2.1- Virtual e Real.

 


      A oposição virtual - real não se sustenta logicamente, mas é usada coloquialmente, então, devemos fazer uma introdução explicativa sobre o tema e a explicitação dos termos utilizados para este trabalho. De uma maneira simples poderia dizer que o que é virtual é o que está por vir (ou o possível) e o real é a atualização dessa virtualidade, mas isto não põe a questão tão claramente. Acredito que todos que leiam este texto têm uma idéia relativamente segura do que seja uma coisa e outra, e muito provavelmente convivem bem com essa separação dicotômica entre virtual e real. A popularização da própria Internet causa isso: torna os termos familiares, mas não os explica satisfatoriamente. Tudo é real, inclusive aquilo que está virtual. Alguns exemplos: a língua (qualquer uma) é virtual, enquanto a fala é que a atualiza, no entanto, tanto língua quanto fala são reais. A informação na Internet está virtual ("desterritorializada", Lévy, 1999), não está em lugar nenhum e pode estar em todo lugar... e ela é atualizada a todo momento de consulta e troca; como a língua, disponível a todos para falar. Ou ainda, o ensino é virtual e o aprendizado é a sua atualização. Quer dizer, a maneira que pareceria correta de se separar o virtual de outro termo seria o atual, mas nem mesmo isso parece conveniente para o nosso trabalho, pois mesmo quando um grupo está "reunido" em algum chat, ele está sendo atualizado ali... naquele ambiente chamado pelo próprio grupo de virtual (espaço da Internet). Uma outra maneira de ver a questão é admitir toda realidade como sendo intermediada por símbolos, isto é, nós compreendemos a realidade através de símbolos e estes símbolos são virtuais a todos, como códigos que todos são capazes de reconhecer, mas que não estamos usando o tempo todo (como a língua, exemplificada no parágrafo anterior). Deste modo, é claro, a noção de realidade se torna mais difícil ainda de ser reconhecida para o nosso trabalho, pois, afinal, o real estaria na constante intermediação com os símbolos, que são virtuais. E, neste caso, tomo emprestado de Manuel Castells a percepção de que a "cultura é transformada pela mediação tecnológica" (1999: 354), que nos coloca diretamente na mediação (virtual) de símbolos exatamente presentes no nosso espaço de investigação: o contexto (Internet) onde os grupos Net se desenvolvem. Segundo Pierre Lévy há várias formas de ver o virtual. É uma nova forma de relacionamento, uma nova forma de espaço (diferente e complementar) e que não é oposto ao real. A realidade das interações passa a se virtualizar dessa nova forma. E as possíveis atualizações desse virtual são as diversas novas formas de interação. O virtual existe, enquanto o atual acontece. "O virtual não 'substitui' o 'real', ele multiplica as oportunidades para atualizá-lo." (1999: 88) Projetamos nós mesmos em vários lugares diferentes, virtuais, prontos a se atualizar em vários espaços e momentos diferentes; são desdobramentos de eus em diversas interações, todas reais, mas diferentes, "ora aqui, ora em toda parte, ora em si, ora misturado." (Lévy, 1996: 33) No espaço da Internet em especial esse desenvolvimento fica bastante visível, como veremos. Os textos trocados na Internet são as atualizações de uma linguagem virtual em comum partilhada pelas pessoas presentes neste mesmo espaço. As pessoas fazem-se entender mesmo não estando "próximas" e são interpretadas a partir das atualizações de seus textos (uma interpretação veloz e em meio a uma grande multiplicidade simbólica); e quando ocorre o encontro face-a-face, estes textos se tornam virtuais diante da atualização corrente, que pode a qualquer momento trazer à atualização este repertório virtual. Regras e convenções estão virtuais nos grupos e são atualizadas durante as interações. A regra aparece em especial quando é quebrada ou prestes a tal, pois é lembrada (atualizada). Aprendemos e trocamos significados e virtualizamos as compreensões (todos podem conhecer os significados). Um grupo que se atualiza ("estar-junto" / Internet ou IRL), troca significados e apresentações; seus membros o têm virtual o tempo todo em cada um, pelo menos enquanto este tiver significado para eles ou para pelo menos um. Em outra obra Pierre Lévy sugere mais uma diferenciação de denominação para o espaço dos computadores (Internet, Ciberespaço) e o face-a-face: "...o universo da informação digital e o mundo ordinário." (1999: 37) O que dá uma espécie de impressão de extraordinário no espaço da Internet, mas a diferenciação é válida de um ponto de vista do espaço que é mais comum às interações e o que é menos comum; podemos inferir que eventualmente o espaço da Internet poderá deixar de ser visto como fora do ordinário, se este for considerado o cotidiano dos seus usuários. Mas todas essas constatações não resolvem de modo algum o problema... e não acredito que poderei resolver. Separar real de virtual é uma mera convenção popular para o mundo fora do computador e dentro do computador, o que vimos ser, nessa dicotomia simplificada, uma inverdade; ou, como diz Pierre Lévy (1999): "...no uso corrente, a palavra virtual é muitas vezes empregada para significar irrealidade, enquanto 'realidade' pressupõe uma efetivação material, uma presença tangível." (47) Permaneceremos com as denominações fixadas até aqui como as menos problemáticas ("espaço da Internet" e "face-a-face"), mas sabendo da subliminar presença das outras denominações, especialmente a virtual - real, muito utilizada por usuários, e que todas são inevitavelmente provisórias.


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