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ATUALIDADES

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A MORALIDADE AMERICANA FOI DETURPADA PELO 11 DE SETEMBRO

Por Robert Fisk

'É como se todas as lições da história do Afeganistão e do Oriente Médio tivessem ido para o lixo'

Nos campos afegãos as papoulas florescem. Sim, mesmo com os americanos mergulhando mais fundo na armadilha afegã, os senhores da guerra e os bandidos do governo afegão apoiado pelo ocidente estão assegurando uma enorme safra nova de heroína para os mercados mundiais.

É claro que a ONU alertou para isto, mas nada está sendo feito. A "guerra contra o terror" vem primeiro. As estradas e caminhos do Afeganistão são agora redutos de anarquia, bandidagem e morte por todo o país. A patética mirrada força de paz em Cabul não controla toda a capital, quanto mais o resto do país. O presidente interino, Hamid Karzai, com dificuldade controla a rua do lado de fora de seu escritório. Mas a "guerra contra o terror" vem primeiro.

Presos em sua "guerra contra o terror" e descobrindo, agora, que seus inimigos querem combatê-los, os americanos estão igualmente indolentes quando confrontados pelo conflito infinitamente mais perigoso, que se desenrola a quilômetros de distância de Cabul, nas ruas de Jerusalém, Ramallah, Tel Aviv, Nablus, Jenin e Gaza. Quando o exército israelense sai para uma farra de tiros nos campos de refugiados e mata 16 palestinos, entre eles duas crianças, os americanos pedem "moderação". Quando um homem bomba palestino mata uma multidão de israelenses em Jerusalém, inclusive dois bebês e uma criança de 10 anos, os Estados Unidos rapidamente responsabilizam Iasser Arafat por "não acabar com o terrorismo", trancafiando os rapazes maus. E Ariel Sharon? Por que, ele está ocupado destruindo delegacias policiais e prisões para se certificar de que Arafat não faça aquilo que estão ordenando que faça.

E quando Sharon anuncia que Israel precisa "infligir perdas maiores", em outras palavras, matar mais palestinos, Washington se cala. Talvez não seja indolência. Talvez a administração Bush acredite realmente que o homem tido como "pessoalmente responsável", por uma comissão de inquérito israelense, pelo massacre de 1.700 palestinos civis em Beirute, em 1982, na verdade esteja ao lado da América na "guerra contra o terror". Talvez o limite moral da América tenha se desviado tanto por causa dos crimes contra a humanidade de 11 de setembro que o presidente Bush simplesmente não se preocupa mais com o que Sharon faz.

É como se todas as lições da história do Afeganistão e do Oriente Médio tivessem ido para o lixo. Vejamos o ex-presidente Clinton. Ele chega a Israel e o que ele faz? Responsabiliza Arafat. E o que diz sua ridícula esposa quando faz o mesmo? "Iasser Arafat tem a responsabilidade pela violência que aconteceu; pesa sobre seus ombros ..." Ela diz que seu papel como senadora americana é "apoiar o povo de Israel". Sério? O que há de errado em se apoiar os palestinos inocentes também? Religião errada? Cor de olhos errada?

Portanto, uma guerra contra uma ocupação colonial transformou-se em produto da "guerra contra o terror", na linguagem desta guerra cada vez mais irresponsável. Agora temos que aprender mecanicamente as seguintes palavras: pagar na mesma moeda, ciclo de violência, eixo do mal... esta estupidez não acaba nunca? Não, não acaba. Para o útlimo matadorzinho existe a palavra "transferência" ou "reassentamento". Como em "a resposta simples ... seria criada uma grande separação de Israel, reassentando os palestinos na Jordânia, onde 80% da população são de palestinos." Isto apareceu num artigo publicado no USA Today. Em Israel, uma pesquisa de opinião pergunta aos israelenses quantos deles apoiariam a "transferência" de árabes de suas casas, e não, é claro, de colonos judeus das terras árabes, como uma solução para a guerra.

É incrível. "Transferência" é limpeza étnica e limpeza étnica é crime de guerra. Se os jornais americanos estiverem preparados para estampar essa opção e se os israelenses são instados a dar sua opinião sobre isto, então o que Milosevic está fazendo em Haia? O colapso moral já está em curso. Tome-se o último relatório do governo americano sobre direitos humanos. Em 2000, foi dito que as cortes militares irremediavelmente injustas do Egito "não garantem o devido processo diante de tribunais independentes". No relatório de 2001, no entanto, esta sentença foi censurada. É claro que isto tem a ver com o fato de Bush agora estar criando suas próprias cortes militares para julgar seus prisioneiros na Baia de Guantanamo sem o devido processo.

E, na medida em que os americanos distorcem a natureza da guerra entre Israel e palestinos, eles estão mentindo sobre o Afeganistão. o general Tommy Franks, chefe do Comando Central dos Estados Unidos, assim se referiu ao erro que matou 16 afegãos inocentes em Hazar Qadam: "Não defino isto como um fracasso de qualquer tipo." Desculpa? Ou o general Franks, que na terça-feira conseguiu se referir ao seus soldados mortos recentemente como morrendo "no Vietnã", não leu os fatos ou ele é um homem muito infame.

Seu patrão, Donald Rumsfeld, se recusa a usar a palavra "erro" ou mesmo "investigação" após milhares de afegãos inocentes terem sido mortos pelas bombas americanas, porque a palavra "algumas vezes tem a implicação de mais formalidade ou de ação disciplinar." Quando homens da alta hierarquia militar de Washington são tão desonestos, é de se surpreender que os tanques israelenses abram fogo contra os campos de refugiados sem qualquer resposta séria dos Estados Unidos, ou que carros carregando crianças sejam explodidos porque eles querem matar o pai delas?

Por certo que já era tempo de a Europa se envolver. Por certo que era tempo de os Estados Unidos chamarem uma cúpula sobre estes terríveis conflitos e se envolverem diretamente. Devemos aumentar a força de paz em Cabul para remover as armas do Afeganistão e deixar a América se mover no pântano da semi-ocupação e no estado de guerrilha se for o que se deseja. Devemos pedir que Israel reembolse o dinheiro dos contribuintes europeus pelo que foi destruído pelo exército israelense em sua vandalização da infra-estrutura palestina construída pela União Européia.

Uma vez que os americanos não conversarão com Iasser Arafat, devemos assumir a dianteira. Se Washington é tão incompetente para suspender esta terrível guerra entre árabes e israelenses, devemos tentar fazê-lo. Pedem-nos que financiemos as políticas falidas da América com os nossos euros. Portanto, é hora de exigir que tenhamos voz. Em vez disto, Downing Street, que no Natal castigou aqueles jornalistas que havia previsto caos e sangue no Afeganistão, eu inclusive, estou feliz de dizer, alimenta as fantasias de Bush, apoiando uma outra guerra contra o Iraque.

Começo a suspeitar que o 11 de setembro está se transformando numa maldição muito maior do que o banho de sangue daquele dia, que a preocupação com aquele terrível acontecimento periga de deturpar nossa moralidade. A anarquia do Afeganistão e a chacina continuada no Oriente Médio serão realmente o memorial para os milhares que morreram no 11 de setembro?

The Independent - 07/03/2002

 

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