2.3- Face-a-face.

 


      Na primeira vez que fui a uma reunião cheguei no suposto local do encontro por volta da hora marcada. Notei um pequeno grupo ao redor de duas mesas, mas não tinha certeza se eram eles. Tinha que me apresentar com o meu nick (peskisador) e não estava tão seguro em chegar no grupo e me apresentar, pois seria um grande constrangimento se fosse o grupo errado. Na primeira mesa estava um pessoal mais calmo, menos agitado, logo desconfiei que não faziam parte do grupo. Suspeita que se confirmou no decorrer do evento. Na mesa onde achava que era realmente o pessoal Galera Zaz, antes de finalmente me apresentar, fiquei sentado numa mesa próxima e observei, sem interferir (minha proximidade atraiu um ou outro olhar; provavelmente alguém achasse que procurava o grupo, ou apenas estranhou alguém sozinho sentado perto e olhando para eles). Notei que realmente eram bastante agitados, com algumas pessoas sentadas e algumas de pé. Naquele momento estavam olhando fotos de algum evento passado do grupo (vim saber depois que eram de uma viagem à cidade de Serrinha, algumas dias antes, no feriado de 1ª de maio). Estavam compartilhando os momentos passados (re-partilhando, revivendo o passado, ritual de retomar a história recente do grupo, semelhante a qualquer grupo, acredito: pessoal de rock que se reúne para um novo show e comentam os acontecimentos de um show anterior: as piadas, os acidentes, as bebedeiras, etc.). Até este momento de só observação (ainda sem me apresentar), também notei que os rapazes estavam mais fechados e mais "companheiros" entre si e as moças estavam mais alegres e saltitantes (gritinhos, etc.). As moças beijavam e abraçavam tanto moças quanto rapazes ao se verem (reverem); os rapazes, a maioria, se limitavam a apertos de mão entusiasmados. Um paralelo em relação a essa diferença de expressividades é o modo como as mulheres parecem ter mais facilidade em colocar declarações de afeto no chat; pelo menos parecem ser em maior quantidade; os homens o fazem menos, mas também o fazem, principalmente porque não há outra forma de fazê-lo no chat. A diferença também se estende pelo fato de as mulheres se expressarem deste modo com ambos os gêneros; enquanto que os homens, em geral, somente com as mulheres. A última coisa que notei antes de finalmente me apresentar foi o fato de muitos terem em mãos aparelhos de telefone celular; pode parecer trivial nos dias de hoje, pois muita gente possui esse aparelho, mas notei que havia uma função específica no grupo: manter contato entre eles próprios fora daquela reunião (alguém que não iria poder vir, mas queria dizer "OI"; ou alguém que não mora na cidade, mas que gosta de "estar presente" nas reuniões via telefone; aqui, a mediação eletrônica mostra mais uma sua utilidade no processo de sociabilidade: alguém não pode vir em corpo, mas faz sua atualização em forma de voz, num deslocamento puramente simbólico). Marla35 foi minha "madrinha" nessa apresentação geral para o grupo. Ela foi me apresentando a cada um do grupo presente, pois ela tinha sido justamente alguém com tinha tido contato anterior no chat; poderia ter sido também Marcelo-BA, ou ^any^, ou ainda GoldenEye; apenas que Marla foi quem apareceu primeiro. Ela usava uma camisa azul onde estava escrito o nome Marla, em branco (um símbolo de identificação com o grupo e dentro do grupo; seu nome verdadeiro é outro, logo este nome só faz sentido dentro do grupo, identificando-a como do grupo). Muitos do grupo chamavam ela de "tia", por causa de sua idade: 35. Qualquer membro com pouco mais de 30 anos pode ser chamado carinhosamente de "tio(a)". É uma forma tanto de separação quanto de integração. A jovialidade do grupo é mantida, ao mesmo tempo em que se estabelece um "lugar" para o pessoal mais "maduro". Tive oportunidade de presenciar pela primeira vez o ritual de apresentação na chegada de um dos membros. Do mesmo modo que no chat, geralmente, costuma-se colocar uma mensagem de saudação aberta a todos quando se entra na sala. Ao chegar na reunião, o membro Escroto, passou a falar e cumprimentar a todos, um a um; as garotas com beijos e abraços e os homens com apertos de mão; mesmo os membros que ele não conhecia... inclusive eu. Notei que esta era uma prática mais ou menos comum a todos que iam chegando; às vezes com mais entusiasmo, às vezes menos; nem sempre com todos, mas com a maioria; porém, sem dúvida um ritual de aproximação que identifica o recém chegado como parte do grupo: reconhecendo os conhecidos e se apresentando aos desconhecidos ("Qual é seu nick?" ou "Quem é você?")... e daí se formando o vínculo de afinidade. Após a apresentação/introdução/penetração no grupo, assim como no chat, tende-se a haver um período de adaptação (entrosamento) para que o novo membro se familiarize com as pessoas e descubra aquelas com quem têm maior afinidade; permanecendo essas afinidades tanto no chat quanto no face-a-face. Ex.: Os Chaparrais, nas reuniões, na praia, nas festas, nas viagens, eles tendem a ficar juntos (partilhando as suas afinidades), mas estão sempre também falando e brincando com outras pessoas do grupo. No chat, quando membros do grupo entram, tendem a falar com todos os presentes (os outros membros e quaisquer eventuais conhecidos), mas, depois reduzem os interlocutores a aqueles com quem têm mais afinidades (mesmo que seja momentânea - partilharem algo naquele momento apenas). A melhor ilustração disso é a circulação entre interlocutores (no chat) e entre subgrupos (nas reuniões). Por mais que haja afinidades entre alguns, sempre se está em interação com outros; às vezes mais, às vezes menos; já pude testemunhar ocasiões em que, após os cumprimentos de chegada (tanto no chat, quanto nas reuniões) um membro passou todo tempo de sua presença na atualização (chat ou reunião) falando (ou teclando) com apenas uma pessoa. Então, aí já se realizou toda sua primeira adaptação.

Rituais formulados:

1- Conhecimento técnico: aprendizado pela convivência (chat e face-a-face). 2- Linguagem e vocabulário (os códigos): aprendizado pela convivência (chat e face-a-face). 3- Netiqueta (conhecer as convenções de convivência do grupo e respeitá-las para se ser aceito - aprendizado informal - pode-se errar e aprender pelo erro - outros podem ensinar) (a característica honestidade está contida aqui, mas basta coerência no comportamento). 4- Afinidades (pré-requisito para socialização) (só pode haver sociabilidade onde há símbolos semelhantes a serem trocados). 5- Ritual de Apresentação: depois de ter aprendido 1, 2 e 3, tem-se 4 com algumas pessoas no chat e daí basta a oportunidade (vontade, convite, etc.) para ir na reunião. Ao chegar na 1ª reunião, procura-se pessoas com quem já se tenha teclado através do nick; esta pessoa será uma espécie de guia/padrinho que ajudará a fazer o primeiro circuito de cumprimento/apresentação, passando por todos o membros/nicks presentes na reunião. E daí basta desenvolver o ritual 4 ao longo da reunião, das futuras reuniões e futuros chats, sempre seguindo 1, 2 e 3. 6- Ritual da Chegada (cumprimentos): é o ritual contínuo para quando se chega nas reuniões; fala-se com todos os que já estão presentes, fazendo-se um circuito completo. Normalmente se fala mais com as pessoas já conhecidas, mas também vai se apresentando aos que não se conhece ou lembra. 7- Ritual da Despedida: semelhante ao 6, somente que é na hora de partir da reunião. Os rituais correspondentes a 6 e 7 no chat podem se resumir a simplesmente colocar uma mensagem de chegada ou despedida, aberta, dirigida a todos: "Boa tarde, pessoal!"; "Até mais, galera!"... Como todos poderão ler a mensagem e a mesma não está dirigida a ninguém específico, interpreta-se como um cumprimento ou despedida coletivos. É claro que a pessoa pode fazer o mesmo particularmente para alguém com quem vinha teclando antes, ou simplesmente por vontade. O ritual 5 no chat é um pouco diferente, pois é completamente dependente de 4 (afinidades), a princípio: encontrar afinidades com pessoas do grupo para começar a se socializar e daí aprender os passos 2 e 3 (os códigos). Uma exemplificação sistemática de todos estes rituais seria menos interessante para a compreensão mais ampla da sociabilidade do grupo do que na forma de situações presentes nas descrições posteriores, como foi escolhido fazer.

Fluxos internos do grupo

Durante uma reunião o grupo aumenta consideravelmente, com o contigente fluindo de uns 7 a 10 membros para uns 30 a 35, por exemplo. No começo ocupando uma mesa e arredores (gente de pé) e mais tarde umas 4 ou 5 mesas, com seus subgrupos de conversas e com boa parte deles circulando de um lugar para o outro, em interações múltiplas e cruzadas. Os choques entre personalidades também fazia parte destes cruzamentos. Os nicks escolhidos pelos membros tentavam expressar, em grande parte, algo imaginado por eles próprios como parte de suas personalidades. O modo como isso interferia nas interações era tão variável quanto a variedade de nomes, pois desses choques se construíam as redes de relações que formavam a atualização do grupo (esta atualização). O inter-cruzamento de circuitos de interação dos membros se mostra bastante móvel. A agitação e a movimentação dos indivíduos presentes é constante, demonstrando um pouco da noção de impacto no espaço expresso por membros no chat, antes. A quantidade somada ao comportamento alegre realmente chamava a atenção em relação ao resto do ambiente. Soube mais tarde que essa era uma peculiaridade das reuniões de sexta-feira, pois eram mais pessoas e mais movimento. Posteriormente veremos que nas reuniões de quarta-feira (e também de sábado) o fluxo é bem menor, tanto em quantidade quanto em agitação. Numa reunião de quarta-feira havia três mesas ocupadas pelo pessoal do grupo. Realmente havia bem menos que na sexta-feira e estavam sentados e mais calmos. Numa mesa estavam 4 pessoas (3 homens e 1 mulher); em outra estavam os membros Meg, que lembrei logo da reunião anterior, Destino e Xandinha; sentei com eles. E ainda na terceira mesa ocupada estavam o casal: Bogobil e Sindy; depois eles se juntaram a nós; Bogobil até reclamou de eu não ter cumprimentado ele quando cheguei; eu disse que ele parecia "ocupado" e não quis atrapalhar. Nota-se a importância da renovação dos rituais de saudação que compõem o pertencimento afetivo ao grupo: espera-se que ao se chegar na reunião, deva-se saudar a todos os presentes (ritual de apresentação/chegada). Mais tarde, chegaram a ser 4 mesas ocupadas, sempre com grupos básicos sentados e membros variáveis indo de um núcleo a outro. Não sendo estas duas categorias de membros sempre os mesmos, sempre variando. Como nesta reunião de quarta-feira o contingente era menor, a formação de subgrupos era menos explícita, isto é, a fluência entre núcleos era maior, por isso o caráter mais unificado do grupo presente. O total de membros variou de nove (contagem na chegada) até 23 (o máximo). Fiz em campo uma lista baseada em médias extraídas de todas as reuniões freqüentadas e observadas por mim. Checando-se a hora de chegada e de saída dos membros mais assíduos na época da pesquisa e verificando o tempo médio de permanência de cada um. Verificamos também o tempo médio geral de todos estes e também notamos qual é o período de maior concentração de membros nas reuniões (neste caso, tanto de quarta quanto de sexta-feira, já que apesar da diferença de quantidades nos dois dias: máximo da quarta-feira - 27 membros; máximo da sexta-feira - 53 membros... o período de maior concentração é o mesmo devido às contingências físicas e temporais: shopping, depois de trabalho, trânsito, hora que shopping fecha, etc.). Notamos que a média de permanência de um membro numa reunião gira em torno de 2 horas. Obviamente que esta média é variável, pois existem situações particulares que sempre podem ocorrer durante a presença de cada membro. Situações em que um membro chega e sai rapidamente, pois tem um outro compromisso, mas deseja passar pelo encontro para cumprimentar o grupo. Ou situações em que um membro está no shopping desde cedo por alguma razão e por isso seu período de permanência ficou muito extenso. O que podemos ainda afirmar a partir destas médias é que o período que compreende as maiores concentrações de membros, tanto quarta quanto sexta-feira, é entre às 19:50 e 21:40; o que nos diz da saída da maioria de suas ocupações diárias (trabalho e/ou escola), do trânsito da cidade no horário entre 18 horas e 19:30 (quase sempre congestionado) e das diferentes disposições em ficar no grupo até um certo horário, se atualizando, mas depois se partindo para as reuniões de pares, ou de família, ou subgrupos, ou até mesmo sós... além do fato do shopping não demorar tanto a fechar.

Várias outras interações aconteceram de forma totalmente caótica aos primeiros olhos de pesquisador. Membros com quem teclei anteriormente vieram se apresentar também ao chegarem e um laço de referência se formou no momento. Muitas interações fluíam a partir das referências no chat. A complementaridade entre os espaços já começava a se mostrar. Mais tarde também, pude notar a estrutura de subgrupos (convergência de membros para diferentes afinidades: personalidades, comportamentos, gostos, etc.) em rede de trocas inter-cruzadas, sistematizando um pouco mais do caos aparente do grupo reunido. Os problemas técnicos e temas do chat (da Internet em geral) surgem constantemente como formas complementares de afinidade. Nesta reunião, a membro ^any^, assim como Marcelo-BA, mencionaram o meu "desaparecimento" do chat no dia anterior, e disso se gerou uma interação mais diversa, inclusive com outros membros também falando sobre esse tipo de assunto. As trocas entre membros podem ir desde memórias e brincadeiras sobre eventos passados até se "curtir" com um nick em especial de um membro (novo ou mais antigo). Situações ocorridas e partilhadas por membros são constantemente re-partilhadas na forma de material de troca simbólica. Um outro material simbólico de trocas constantes são os flertes e paqueras entre membros; em geral, com intenções puramente lúdicas e efêmeras, trocam-se frases e brincadeiras sugestivas a respeito de sexo e namoro; algo que parece estimular bastante a sociabilidade do grupo e que devemos lembrar que também gera frutos: os muitos casais presentes no grupo. O imaginário coletivo, já várias vezes citado, também é um constante material de troca no interior do grupo: filmes, novelas, desenhos animados, heróis, personagens, etc. do mundo contemporâneo preenchem muitas das trocas entre membros e ajudam a construir o pertencimento partilhado simbolicamente. Sobre este pertencimento, ainda; pode-se notar dentro do grupo situações freqüentes de membros com expressões tristes aparecendo nas reuniões, mas tendo seus semblantes mudados no decorrer das múltiplas interações, e isso ocorrendo porque algo puramente afetivo lhes está preenchendo naquele momento e isso é a noção de pertencimento que parece importar mais para os membros: ter pessoas com quem contar para partilhar os momentos alegres, construir momentos lúdicos, viver a sociabilidade dentro do complexo todo de suas vidas, mesmo que a aparência da mesma seja completamente fútil. O mesmo tipo de pertencimento interpretado por Midlej e Silva (1996) sobre os bailes funk em Salvador e por Vianna (1997) no Rio de Janeiro; puramente afetivo e efêmero, mas necessário aos seus indivíduos. Existem também dentro do grupo muitas afinidades inter-cruzadas: membros que moram no mesmo bairro, estudam na mesma escola, trabalham com o mesmo tipo de coisa, etc. Este tipo de afinidade estaria numa zona mais periférica do centro motivador da sociabilidade, pois já que muito do que é partilhado inicialmente não revela tudo sobre o membro/usuário. O que podemos acrescentar disto é que há sempre mais a ser trocado e partilhado nas redes de afinidades que compõem o grupo.

O reservado face-a-face

O reservado face-a-face tem dois aspectos: 1º) o que é visto: durante uma reunião, dois membros se afastam do grupo para ter uma conversa mais privada; as outras pessoas do grupo podem ver que os dois estão falando reservadamente; o 2º) aspecto é o do reservado não exposto, que é quando alguém do grupo marca um "reservado" (encontro, etc.) com alguém do grupo ou não, só que fora da reunião, em outro lugar. Os outros membros do grupo não têm como ver esse reservado; nem como saber sobre o mesmo. Essa prática contribui para o partilhamento cada vez mais elaborado de afinidades entre os membros do grupo; gerando subgrupos, casais, etc. E também sendo uma constante renovação dos mesmos pelas trocas inter-cruzadas, pois nem sempre o que foi feito/falado num reservado fica "reservado", passando a ser mais um material simbólico de troca (mais afinidades).

Toda sociabilidade do grupo se dá pelo partilhamento de referências; os códigos e símbolos partilhados são os mais visíveis, como no caso da peculiaridade lingüística em que não se deve falar palavras terminadas em "U", para se evitar a rima com "cu"; explicitando: todo "U" final deve ser trocado por "IVES"; exemplo: Aracaju se torna "Aracajives"; azul se torna "azives"; Curuzu se torna "curuzives"; Matatu se torna "matatives"; etc. Parece apenas uma infantilidade lúdica talvez, mas é uma forma fascinante de integração diante da possibilidade da galhofa geral do grupo, ou de partes dele, que tenha a oportunidade de ouvir tais "falhas" (dizer-se o "U") dentro do grupo. Outra coisa a ser notada no modo de interação do grupo, tanto na quarta quanto na sexta-feira, é o partilhamento das comidas. Geralmente cada um compra sua bebida, no entanto, quando alguém compra algum lanche ou tira-gosto e o leva para uma mesa onde estão outros membros, o normal é se dividir com os outros; principalmente batata frita, o lanche mais comum e mais barato no shopping. É mais uma forma de integração que ajuda a construir o pertencimento ao grupo. Um membro recém chegado é convidado a comer também; um partilhamento que sem dúvida aproxima, que é socializante. Piadas e brincadeiras de conotação sexual parecem muito fazer parte do círculo de humor picante presente na cultura dos jovens de Salvador (masculinos, principalmente...) e de várias classes sociais, mas principalmente média, que parece ser a grande maioria, que convive nos mesmos meios e aprendem as mesmas coisas. Ainda recordo da insistência de um membro em querer me "pegar" numa dessas piadas, quase que demonstrando irritação quando eu não era afetado ou mesmo entendia a piada. Faz parte da penetração não só no vocabulário do grupo, mas também nos significados simbólicos (e lúdicos) daquelas partículas bem particulares que formam a sociabilidade do grupo. É para que servem todos os rituais de passagem: a dominação dos códigos e a compreensão de seus usos e transformações de significados simbólicos, através do convívio e do aprendizado.

Podemos deduzir um centro motivador para a formação do grupo e para a sua sociabilidade específica. Minha afirmação diante da experiência realizada seria que a necessidade de preenchimento (ou pertencimento), que complementa a existência cotidiana, mas também se tornando uma parte integrante do cotidiano, é este centro. Um acessório afetivo, mas que se torna uma "necessidade". Como no caso do membro BadWolf que disse que para ele foi uma coisa necessária procurar gente para se relacionar, pois ele estava preso num trabalho 10 horas por dia, só com mais duas pessoas presentes; um tipo de "encastelamento", que precisava ser superado, pelo menos simbolicamente; libertar a mente: "sair de onde está, pelo menos simbolicamente, assim se preenchendo..." e "ir na reunião complementa este preenchimento, pois dá um propósito, algo para fazer após as obrigações cotidianas cumpridas..." Sem dúvida, o depoimento dele é apenas uma possibilidade dentre muitas, mas nos faz compreender a natureza das motivações que compõem o nosso universo de interações: o grupo Galera ZAZ.

Sobre os nicks

As membros Cat e Meg sempre me reclamaram por escrever seus nomes como se fossem nomes próprios comuns. As formas como elas próprias os escrevem é: Cat^:^ e meg®, respectivamente. Eu os transformo em nomes próprios para a mais fácil identificação como pessoas do grupo. No entanto, parece que os membros (e provavelmente outros usuários) realmente valorizam os seus nicks como seus e passam a ser uma apresentação tão forte quanto a própria interpretação do nome de família. Fazendo auto análise do uso do meu nick (peskisador, só não é pesquisador porque não coube no espaço lá do chat do Terra/ZAZ para o nick), penso que assumo esta postura de estar fazendo uma pesquisa dentro do grupo, pois assim não tenho que me envolver realmente com ninguém, mantendo a distância que normalmente mantenho das pessoas; além de parecer ter um tom austero e sério que acho que combina comigo. A escolha do nick tem muitas vezes haver com algo que o indivíduo acha que existe nele ou sobre ele que o mesmo gostaria de exaltar: Escroto, Piveta, Anjinho, Maluco, Elétrika... Ou então tem haver com algo que se queira esconder, chamando a atenção para outro ponto, acredito que em geral coisas do imaginário coletivo contemporâneo: Destino, GoldenEye... nomes da ficção (cinema, etc.). O próprio Destino me disse em outra ocasião que as escolhas dos nicks tem muito haver com isso: expor algo e esconder algo; e ainda: querer ser alguma coisa, mesmo que seja apenas a afirmação de si mesmo usando o próprio nome ou variação do mesmo: Marla35, Meg, Marcelo-BA, etc.

Os subgrupos

Esta categoria dos subgrupos dentro do grupo Galera ZAZ que vem sendo constantemente abordada ficará melhor entendida a partir de dois pontos de vista. O primeiro seria o das possíveis afirmações de identidades dentro do grupo, isto é, núcleos afinitários de membros que passam a se diferenciar do grupo geral; mas ainda fazendo parte do mesmo, dentro das redes de afinidades. O melhor (e por enquanto o único) exemplo deste primeiro tipo de subgrupo são os Chaparrais. O segundo tipo seriam os núcleos afinitários cujas afinidades partilhadas entre si não os diferenciam do grupo geral; apenas provocam, no momento, uma espécie de relevo em relação ao todo devido à concentrações momentâneas, em geral, de uma maior quantidade de afinidades partilhadas. Os exemplos deste segundo tipo são mais variados; podendo ainda serem divididos em duas outras classificações: ocasionais e cumulativos. Os ocasionais seriam todo tipo de núcleo convergente de membros que ocorrem durante as atualizações do grupo: 4 membros que durante uma reunião quase inteira ficaram sentados juntos, conversando (partilhando códigos/afinidades) sobre coisas do seu interesse (Ex.: futebol, cinema, mulheres, homens, etc.). E os cumulativos seriam aqueles que chegam a formular um nome e até uma continuidade do núcleo, no entanto não estão num nível de afinidade (ainda), que sustente quaisquer tentativas de afirmação de identidade, como os Chaparrais. Durante o recorte sincrônico desta etnografia, só havia um subgrupo que se enquadrava nesta classificação: A Máfia, onde os membros do mesmo fluíam constantemente dentro do grupo geral, raramente se concentrando em si mesmos, e transparecendo muito mais a denominação específica (quase uma diferença aparente) no chat, pois muitas vezes eles colocam o complemento "máfia" junto ao nick normal do membro. Uma outra categoria de subgrupo ainda pode ser extraída a partir destas duas: os casais. Por um lado são núcleos de membros que partilham afinidades suficientes para se diferenciarem do grupo geral: ser um casal. Por outro lado estes membros permanecem no fluxo do grupo sem uma afirmação contínua de sua (talvez passageira) diferença. Enfim, os subgrupos são uma categoria importante na compreensão da dinâmica de sociabilidade do grupo Galera ZAZ e seus processos de identificação, possível identidade e de inter-afinidades. Eles são mais um aspecto peculiar do grupo, mas ainda assim dentro de uma rede de interações e afinidades que também está presente nos processos de sociabilidade contemporânea.

Atualizações extras

Complementar com as reuniões freqüentes de quarta-feira e sexta-feira, existem atualizações extras que também contribuem para a construção da sociabilidade específica do grupo Galera ZAZ. O membro Bogobil me contou sobre uma festa do grupo na casa de Saulo, por exemplo, que começou na sexta-feira e só terminou no domingo (72 horas de festa, ele disse) e disse que havia um computador na casa que ficou 72 horas conectado a Internet. Ele até brincou com relação ao valor da conta de telefone que os pais do Saulo teriam de pagar. Tal evento seria um tipo de forma de construção de sociabilidade complementar, que envolve o espaço de interação do shopping, de onde eles começaram; daí a casa de um dos membros, que serviu de outro espaço de interação (lúdica), provavelmente para uma parcela menor do grupo, e finalmente o uso/presença no espaço da Internet durante a festa, que podia trazer à presença da atualização face-a-face o espaço de interação mediado pela Internet, numa diversidade de tipos de atualização cuja visualização depende muito mais da interpretação possível que se dá a "presença" de um membro face-a-face ou não. Tudo com o intuito de construir a noção de pertencimento (afetivo e lúdico). Existem ainda a se mencionar as reuniões de sábado (já praticamente extintas) para a qual convergiam poucos membros do grupo durante o período da pesquisa. A reunião de sábado é mais para o pessoal que não pode realmente ir em dia de semana; o que não são muitos ou não têm sido muitos. Um membro disse que achava que as reuniões de sábado eram, também, para quem só tinha "aquilo" (o grupo) para ir, para preencher o tempo; pois que muita gente tem namorado(a)s que encontra no sábado, etc. O número reduzido de membros numa reunião (total nove) demonstra que são poucos nesta situação possível. A reunião de sábado fica sendo, então, uma espécie de extensão pouco conhecida do grupo; um apêndice; algo pouco utilizado, quase não visto, mas que está lá, pelo menos por enquanto. Porém, de qualquer modo, através das trocas dentro do grupo, as redes de afinidades dos membros tendem a se expandir, pois cada um tem a possibilidade de levar outros para outros círculos de sociabilidade. Enfim, há sempre possibilidades de trocas inter-afinitárias. Sobre a reunião de sábado temos então que os rituais são semelhantes, mas reduzidos. A chegada é igual, mas mais curta, pois há menos pessoas. A partida também é a mesma, só que igualmente mais curta. As inter-afinidades também são iguais, só que não tão visíveis quanto na sexta-feira: as trocas e mudanças de subgrupos ocorrem pela mudança de direção de cabeças, rostos, vozes e assuntos. Dificilmente deve ocorrer o ritual da apresentação (e do apadrinhamento na mesma), já que as pessoas que vão pela primeira vez, geralmente vão na reunião de sexta-feira e daí vão descobrindo as de quarta e de sábado. O material simbólico das trocas é basicamente o mesmo, só que em menos quantidade: coisas ocorridas dentro do grupo, etc., ou até coisas pessoais de cada um. As atualizações do grupo Galera ZAZ, mais especificamente de porções momentâneas do mesmo, além das reuniões de 4ª, 6ª e sábado têm um importante papel na construção complementar da compreensão da sua sociabilidade, como no exemplo da festa que vimos acima. Essas atualizações extras (praia, viagens, etc.) servem tanto para fortalecer afinidades quanto para criar novas, ao mesmo tempo em que novos símbolos são partilhados em diferentes espaços, contribuindo assim para uma maior fluência da noção interna de grupo, ampliando suas redes de interações e sua memória afetiva.

* * *

Podemos considerar a característica efemeridade como relacionada aos indivíduos do grupo, mas não tanto relacionada à noção e à existência do grupo em si. As motivações para o grupo são afetivas e estéticas, mas toda simbologia que os une vai além do afetivo, mesmo que esse seja o centro motivador. A vivacidade de um grupo que está num contexto múltiplo e efêmero por quase 2 anos vem da sua contínua renovação. Por isso, os indivíduos (os membros) podem até ser efêmeros ou não (os membros fluem), mas o grupo, até onde se pode ver é sólido e duradouro; especialmente em sua ocupação dos espaços de interação regulares (chat e shopping). Esta durabilidade é estimulada também pelo caráter cíclico dos rituais já descritos, que mesmo com a constante renovação eles se mantêm... (Podemos considerar que este argumento teria uma maior grau de validade, caso o grupo Galera ZAZ continuasse a ser pesquisado nos próximos anos. Por isso, aqui, esta é uma abdução de possibilidade de continuação do grupo. Uma hipótese provisória que só deixaria de ser verdadeira se/quando o grupo deixar completamente de existir.) A sociabilidade do grupo (as trocas) são baseadas nas diversas afinidades (mais momentâneas ou mais fixas) e que são inter-complementadas pelos dois tipos diferentes de atualização (chat e face-a-face), com suas características específicas de espaços de interação: diferentes formas de apresentação de Eus, auto expressividade, observação das convenções, aprendizado de rituais e códigos, etc. Os atritos e desafinidades também fazem parte da dinâmica da sociabilidade. Para o grupo permanecer, subgrupos se aproximam e se afastam; logo, atrito e desafinidade geram trocas em outras direções dentro do grupo, que sempre se renova. Provavelmente, se as pessoas tivessem de sempre interagir com os mesmos membros, inclusive com aqueles que têm desafinidades, o grupo já teria deixado de existir ou teria um outro perfil, mais fechado, como o do grupo formado a partir do provedor UOL, já mencionado. Os próprios membros do grupo Galera ZAZ afirmam (acreditam) que este é o único grupo com este perfil de constante renovação. Diferentes gerações de membros estão sempre se encontrando e partilhando novas afinidades, tanto no chat quanto no face-a-face e isso faz parte do perfil do grupo; com novos membros, velhos membros voltando, membros mais constantes, membros distantes, etc.


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