Aspectos Biológicos dos Penedos de São Pedro e São Paulo

Osmar J. Luiz Júnior

Núcleo de Pesquisas Biológicas - Universidade Metodista de São Paulo

 

A biologia dos Penedos de São Pedro e São Paulo vem a muitos anos despertando o interesse de cientistas para suas características incomuns e intrigantes. Muito deste interesse parte do tamanho extremamente reduzido do local, associado ao seu isolamento e sua posição intermediária entre a América do Sul e o continente africano. As características geográficas dos Penedos os tornam uma peça fundamental no estudo de padrões de dispersão da fauna pelas correntes marinhas e da biogeografia do Oceano Atlântico sul.

As primeiras citações sobre o arquipélago datam de fevereiro de 1832, quando Charles Darwin, a bordo do HMS Beagle realizava sua célebre viagem que resultaria na descoberta da evolução. A segunda expedição científica aos Penedos se deu 41 anos depois, em agosto de 1873, durante a visita do HMS Challenger, quando pela primeira vez, animais marinhos foram coletados para identificação. A expedição com resultados mais significativos foi realizada em setembro de 1979, pela Universidade de Cambridge. Os biólogos ingleses Alasdair Edwards e Roger Lubbock tiveram então a oportunidade de realizar inúmeros mergulhos, onde descobriram 4 novas espécies de peixes e realizaram um levantamento naturalístico e ecológico tão importante que hoje obrigatoriamente serve de base para qualquer estudo científico biológico realizado nos Penedos de São Pedro e São Paulo.

Habitats Encontrados

Peixes Endêmicos

Aspectos do isolamento (padrões diferenciados de coloração).

Colonização e Rotas de Migrações

O status do Peixe Trombeta (Aulostomus)

Referências Científicas sobre os Penedos

 

 

Habitats Encontrados

Os Penedos de São Pedro e São Paulo são reconhecidos como sendo uma das ilhas oceânicas tropicais com a menor diversidade biológica em todo o mundo. Muitos fatores, como o isolamento, colaboram para um baixo número de espécies, mas o tamanho reduzido do local e a pouca variação de habitats são apontados como as causas principais. Apesar de variarem pouco, os habitats são bem demarcados e com características próprias.

Habitats Terrestres : Estes se dividem em duas áreas. (1) A área elevada e seca que se situa entre 4 a 13 metros acima do nível do mar. É uma região caracterizada pelos aninhamentos do atobá-marrom (Sula leucogaster) e como consequência, quase toda a área rochosa está coberta por guano (fezes) dos atobás, conferindo uma coloração esbranquiçada as encostas da ilha. (2) A área que se compreende entre 4 metros ao nível do mar, praticamente sempre recebendo influxo de água proveniente das ondas ou de respingos. Nesta área são encontradas diversas poças ou piscinas naturais que são habitadas por diversos tipos de algas, invertebrados e pequenos peixes.

Áreas mais baixas, expostas as ondas, frequentemente formam poças.

Áreas mais altas, dominadas pelo aninhamento de atobás e esbranquiçada devido ao guano depositado.Ao fundo a base de pesquisas.

 

Habitats Subaquáticos (ou Sublitorais):

 

(1) Área de Palythoa: compreendida entre o nível do mar até a profundidade de 3 a 8 metros, esta região é caracterizada pela presença do celenterado zoantídeo Palythoa caribaeorum, o popular baba-de-boi, que deixa uma meleca nas roupas dos mergulhadores que encostam neles. Nesta faixa de pouca profundidade, a alga verde Caulerpa não consegue se fixar ao substrato devido a turbulência, deixando o espaço livre para a ocupação do Palythoa.
(2) Área de Caulerpa: inicia logo abaixo da área anterior e se extende até aproximadamente a 30-36 metros de profundidade. Região bem definida e dominada pela alga Caulerpa racemosa, a caracteristica mais marcante são os densos tapetes de até 60 cm formados pela alga. Nesta região foi observada a maior concentração de peixes, principalmente de moréias e peixes trombeta, que se entocam entre as moitas para emboscar suas presas.
((3) Área sub-Caulerpa : inicia entre 30 a 36 metros quando as moitas de Caulerpa desaparecem, área dominada por algas vermelhas e crustosas e poucos corais. Apenas duas espécies de corais pétreos foram encontrados no arquipélago (Scolymia wellsi e Madracis decatis) nesta área a quantidade de peixes diminui muito em relação a faixa superior. Porém, é somente abaixo destas profundidades que habita o peixe borboleta de Penedos (Chaetodon obliquus).
(4) Área de substrato instável: área caracterizada pelo substrato composto por areia ou pedregulhos soltos. Somente alguns invertebrados são encontrados embaixo de pedras. A quantidade de peixes é muito pequena e é o único ambiente onde foi observado o pequeno tesourinha (Chromis enchrysura).

 

 

 

Espécies Endêmicas

Durante a expedição da Universidade de Cambridge, em 1979, os biólogos ingleses Alasdair Edwards e Roger Lubbock realizaram o primeiro inventário das espécies de peixes recifais dos Penedos. Isto resultou, além de uma lista da fauna ictiológica local, que é muito importante em estudos biogeográficos, na descoberta de 4 novas espécies de peixes, novas ocorrências de peixes raros e a detecção de novos padrões de coloração em espécies já conhecidas do Atlântico Ocidental. A lista de espécies do local pode ser apreciada em Lubbock & Edwards (1981) (ver referências científicas).

Espécies Endêmicas

Bodianus insularis - Bodião Ilhéu.

Endêmico as ilhas do Atlântico Central. Ascenção, Santa Helena e Penedos de São Pedro e São Paulo. Nas descrições do século XIX foi confundido com o bodião espanhol (Bodianus rufus) comum na costa brasileira. Porém, em 1979, ao iniciar uma revisão do gênero, pesquisadores então confirmaram que se tratava de uma nova espécie. O bodião ilhéu difere do espanhol por apresentar um focinho mais pontudo e por apresentar um padrão de cor uniforme nos três estágios de desenvolvimento, ao invés de padrões de dois ou três cores como seus parentes mais próximos (B. rufus e B. pulchellus).

Stegastes Sanctipauli - Donzela de Penedos.

Endêmico aos Penedos, daí o nome Sanctipauli. Muito comum nas piscinas das rochas até a profundidades de 50 metros, habita áreas entre as rochas, onde possui um comportamento territorial semelhante a da Donzela Comum (Stegastes fuscus) da margem continental brasileira.

Chaetodon obliquus - Peixe Borboleta de Penedos.

Encontrado somente nos Penedos, em paredões verticais abaixo dos 55-60 metros. Forma grupos de até 6 indivíduos. De hábitos completamente desconhecidos, sua biologia ainda é um mistério para a ciência.

Foto colorizada por computador a partir do original de Edwards & Lubbock (1980).

Anthias salmopunctatus

Enneanectes smithi

Estas duas espécies, da família Serranidae e Tripterygiidae, respectivamente, também são endêmicas aos Penedos. Porém, não foram fotografadas durante a expedição.

Nova Ocorrência

Clepticus brasiliensis

Esta espécie foi descrita recentemente e é endêmica a costa brasileira. Foi observada e registrada pela primeira vez nos Penedos pelo fotógrafo da expedição.

 

 

 

Aspectos do Isolamento

A porcentagem de endemismo nas Ilhas Oceânicas é geralmente subestimada pelo fato de ser levado em conta apenas o "endemismo-morfológico". Quando é considerado o fato de existir endemismo populacional, ou seja, espécies geralmente considerada não endêmicas porém geneticamente diferenciadas de seus parentes continentais, então podemos compreender certos padrões locais característeristicos.

Novos padrões de coloração

Uma das características mais incomuns da região são os padrões diferenciados na coloração do Frade Real (Holacanthus ciliaris). Cerca de 5% da população local apresenta esta tendência. Enquanto os espécimes "normais" são amarelos, com as bordas das nadadeiras e pequenas manchas azuis (veja seção fotografias), outras colorações "bizarras" são encontradas. As mais comuns avistadas pela expedição foram as de corpo todo azul, com a cauda e/ou boca brancos e outros totalmente brancos. Outros padrões mais raros são com o corpo todo amarelo e o corpo branco com manchas alaranjadas e pretas.

 

Este dimorfismo cromático é atribuído a características comuns a populações isoladas, principalmente pelo resultado de uma pequena população fundadora da colonização, associada a baixa deriva genética, altas taxas de endocruzamento e de mudanças na pressão seletiva, que alteram complexos gênicos que controlam as características, neste caso, da coloração dos animais adultos. Pesquisadores acreditam que a população de Holacanthus ciliaris dos Penedos está sofrendo um processo de diferenciação que pode provocar uma especiação, ou seja, uma nova espécie de Holacanthus endêmica está em formação.

 
 
 
 

 

 

Colonização e Rotas de Migração

Um dos inúmeros mistérios dos Penedos era a origem de sua fauna marinha. A grande maioria dos peixes que habitam a ilha são de espécies comuns a costa brasileira e ao Atlântico oeste tropical, porém as correntes marinhas superficiais nesta região (Corrente Equatorial Sul) são todas provenientes do Atlântico leste (trade winds), sentido África - Brasil. Ficou constatado então que o único meio pelo qual as larvas de peixes brasileiros pudessem alcançar o arquipélago era através da Sub-Corrente Equatorial Atlântica, uma corrente originada da corrente do Brasil e que percorre submersa, por baixo e em sentido contrário a Corrente Equatorial Sul. Esta corrente submersa deixa o nordeste brasileiro e passa por Fernando de Noronha e Penedos de São Pedro e São Paulo. Apesar de se localizar entre 40 a 150 metros de profundidade, esta corrente pode subir até a superfície quando os ventos de leste se enfraquecem e fazem a corrente superficial (Equatorial Sul) perder intensidade (veja mapa na seção "Mapas").

Muitos pesquisadores estranhavam o fato de se terem tão poucas espécies nos Penedos proveniente da costa africana, afinal era de lá que partiam as principais correntes que passavam pelo Arquipélago. A composição da ictiofauna dos Penedos deixou muito clara a importância da distância e do tempo de duração da fase planctônica (larvar) dos peixes na colonização de ilhas. Pois as espécies africanas, mesmo com correntes mais favoráveis levam no mínimo 7 semanas, podendo chegar até 13, para alcançar os penedos. Enquanto as espécies brasileiras fazem o percurso em cerca de 3 semanas, acabam por ter mais sucesso na colonização, mesmo dependendo de correntes submersas e sujeitas a outras correntes contrárias.

Não são todas as espécies que chegam aos Penedos que conseguem estabelecer populações viáveis. Existem relatos de espécies em que são observados apenas um ou pouquíssimos exemplares e que certamente não fazem parte da comunidade local. Estas são chamadas de espécies vagrantes. Isto provavelmente ocorre pela falta de habitats ou alimentação compatíveis as espécies que podem chegar até lá. De fato, os fatores ecológicos, como disponibilidade de habitats, restrições alimentares e competição interespecífica estão ganhando força e sendo considerado por muitos especialistas como fatores mais importantes na colonização de ilhas isoladas do que a capacidade de dispersão e tempo de duração larval planctônica.

 

O status do peixe trombeta (Aulostomus)

Apesar de relativamente raro na costa brasileira, o peixe trombeta existe em abundância nos Penedos de São Pedro e São Paulo. Historicamente, tem se acreditado que a espécie que habita os mares brasileiros, assim como nos Penedos seja a espécie caribenha Aulostomus maculatus. Porém, pesquisas recentes (publicadas ainda neste ano) que tem se baseado em análises genéticas destes peixes comprovaram que a espécie que habita os Penedos, assim como em alguns pontos da costa brasileira, possui 100% de descendência genética da espécie africana A. strigosus.

Esta constatação levou os pesquisadores a reanalisar morfologicamente os espécimes dos Penedos e outra surpresa veio, as características físicas levavam a identificação do A. maculatus. O que temos nos Penedos então é uma população que é geneticamente ligada a uma espécie e morfologicamente ligada a outra. Provavelmente é um híbrido, uma junção entre espécies de um gênero que iniciou sua diferenciação há 4 milhões de anos atrás, quando o surgimento do istmo do Panamá separou a população dos trombetas entre os oceanos Atlântico e Pacífico, gerando A. maculatus e A. chinensis, respectivamente. O A. chinensis se espalhou pelos oceanos Pacífico e Indico, até que exemplares desta espécie adentraram o Atlântico leste, via África do Sul, que se transformou na espécie da costa africana A. strigosus. A mesma espécie que cruzou o Atlântico, e agora nos Penedos e na costa brasileira reencontra a espécie original e volta a misturar suas características, depois de 4 milhões de anos de isolamento!!!

 
O peixe trombeta, com coloração amarela.   O peixe trombeta apresenta o comportamento da caça coletiva, onde geralmente acompanha outros peixes na captura de sua presa.
 
Muito comum na área de caulerpa, onde costuma ficar de tocaia para emboscar sua presa mais comum, o tesourinha (foto).   Com coloração vermelha.

 

 

 

Referências Científicas

Bowen, B.W.; A.L. Bass; L.A. Rocha; W.S. Grant & D.R. Robertson 2001 - Phylogeography of the trumpetfishes (Aulostomus): Ring species complex in a global scale. Evolution 55(5): 1029-1039.

Edwards, A. & R. Lubbock 1983 - The ecology of Saint Paul´s Rocks (Equatorial Atlantic). J. Zool., Lond. 200: 51-69.

Edwards, A. & R. Lubbock 1983 - Marine zoogeography of St. Paul´s Rocks. Journal of Biogeography 10: 65-72.

Floeter, S.R. & J.L. Gasparini 2000 - The southwestern Atlantic reef fish fauna: composition and zoogeographic patterns. Journal of Fish Biology 56: 1099-1114.

Goman, M.F. & R. Lubbock 1979 - A new hogfish of the genus Bodianus (Teleostei: Labridae) from islands of the mid-atlantic ridge. Northeast Gulf Science 3(2):104-111.

Joyeux, J.-C.; S. R. Floeter; C.E.L. Ferrreira & J.L. Gasparini 2001 - Biogeography of tropical reef fish: the South Atlantic puzzle. Journal of Biogeography 28(7), 831-841. Publicação ilustrada com fotografias feitas durante a expedição.

Lubbock, R. & A. Edwards 1980 - A new butterflyfish (Teleostei: Chaetodontidae) of the genus Chaetodon from Saint Paul´s Rocks. Rev. fr. Aquariol. 7: 13-16.

Lubbock, R. & A. Edwards 1981 - The fishes of Saint Paul´s Rocks. Journal of Fish Biology 18: 135-157.

Robertson, D.R. 2001 - Population maintenance among tropical reef fishes: inferences of small-island endemics. Proc. of Nat. Acad. of Sci. 98(10): 5667-5670.

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