procura dele durante o inverno, luta contra as forças que o retêm, e retorna com ele em triunfo na primavera. É celebrado, então, o casamento do par divino, para garantir a renovação da vegetação e da fertilidade do homem e do animal.

Os santuários de Baal eram localizados nos «lugares altos», outeiros naturais ou artificiais, os quais tinham em ,seus precintos uma árvore sagrada, que representava a deusa. Essa podia ter a forma de um poste de madeira, em posição vertical, entalhada de modo a sugerir a figura humana feminina (a Asherah, erradamente traduzido «bosque», nas Bíblias antigas). O deus era representado por um obelisco, a Macebah, e provàvelmente também por uma imagem de madeira, pedra ou metal. No santuário própriamente, diante da imagem, havia uma mesa para oferendas, um altar de incenso, e talvez um leito para a celebração do ritual do casamento divino. No átrio, com o obelisco e o poste, ficavam o altar para os holocaustos e o lugar para o derramamento das libações.

Os adoradores vinham a esses santuários com oferendas, para ganhar o favor ou para afastar o desfavor. Mais importantes eram os festivais da comunidade, celebrados nas diferentes estações do ano (que entraram nos costumes israelitas como as festas dos «Pães Ázimos», da «Sega» e da «Colheita») (13), junto com outros ritos relacionados com o supraci-

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tado mito do deus e da deusa. A natureza desses mitos é sugerida por analogias da Síria e de Babilônia, É claro, em vista de passagens como Am 2.7, 8 e Os 4.13, 14, que os festivais eram oportunidades para festança, bebida e desregramento sexual. Parte do ritual exigia a existência de prostitutas «sagradas», como funcionárias regulares dos templos; primeiro, como participantes sacerdotais no drama do casamento sagrado, mas também (como sugerem as passagens citadas e as analogias de Babilônia) como participantes, com os adoradores, nos ritos simbólicos da fertilidade.

Esse culto dos baalins locais era, antes de tudo, uma religião rural. Os templos dos deuses canaanitas e estrangeiros maiores floresciam nas cidades, especialmente nas épocas em que o monarca no trono não era um javista estrito. Igualmente grande foi a parte do ritual canaanita (sem os aspectos mais grosseiros) assimilada pelos templos de Javé; assim aquela extensão do padrão do mito-e-ritual, relacionado com a realeza, deixou sua marca nos ritos reais israelitas. O rei, no dia da ascensão e unção, tornava-se o filho de Javé. Como (quase) a encarnação do seu Deus entre o povo, ele tinha um papel insubstituível na vida da comunidade e no culto nacional (15). Não há evidência, porém, de que os reis de Judá ou Israel participassem numa representação ritual da morte e ressurreição, combate e casamento sagrado de Deus, como no padrão ritual de outras nações. A assimilação do javismo à religião canaanita nunca foi até ao ponto de obliterar as características de Javé sob o mito do deus da vegetação, que morre e ressuscita. Mas convém notar que outro traço do padrão do mito-e-ritual, isto é, a celebração anual da vitória do deus sobre as forças do caos na Criação, se reflete em certos salmos, que aparentemente pertenciam a um festival em que era associada a assunção do poder real por Javé com sua obra criadora. Em tal ocasião, o ungido de Javé, seu filho adotivo, o rei, deve de ter um papel saliente no ritual do santuário nacional. É muito provável que o ritual real de Israel se assemelhasse, nesse ponto, ao padrão do ritual real de outras nações.

Como já foi dito, a religião canaanita era a adoração dos poderes produtores da natureza, por meio de um culto

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operativo, pelo qual o homem procurava controlar esses podêres, submetendo-os ao serviço de seus próprios interesses e desejos. Dessa maneira, embora o desregramento sexual associado com o ritual sugerisse, sem dúvida, aos profetas a descrição da idolatria como «prostituição» com outros deuses (16), não foi essa a única razão para isso. O propósito e o objetivo totais do culto era a satisfação do desejo humano, o culto era a religião. A única ética que ele sancionava era a ética do próprio homem, da luta pela segurnaça, satisfação e poder. Sua diferença fundamental do javismo estava na crença de que seus deuses tinham poder superior, mas não caráter ético superior, ao do homem. Ela, portanto, não mantinha a moral como uma obrigação. Era um método de o homem garantir-se segurança em relação aos podêres misteriosos da natureza, em vez de submeter-se a Alguém maior, mais forte e melhor do que ele.

A Degeneração Religiosa em Israel

Nas páginas dos livros proféticos são-nos dados vívidos vislumbres da religião popular, que pouco mais tinha para distingui-Ia dos outros cultos de Canaã do que o nome de Javé. Muitas vezes chega a ser difícil dizer se o orador está-se referindo aos santuários de Javé ou aos templos pagãos; e é claro que havia pouca discriminação, no que se referia ao povo. Os mesmos homens que se prostravam nos tetos aos deuses estelares (provàvelmente assírios), prostravam-se também diante de Javé e juravam por Milcon, o deus rei dos amonitas. No santuário de Berseba, faziam-se juramentos pelo nome de Javé, mas também pelo nome do Baal de Berseba, Dode ou Hadade; em Dá, pelo deus daquele santuário; e em Samaria, por uma divindade aparentemente idêntica a Assan-Betel dos papiros de Elefantina (18). Jeremias declara, especificamente, que foram colocadas imagens de outros deuses, e sacrifício lhes eram oferecidos, no templo de Javé em Jerusalém (19), e que o sacrifício de crianças era praticado pelas mesmas pessoas nos santuários de Baal (neste caso, Milcon), que ficavam próximos. Miquéias faz subentender que, nesse último rito, Milcon era confundido com Javé. Amós infere que as procissões sagradas em honra do deus estelar

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assírio, Sicute, eram realizadas nos precintos de, um templo de Javé (20).

Diz Oséias: «Os israelitas voltam-se para outros deuses e são amantes de bolos de passas». Bolos de passas, somos informados, foram distribuídos por Davi, numa ocasião como parte da festa que sucedia ao sacrifício; enquanto em Jeremias 44.19, bolos sacrificiais são moldados ou marcados com a semelhança da deusa-mãe (21). Oséias diz que os israelitas amam o sacrifício por causa do festejo que o acompanha, e fala do ciclo de ocasiões religiosas como oportunidades de divertimentos. Amós associa a depravação, nos santuários, com a desumanidade do homem para com seu semelhante, no mundo de fora. Isaías descreve a embriaguez dos sacerdotes e profetas (isto é, profetas profissionais,, adidos aos templos) no desempenho de suas funções. Jeremias diz que os sacerdotes em nada se preocupavam com Javé, enquanto os profetas profetizam por Baal e praticam a prostituição (22).

Há testemunho geral do grande número de templos, de freqüência, abundância e alto custo dos sacrifícios. Grande número de sacerdotes e profetas do templo estavam constantemente ocupados, e considerável proporção do templo e recursos da comunidade era, assim, devotada à operação de suas instituições religiosas (23). Em acréscimo a isso, a vida diária do agricultor era afetada por crenças animistas e da fertilidade. Como Graham aponta, o verbo hebraico para «podar» significa, sugestivamente, «cantar» também (24). Em Is 65.8, temos as palavras de um canto ritual da vindima, a melodia do qual continuou a ser usada no cântico dos SI 57, 58 e 75 (como parece de seus cabeçalhos), no templo de Jerusalém. Oséias fala de ritos da fertilidade nas eiras, e daqueles que «lamentam sobre leitos pelo grão e pelo vinho e se retalham» (como os profetas de Baal no Monte Carmelo). Essa lamentação pelo deus da vegetação morto explica a linguagem do Salmo 126.5: «Os que com lágrimas semeiam, com júbilo ceifarão». A semeadura é o sepultamento da semente para que uma nova vida possa vir. São Paulo relembra uma antiqüíssima crença quando diz: «O que semeiais não nasce, se primeiro não morrer» (25).

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Tentar assimilar o culto de Javé a essa religião canaanita degradava todo o significado da religião. Isso é que tinha ,chafurdado sacerdotes, profetas e povo, cada vez mais, profundamente, na lama da corrupção. A prática da religião tinha-se tornado, realmente, uma capa para o mal. Aquilo que devia ter curado as feridas da sociedade era, em si mesmo, uma fonte de infecção mais grave. «Desde o menor deles até ao maior, cada um se dá à ganância, e tanto o profeta como o sacerdote usam de falsidade». Mais sério de tudo era o divórcio entre as idéias, palavras e atos «sagrados», que constituíam a religião, por um lado, e a justiça, por outro lado, sem a qual lhes faltava significado moral. Diz Javé: «Buscai-me, e vivei. Porém não busqueis a (o culto) Betel, nem venhais a Gilgal, nem passeis a Berseba». «Estes irão com seus rebanhos e o seu gado à procura do Senhcr, porém não o acharão: ele se retirou deles.» Os homens professam desejar o dia em que Javé manifestará sua presença, mas as palavras não lhes trazem nenhuma sugestão da terrível majestade do juízo de Javé. Mesmo quando estendidas em oração, suas mãos estavam manchadas de sangue; mas eles não paravam para pensar nisso. Em época de aflição, usavam a linguagem do arrependimento: «Vinde, e tornemos para o Senhor, porque ele nos despedaçou e nos sarará». Mas o verniz é demasiado; ou, para usar a metáfora mais poética de Oséias: «Vosso amor é como a nuvem da manha, e como o orvalho da madrugada, que cedo passa» (26).

Tais pessoas podem ser hipócritas, inconscientemente, mas são hipócritas, inegàvelmente. Clama Jeremias, com terrível indignação: «Que é isso? Furtais e matais, cometeis adultério e jurais falsamente, queimais incenso a Eaal e andais após outros deuses, e depois vindes e vos pondes diante de mim nesta casa, que se chama pelo meu nome, e dizeis: Estamos salvos; sim, só para continuardes a praticar essas abominações». Quando os homens se acostumam a Manter a religião e a moral em compartimento separados, perdem todo senso moral e não são mais capazes de distinguir o bem do mal; eles «fazem da escuridade luz, e da luz escuridade; põem o amargo por doce, e o doce por amargo». E ao mesmo tempo sua percepção religiosa embota-se de tal

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modo que não são mais capazes de reconhecer a presença e a ação de Deus, nem de compreender sua palavra. Como o vinho, adensando-se em sua bôrra, «dizem no seu coração: o Senhor não faz bem nem faz mal» (27). Eles ficam obnubilados, cegos, adormecidos, de modo que a revelação se torna para eles um livro fechado. Continuam a ouvir a palavra do profeta, mas não a entendem; vêem, mas não percebem. Êste é o «efeito final e fatal sobre o caráter da contínua desobediência à voz de Deus» (28).

Falsificação e corrupção tão radicais da religião tinham sido produzidas porque a natureza real da divindade, como definida na pessoa de Javé, não era reconhecida, e, por conseguinte, a razão e propósito do culto eram concebidos erradamente. Os homens enganavam-se a si mesmos com meras palavras quando se animavam mutuamente, contemplando o templo de Javé em seu meio. E «quanto mais próspera se tornava a terra, mais esplêndidos tornavam-se os maeseboth (obeliscos do templo)». O orgulho do homem em si mesmo, em seus bens e em seu poder, transparecia na maneira como ele despendia seus recursos no templo e no sacrifício. Mas tal orgulho é a negação absoluta da confiança leal em Javé, que é a coisa essencial da religião profética. Portanto, o homem se satisfaz a si mesmo, mas não a Deus, pela exibição «religiosa», que é o seu substitutivo para o Pacto ético com Javé (29).


Os Estímulos Imediatos da Reforma Profética

Falar de certas condições morais e religiosas como tendo dado origem ao movimento profético e provocado sua mensagens não é sugerir que esses estímulos explicam suficientemente os grandes profetas. O esclarecimento e intensificação do testemunho religioso distintivo de Israel foi um ato de Deus e constitui uma revelação divina, enquanto, ao mesmo tempo, era uma genuína resposta humana a uma dada situação. O ponto é que situações semelhantes em outras partes não produziram, inevitàvelmente, o mesmo resultado. Afirmamos que Deus falou pela instrumentalidade desses homens por causa da qualidade espiritual de sua vida e de sua men-

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sagem. Q
ue Deus não o fêz tão mecanicamente, nem sob a compulsão de uma necessidade superior a ele próprio, nós o reconhecemos, ao dizer que Deus os escolheu como porta-vozes. A liberdade soberana, bem- como o poder, consistência e bondade soberanos são atributos essenciais do Deus dos profetas.

A reforma profética foi feita em dois períodos. O primeiro, foi o desafio de Elias ao culto de Baal de Tiro, Melearte, como competidor de Javé pelo lugar principal entre os deuses, dentro de Israel e Judá. O culto fenício foi extirpado !em conseqüência do movimento iniciado por Elias, por meio dos massacres de Jeú, quando tomou o trono de Israel; e por seu discípulo na violência, o sacerdote Jeoíada, de Jerusalém, chefe da revolução palaciana que colocou o menino Joás no trono de Judá (30).

Só porque Javé tinha vindo a ser considerado quase o Baal de Israel, um deus do mesmo tipo de Melearte, foi que o culto deste pôde ameaçar substituir o daquele, em Israel. (Foi, sem dúvida, por questão de orgulho de família para aquelas voluntariosas rainhas, Jezabel e sua filha Atalia, que isso aconteceu). Com esse perigo vencido, a segunda e mais fundamental etapa da revolução profética foi realizada por intermédio dos profetas clássicos. Essa foi a reafirmação e o esclarecimento da natureza distintiva de Javé, que o colocava numa cate goria inteiramente diferente da de Melearte e dos baalins; acrescidos da afirmação de que ele não era simplesmente o deus nacional, o guia na batalha, mas era superior aos deuses e baalins em suas próprias esferas. Javé era supremo, porque não havia outra divindade semelhante a ele. Em conseqüência, o serviço que ele exigia dos que o adoravam era diferente, em tipo e qualidade, do serviço de outros deuses. Por essa razão, ele não podia tolerar a idolatria do politeísmo. Incluí-lo num panteão, mesmo como o cabeça, era negar sua unicidade essencial, e portanto, negá-lo.

A profecia clássica foi uma reação da religião israelita nativa (que mantivera sua continuidade e vitalidade por meio da «sucessão profética») contra a degradada religião e moral descritas acima. Falando em termos religiosos, ela foi a res-

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posta de Deus à desesperada necessidade do homem. O estímulo primário dessa explosão espiritual foi a crescente pressão da simples angústia humana, tensão social, instabilidade política e degeneração moral geral. Amós foi comissionado para convocar a Assíria e o Egito distantes e pagãos para contemplarem, com espanto, a grande confusão e opressão em Samaria, onde os homens «não sabem como fazer justiça, e enchem seus castelos de tesouros obtidos por violência e saque». Os inocentes eram vendidos como escravos, os pobres
espezinhados, os fracos oprimidos, !e o prejudicado não recebia a compensação. Oséias não podia ver nenhum sinal de verdadeiro arrependimento, produzindo vidas dignas e humanas, mas somente pecado e crime, entre, o povo tanto quanto entre os líderes. Isaías repreendia os adoradores que não cuidavam dos direitos do órfão e da viúva, os chefes que rebaixavam os pobres, homens que adquiriam grandes propriedades expulsando de sua terra o camponês, heróis -- do
copo de vinho. Os outros profetas dão testemunho semelhante. A miséria humana e a tensão social tinham alcançado o ponto de ruptura (32).

O segundo fator foi o reconhecimento de que a tradição da sociedade pactual e de sua justiça tinha uma relevância peculiar para a situação existente. No reavivamento e desenvolvimento do javismo mosaico, havia recursos morais para enfrentar a crise social, recursos que as depravadas e depravadoras instituições religiosas da época deixaram patentemente de fornecer. «Eu a atrairei, e a levarei para o deserto... será ela obsequiosa como nos dias da sua mocidade, e como no dia em que subiu da terra do Egito». «Restituir-te-ei os teus juízes, como eram antigamente, os teus conselheiros, como no princípio». «Ouvi as palavras desta aliança e cumprias. Porque deveras adverti a vossos pais no dia em que os tirei da terra do Egito, até ao dia de hoje, testemunhando e desde cedo cada dia, dizendo: Dai ouvido à minha voz». O ciúme de Javé (que queria dizer dever ele ser adorado sozinho ou não ser adorado de modo algum), devia ser respeitado, se a nação que ele criara, muito tempo atrás, devesse ser salva da desintegração. «Eu sou o Senhor teu Deus desde a terra do Egito; portanto não conhecerás outro deus além de mim, porque não há salvador senão eu» (33).

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Em terceiro lugar, os profetas não eram cegos para a importância dós golpes que a vida e, a,riqueza da sociedade já tinham-sofrido. O rugido do leão, na floresta, o som da trombeta de guerra, numa cidade, fazem saber a todos os que os ouvem, que algo terrível está a caminho; porque, então, quando a crise vem os homens não se apercebem de que é a justiça de Javé, reagindo contra o pecado deles? Fome, sêca, furacão e praga de gafanhotos, epidemia, derrota e terremoto -- por que sobreviriam todos sobre um povo tão corrupto, senão como presságios da crescente ira de Javé? (34). Se os desastres devessem ser atribuídos ao desagrado de um deus como Baal, o sentido deles seria estar ofendido com a negligência de seu culto. Mas visto como o Deus de Israel revelava sua presença em eventos notáveis, e visto como catástrofe após catástrofe tinha sacudido a sociedade israelita; visto como, ainda mais, o desprêzo do juízo e da misericórdia, da verdade e da fidelidade contradizia os termos em que Javé se tinha tornado o Deus da nação; não era claro que as duas coisas estavam ligadas? A série de eventos tinha um significado terrível, quando vista por homens sensíveis tanto ao caráter ético do Deus vivo da história quanto à decadência moral e espiritual da sociedade contemporânea.

Ligada a essa maneira de interpretar os eventos, e confirmando-a, estava a percepção do profeta de que uma tempestade estava formando-se no mar dos povos (35), entre os quais Israel e Judá eram politicamente insignificantes e impotentes. Nesses vastos movimentos também havia, para os campeões de uma religião historicamente orientada e condicionada como o javismo, um significado. Amós não declina o nome da nação que ele declara Javé estar levantando contra Israel. Mas diz que o povo será levado para o exílio além de Damasco, e isso deixa pouca dúvida de que ele tinha em mente a ameaça assíria. Oséias, que estava muito mais próximo, em tempo, da conquista do reino do Norte por Tiglate- e Sargão, tem certeza de que seu povo será levado para a Assíria ou para o Egito. Miquéias parece ter em mente, em sua elegia sobre a região rural de Judá, a devastação feita por Sargão, em 711 a.C. Isaías, que compara vividamente a invasão iminente com a inundação de um rio, está pensando,

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sem dúvida, na torrente. assíria, que varreu o vizinho de Judá, ao norte, em 734 a.C. Na verdade, ele identifica o conquistador em um dos oráculos desse período prístino (36). Quando, muitos anos mais tarde, os exércitos assírios estavam ao redor das muralhas de Jerusalém, uma intuição histórica, mais venturosa ainda, foi dada a Isaías, a de que o conquistador que tinha sido instrumento do castigo de Javé estava-se colocando acima do Senhor da história, e sofreria a punição de seu orgulho. Finalmente, Jeremias viveu para ver o colapso do domínio mundial assírio, e sentiu como sendo operação, da vontade de Javé, no caos de lutas que se lhe seguiu, o inevitável aparecimento da supremacia da Babilônia, de Nabucodonosor (37).

Em último lugar, as forças que operavam, deliberadamente ou não, para calar a voz da profecia ética, ajudaram paradoxalmente a tornar essa voz ainda mais clara e forte. A simples sugestão de mudança é resistida pelos beneficiarias de uma ordem social estabelecida, e a exposição e condenação do pecado é ressentida pelos pecadores. Mas quando esse ressentimento tenta silenciar a crítica por meio de pressão deliberada, o resultado, na maioria das vezes, é intensificar seu vigor. A expulsão de Amós pelo capelão do rei, em Betel, tornou-se, aparentemente, uma cause celebre, e o fato de que as profecias de Amós foram as primeiras a ser coligidas em forma escrita é, provàvelmente, conseqüência disso. Os interesses ocultos dos sacerdócios e dos profetas do templo foram ameaçados pela obra desses indivíduos que chamamos «profetas clássicos»; em primeiro lugar, porque a denúncia de seus desmandos minava o prestígio deles, mas também porque a religião profética era, fundamentalmente, oposta ao tipo de religião que eles representavam. Não é de surprElender que esses funcionários religiosos tivessem, repetidamente, tentado silenciar a voz da profecia (38).

Havia oposição também de grupos da comunidade, cujos interesses econômicos ou opiniões sobre a coisa pública eram contraditados. Cortesãos não gostam de ser, publicamente acusados de impiedade e traição, nem os ricos, de terem adquirido sua riqueza pela exploração e desonestidade. Oséias e Isaías intervieram em questões políticas por razões religiosas,

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quando denunciaram o comprometimento do destino de seus povos com o do Egito ou o da Assíria. Incorreram, sem dúvida, na animosidade hostil dos advogados de tal política. Os guias militares, não estranhamente, ficaram furiosos, quando Jeremias insistiu com os soldados para que desertassem, porque Javé tinha já decidido que seriam derrotados; fizeram disso uma razão para sua condenação à morte (39). Mas, talvez, a oposição mais profunda de todas resultasse da Iassidão moral da comunidade, como um todo. Os homens não queriam ouvir uma mensagem . que exigia atenção e resposta. Estavam mergulhados num estupor, produzido por sua falsa religião e seu estilo de vida. «Não querem ouvir a lei do Senhor. Eles dizem aos videntes: Não tenhais visões; e aos profetas: Não profetizeis para nós o que é reto; dizei-nos coisas aprazíveis (isto é, sedutoras) ... ; não nos faleis mais do Santo de Israel». Javé testifica: «Quanto mais eu os chamava tanto mais se iam da minha presença». Contudo, os profetas não poderiam ser silenciados nem pela hostilidade nem pela indiferença, pois: «Como te deixaria, ó Efraim? Como te entregaria, ó Israel?» (40). Assim falava por instrumentalidade deles a compaixão divina.


A Definição de Religião Essencial

A essência e o significado da religião real são definidos pelos profetas, em primeiro lugar, negativamente, na rejeição por eles da forma e qualidade da religião praticada por seus compatriotas. Religião não é uma espécie de comportamento «religioso», independente da vida moral. Não deve ser equacionada com um culto com ritual e sacrifício, operado por um sacerdócio, em favor da comunidade, :e que se esperava influenciasse a divindade a favor do homem, na proporção do esfôrço e despesa exigidos. Seu objetivo não é assegurar vitalidade, poder e proteção físicos, mas a manutenção de uma relação com Deus que resulta como sua conseqüência primária, na vitalidade espiritual e moral do povo. Ela expressa submissão à vontade divina, em vez de esfôrço humano para conseguir aquilo que deseja. De modo que produz mudanças não em Deus, mas nos motivos e qualidades da vida humana. Ela não altera os fatos e condições da existência

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do homem, mas capacita-o a enfrentá-las, em confiança e esperança. Duhm declara que a mais alta façanha espiritual dos profetas foi terem «fundado a religião da esperança, e dado ao mundo, aos incessantes movimentos dos povos e ao destino dos indivíduos, um centro: Deus» (41). Eles ensinaram os homens a conhecerem e a reverenciarem a Deus como um ser vivo e pessoal, de caráter ético único, o Senhor da natureza e da história, cujo bom propósito para o homem resulta em
sua preocupação com o caráter humano e em sua participação na experiência humana. Servir a tal Deus significa honrá-lo honrando seus mandamentos, :e vivendo em relações corretas com os outros homens, para dar prova de confiança nele e em seu estilo de vida, formalmente expresso na adoração. Diz Marti: «O Deus a quem os profetas servem é... uma personalidade espiritual de caráter inteiramente ético... Religião
e ética formam um todo, sendo a religião as raízes e fornecendo a dinâmica, e a ética o fruto, demonstrando os efeitos» (42). A religião é a responta apropriada, em termos de lealdade, obediência e confiança, à realidade ética e espiritual de Deus. É a edificação da vida sobre a convicção de que o Poder Supremo é a bondade personificada, um Deus que está operando para realizar a bondade, na experiência da vida de indivíduos e de um povo.

O primeiro elemento da verdadeira religião, como os profetas a definem, é a consciência de Deus, que inclui percepção, discernimento e compreensão. A queixa de Isaías é de que Israel presta menos atenção ao seu Deus do que um boi mudo ao seu dono. Jeremias diz que o
povo voltou as costas a Deus, como se ele não tivesse a mínima importância. Amós relembra as aflições e desastres que eles tinham sido demasiado obtusos para reconhecê-los como advertências. As graves palavras dos profetas parecem conversa sem sentido e mera irritação, aos homens que tinham esquecido o significado dos poderosos feitos de Javé. A cada rejeição de tal testemunho, a mente deles tornava-se ainda
mais impermeável à verdade (43).

O homem religioso, por outro lado, olhará «para o seu Criador, e os seus olhos atentarão para o Santo de Israel».

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Reconhecerá, nos acontecimentos momentosos, a «obra estranha» de Javé, que é a força na realidade ética, o Juiz com poder de punir. Reconhecê-lo-á como o Dono, cujo direito é dirigir nossa vida. As indicações da presença e atividade de uma Pessoa Divina lhe serão evidentes tanto nas suas próprias experiências sugestivas quanto nas crises sociais, como se deu com Jeremias. Perceberá que os homens e as nações são confrontados por uma vontade de retidão, contra a qual lutam, e que um coração de indestrutível bondade inquietase por eles, por seu descaminho (44).

Sensibilidade espiritual, reconhecimento de Deus, em seus atos característicos, e atenção ao que esses atos pressagiam - são esses a fonte e o fruto da compreensão religiosa. No seu mais profundo nível, isso é a compreensão da verdadeira natureza da «santidade» de Deus, isto é, daquilo que é a única coisa digna de temor religioso: «Ao Senhor dos Exércitos, a ele santificai; seja ele o vosso temor». O Deus manifesto na majestade de sua vontade ética só pode ser servido quando o homem ajusta sua vontade à dele. Honrálo não é atribuir-lhe títulos honoríficos, mas aceitar como obrigação sagrada a direção que ele dá à vida; confiar em sua bondade, e esperar que triunfe sua justiça. Isso é compreender a vida, e ter livre acesso à única fonte inesgotável de vitalidade. A fonte da vida e seu sustento, sua unidade e significado - e por conseguinte, seu cumprimento - encontram-se no ter consciência de Deus (45). O segundo elemento na religião profética distinguível do primeiro somente para fins de discussão é a Consciência Moral, nitidamente social em seu ponto de ref erencia. O exemplo conhecido da história do chamado de Isaías para ser um apóstolo mostra como a percepção da presença de Deus é, ao mesmo tempo, e necessariamente, a percepção por parte do adorador de que ele e seu povo são moralmente impuros. A recíproca disso pode ver-se na descrição que Amós faz da cupidez e opressão, que são naturais nos depravados praticantes da religião da fertilidade. Javé sente-se ultrajado, diz Jeremias, porque os homens, na sua vida social, transgridem suas leis morais mais elementares e, sem nenhuma preocupação de emendar-se, atrevem-se a comparecer diante dele, em sua casa, e esperam sua ajuda. Aqueles que não

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podem distinguir o bem do mal, «que convertem o juízo em alosna», simplesmente não conhecem o Deus que professam cultuar. Não é de espantar que não saibam discernir os sinais de. sua presença (46).

Por outro lado, o homem sensível à suprema realidade religiosa é, ao mesmo tempo e pela mesma razão, sensível à iniqüidade que a contradiz e menospreza: «0 meu coração está quebrantado por causa do Senhor e por causa de suas santas palavras, porque a terra está cheia de adúlteros». Ele está vividamente apercebido do escrutínio de Javé, de suas exigências e de sua indignação quando o homem deixa de satisfazê-los (47). Seu temor religioso é de qualidade radicalmente ética, porque o «Deus Santo é santo em virtude de (sua) justiça». Buscar a Deus e buscar o bem são uma e a mesma coisa, embora isso não signifique que religião seja um sistema ético e nada mais. Significa, antes, que a dedicação da vida ao bem é a maneira como a devoção a
Meus, que é religião, deve ser expressa. E que é o bem? É justica, generosidade e integridade que são o reflexo da justiça. E «atender à justiça, repreender ao opressor, defender somente o que é bom; e que é o que o Senhor pede de ti, senão que pratiques a justiça e ames a misericórdia, e andes humildemente com o teu Deus?». O amor ao bem significa ódio ao mal e o estabelecimento da justiça na sêde de justiça. É «atender à justiça repreender ao opressor, defender o direito do órfão, pleitear a causa das viúvas». O bem é a resposta total da natureza moral do homem, no contexto humano e social de sua vida consciente, a um Deus que é Deus porque seu poder e seu propósico são bons (48).

Em terceiro lugar, a religião profética é Conhecimento de Deus em Conseqüência da Relação Pessoal com Ele, um conhecer e ser conhecido. Essa qualidade pessoal da religião não se restringe à piedade individual, como vemos em Jeremias (49). Sentia-se que o povo, como um todo, tinha uma personalidade corporativa, de maneira que sua aplicação a Javé dos títulos de Dono, Espôso ou Pai de seu povo era algo mais do que uma figura de linguagem (50). Conhecê-lo, como ele deseja ser conhecido, vai além da simples apreensão de sua existência, e até de sua natureza e propósito histó-

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rico, como fatos externos. É conhecimento que significa resposta, um voltar-se para ele, no reconhecimento do que significa sua presença, um alegre encontro com outrem a quem se dedica afeição e respeito. É uma intimidade pessoal, que cresce pela, longa experiência de confiança mútua e amor fiel, uma harmonia de mente e coração, para a qual os mais altos níveis da união espiritual no casamento proporcionam a mais adequada analogia. É, por conseguinte, um pacto de coraçoes numa relação permanente, num matrimônio duradouro, em termos de justiça, retidão, bondade, amor e fidelidade. Aqueles que conhecem a Deus desse modo sabem como fazer o que é reto; é-lhes, natural fazê-lo: «Acaso teu pai (Josias) não comeu e bebeu, e não exercitou o juízo e a justiça? Julgou a causa do aflito e do necessitado; por isso tudo lhe ia bem. Porventura não é isso conhecer-me? diz o Senhor» (51).

O quarto elemento que se pode distinguir é Obediência Moral. Essa deve ser comprElendida à luz do que f oi dito entes. Não é a obediência de alguém que deve f azer aquilo ,que nem liga nem compreende, mas a pronta resposta do coração e da vontade à «palavra», que expressa o imperativo divino. A obediência não é perfunctória quando o homem espera, atende e compreende a orientação dada, e aceita correção, humilde e penitentemente, A lealdade é confirmada e a confiança comprovada quando a consciência é rápida em reconhecer os padrões morais que a religião tornou sagrados. Os profetas declaram, repetidamente, que a obediência moral é a única coisa essencial ao culto e serviço de Javé. Ele é honrado, não como o são os outros deuses, nem do modo como os homens estejam dispostos a louvá-lo, mas exclusivamente por honrarem sua lei (isto é, instrução) e darem ouvidos aos seus mensageiros (52).

A cidade desafiadora, que não aceita correção, não confia em Deus nem lhe tem temor. Aqueles que não ouvem os clamores e protestos dos profetas em o nome do amor e da justiça, e não querem reconhecer que tais são as exigências sagradas da religião, são rebeldes contra Deus. «As palavras do Pacto» fornecem um código de comportamento de um tipo específico, pois conhecer a Javé é agir como ele age, se-

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gui-lo no bom caminho, que é o caminho dele. Jeremias declara que, quando, em dias por vir, a religião fôr, aperfeiçoada e cada homem conhecer a Javé como um amigo achegado, a lei de Javé (a instrução e obrigação de seu estilo de vida) será escrita na mente dos homens, de modo que a obediência será instintiva, espontânea e completa (53).

Religião resulta em ação, numa qualidade de comportamento entre os homens que expresse obediência a Deus. Produz também, nos homens, uma distintiva Qualidade de Espírito. Dá-lhes confiança e coragem, de modo que possam enfrentar os ásperos fatos da vida sem serem esmagados por eles. Confiança no poder da bondade de Deus e na bondade de seu poder dá à vida um ancoradouro e paz ao espírito do homem: «Acautela-te e aquieta-te; não temas ... se o não crerdes, certamente não permanecereis». Os homens «apóiam-se sobre» Javé como sobre um ponto de apoio que eles sabem que não cederá. Porque confiam na sabedoria divina, sua fé é paciente; sabem que o juízo de Deus sobre a impiedade é certo, e seu conhecimento do libertador divino escancara diante de seus olhos a «porta da esperança». Com a atenção centralizada em Deus, eles o servem, submetendose fielmente aos seus mandamentos, enquanto mantêm os olhos abertos para o futuro, que há de trazer o triunfo final de seu grande propósito: «Converte-te a teu Deus, guarda o amor e o juízo, e no teu Deus espera sempre». Esse é o segrêdo da força e alegria espirituais, de uma vitalidade e qualidade de vida com que nem podiam sonhar as religiões da natureza: «O povo que andava em trevas, viu grande luz» (54).

Devemos notar, finalmente, a Significação para o Culto, que resulta da apreensão profética da religião. Qual é a utilidade e valor da reunião periódica da comunidade para «os exercícios religiosos» e do comparecimento do indivíduo ao santuário? A famosissíma passagem do livro de Miquéias declara que o que Javé deseja do homem não é o mais custoso sacrifício ritual imaginável, mas justiça, bondade
comportamento humilde diante de Deus. Mas perderemos o sentido da passagem se a tomamos a tomarmos como denegando a necessidae do culto. Ela declara que este e não o outro, é o sa-

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crifício que se tem de oferecer, quando a gente comparece diante de Javé e se inclina perante o Deus Altíssimo. Condena, em nome de Javé, a insinceridade e a formalidade irreal daqueles que «comparecem» para cantar o louvor de Javé; ele rejeita não só os sacrifícios mas também as orações dos homens que não cessam de fazer o mal. O axioma religioso
atribuído pelo «historiador profético a Samuel, na antigüidade, resume o ponto de vista profético: «Tem porventura o Senhor tanto prazer em holocaustos e sacrifícios quanto em que se obedeça a sua palavra?» Oséias tem uma antítese semelhante: «Pois misericórdia quero, e não sacrifício; e o conhecimento de Deus, mais do que holocaustos» (55).

O verdadeiro culto é, então, a expressão sincera, em palavras e símblolos, da resposta total na vida ao que Deus é, e ao que ele deseja dos homens. A menos que expressem a profunda realidade como os homens realmente sentem e agem, de fato, para copm Deus e para com seus semelhantes, o louvor e as oferendas dos homens são um insulto que acrescenta mais pecado ao pecado. A menos que eles percebam que, com tal Deus como Javé, a justiça, a verdade e a bondade mais do que o sacerdote, o templo e o ritual, pertencem à categoria do sagrado, não podem oferecer um culto aceitável. Os homens devem vir à presença dele, não para influenciá-lo, por meio de oferendas e adulação, para que cumpra os desejos deles, mas para se inteirar do que ele deseja e para expressar seu leal propósito de obedecer-lhe. Eles deverão dizer: «Vinde, e subamos ao monte do Senhor, e à casa do Deus de Jacó, para que nos ensine seus caminhos, e andemos pelas suas veredas» (56).




NOTAS E REFERÊNCIAS

CAPITULO IX


(1) B. Duhm: «IsraeIs Propheten», 2.a ed., p 8.
(2) Aos quais podem ser acrescentados Gibeom (I Rs 3.4) e Siquém (I Rs 12. 1).
(3) Cf Graham e May: «Culture and Conscience», pp 85-97, etc.
(4) I Sm 8.20.
(5) Cf. Johnson: «The Role of the King in the Jerusalem Cultus», em «The Labyrinth», editado por Hooke.
(6) I Rs 11.5, 7; 15.8, 12, 13, 15; 16.31-33; II Rs 21.3-7. As imagens de touro erigidas em Betel e Dá por Jeroboão I parece representarem uma identificação de Baal-Hadade com Javé; cf. «teus deuses, ó Israel, que te fizeram subir da terra do Egito!» (I Rs 12.28). Cf. nota de Cook em «Religion of the Semites», de W. R. Smith, 3a. ed, pp 532ss.
(7) II Rs 18.4; 23.11; Jr 7.18; 41.17-19.
(8) Os 2.8.
(9) Nin 25.3; cf. 23.28, 29; Os 9.10.
(10) Gn 20.3; Èx 22.7; Gn 37.19; Is 50.8. Os baalins locais participavam da importância da comunidade em que eram adorados, de modo que o baal de Tiro se tornou um deus cultuado no distante Israel, sob Acabe, sendo ali conhecido simplesmente como «o Baal».
(11) Cf. Graham: «The Prophets and Israel's Culture», pp 16, 17; Albright: «From the Stone Age to Christianity», pp 144ss; 176ss; 235, 333.
(12) Os 8-4, 5; 10.5; 13.2; Jr 2.27, 28.
(13) Êx 23.14-17; cf. Leslie: «Old Testament Religion», pp 40- 43, 156-158.
(14) Cf. Leslie. op. cit., pp 49-52; Albright, op. cit., pp 177, 178.
(15) Cf. SI 2.6-9; 89.3, 4, 14, 18-37; e nota 5, acima.
(16) Êx 34.15, 16; Os 4.11-14; Am. 2.7, 8.
(17) Oesterley e Robinson: «Hebrew Religion», p 166, falam do «divórcio entre a moral e a religião. Um ato podia ser universalmente reconhecido como vício ou crime; não queria isso dizer que era pecado. Exceto quando insistia na observância de certos tabus primitivos, a religião era indiferente ao tratamento que um homem dava a seu próximo.
(18) Sf 1.4, 5; Am 8.14; cf. CowIey: «Aramaic Papyri of the Fifth
Century B. C.», p XVIII.
(19) Jr 7.30, 31; 19.4, 5; cf. notas 6 e 7 acima.
(19a) Javista e Eloísta [Nota do Editor da Edição Eletrônica]
(20) Mq 6.7; Jr 32.34-35; Am 5.25-27.
(21) Cf Graham e May, op. cit., pp 40ss.
(22) Os 2.11; 4.11; Am 2-6-8; Is 28.7, 8; Jr 23.14.
(23) Am 4.4, 5; 5.21-23; Os 8.11; 10.1; Is 1.11; 2.8; Jr 3.1; 11.13.
(24) Graham, op. cit., p 17; Os 9.1; 7.14; I Rs 18.28.
(25) I Co 15.36. Para rinná como significando o grito ritual, cf. SI 42.4; 107.22.
(26) Jr 6.13; Am 5.4, 5; Os 5.6; Am 5.18-24; Is 1.15; Os 6.1. 4.
(27) Jr 7.9, 10; Is 5.20; 6.9, 10; Sf 1.12.
(28) Gray: «Isaiah» (I. C. C.), p 109; cf. Is 29.9-12.
(29) Jr 7.4; Os 10.1; Am 4.4, 5; Is 1.11-17; Jr 5.30, 31.
(30) I Rs 18.40; 19.15-17; II Rs caps. 9-11.
(31) Ver acima, cap. IV.
(32) Am. 3.9, 10; 5.10, 11; Os 4.2, 8, 9; Is 3.14, 15; 5.8, 22.
(33) Os 2.14, 15; 13.4; Is 1.26; Jr 11.6, 7.
(34) Am 3.4, 6, 8; 4.6-11; Is 1.4-8.
(35) Jr 25.32.
(36) Am 6.14; 5.27; Os 9.3; 11.5; Mq 1.10-16; Is 8.7, 8, cf. vers. 4. Um glosador inseriu, no vers. 7, as palavras: «isto é, o rei da Assíria,, com toda a sua glória»; a identificação é correta, mas interrompe a metáfora; o mesmo se deu em 7.17, 20
(37) Is 10.5-15; 37.2135; Jr 46.2-12; 25.9, 11; 38.2, 3; 43.8-13.
(39) Am 3.10; Is 30.1-5; 31-1-3; Jr 38-1-4.
(39) Am. 3.10; Is 30.1-5; 31.1-3; Jr 38.1-4.
(40) Is 30.10, 11; Os 11.2, 8.
(41) Duhm: op cit., pp 459, 460.
(42) Marti: «Religion of the Olp Testament», trad. inglêsa de Bienemann, pp 147, 148.
(41) Duhm: op. cit., pp 459, 460.
(42) Marti: «Religion of the Old Testament», trad. inglêsa de Bienemann pgs. 147, 148.
(43) Is 1.2, 3; Jr 2.27; Am 4.6-11; Is 28.9, 10; Os 13.6.
(44) Is 17.7; 28.21; Mq 6.1, 2; Is 1.3; Jr 1.11-14; 18.1-6; 24.
1-10; 32.6-8; 1.s 4.24-27; Os 11.8, 9.
(45) Is 8.13; Jr 2.13.
(46) Is 5.20; 6.1-5; Jr 7.9-11; Am 2.6-8; 5.7; Os 4.6; 6.4-6; Sf 1.12.
(47) Jr 23.9, 10; 11.20; 20.12; 25.31.
(48) Is 5.16; Am 5.4, 6, 14; Mq 6.8; Am 5 . 15; Is 1.17.
(49) Jr 1.4-19, 10.23, 24; 11.18-20; 12.3, etc.
(50)
Is 1.2, 3; Jr 31.32; Os 2.16; 11.1; Jr 31.9; cf. Ml 1.6.
(51) Os 2.19, 20; Ani 3.10; Jr 22.15, 16.
(52) Am 7.14, 15; Is 6.8; Jr 7.23; 9.24; 11.6-8; 23.18.
(53) Sf 3.1, 7; Is 30.12; Jr 7.5-7; 11.2-8; 31.31-34.
(54) Is 7.4, 9; 10.20; Am 2.6-16; Is 30.15; Os 2.15; 12.6; Is 9.2.
(55) Mq 6.6-8; Is 29.13; 1.11-15; I Sm 15.22; Os 6.6.
(56) Is 2.3, passagem que se -encontra também em Mq 4.2. Sua autoria é incerta, como a de muitos outros oráculos cujo valor espiritual não fica, no entanto, diminuído por causa dessa incerteza.




Fim da quarta parte de «Profetas de Israel: Comunais, Acratas e Anticlericais».


Primeira parte: http://www.oocities.org/projetoperiferia5/profetas1.htm
Segunda parte: http://www.oocities.org/projetoperiferia5/profetas2.htm
Terceira parte: http://www.oocities.org/projetoperiferia5/profetas3.htm
Quarta parte: http://www.oocities.org/projetoperiferia5/profetas4.htm
Quinta parte: http://www.oocities.org/projetoperiferia5/profetas5.htm

Edição Eletrônica pelo Coletivo Periferia
http://www.oocities.org/projetoperiferia
Projeto Periferia, Travessa do Anfiguri 47, CEP 08050-570, S. Miguel Pta., S.Paulo-SP, Brasil
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