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Em nome de Deus, o Clemente, o Misericordioso

 

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A QUESTÃO DA PALESTINA

 

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Quando os hebreus chegaram à região da Palestina, por volta do ano 2.000 a.C., ali já viviam os filisteus, ancestrais dos árabes. Com a decadência dos reinos de Judá e Israel, as populações locais foram dominadas sucessivamente por assírios, caldeus, persas, gregos e romanos. No início da era cristã, os judeus foram derrotados pelos romanos, iniciando-se a Diáspora Judaica. No século VII,    com o surgimento do Islam, as populações locais foram islamizadas e quando os turcos otomanos chegaram, toda a região da Palestina já se encontrava sob o domínio dos muçulmanos que controlavam inclusive os lugares sagrados, Meca e Medina em Hijaz (Península Arábica), e Jerusalém e Hebron, na Palestina. Com o fim do Império Otomano, no final da I Guerra Mundial, a Inglaterra obteve da Liga das Nações um mandato para administrar a Palestina e o Iraque.

Apesar de espalhados pelo mundo, os judeus jamais perderam a esperança de voltar à Terra Prometida. Esta possibilidade começou a se materializar com o surgimento do sionismo, um movimento criado por Theodor Hezl, no final do século XIX e que pregava o retorno ao Sion, nome bíblico de Canaã, a Terra Prometida. Em 1917, Lord Balfour, o secretário inglês para Assuntos Estrangeiros, fez publicar a Declaração Balfour, em que apoiava a imigração de judeus para a Palestina e o estabelecimento de um "lar nacional para o povo judeu" na região, afirmando que "nada será feito que possa prejudicar os direitos civis e religiosos das comunidades não judaicas existentes" - numa referência aos árabes, que, então, representavam 92% da população.

A carta foi publicada no The Times de Londres e dizia:

"Prezado Lord Rothschild,

Tenho muito prazer em transmitir-lhe, em nome do governo de Sua Majestade, a seguinte declaração de simpatia com as aspirações sionistas que foram apresentadas ao Gabinete e aprovadas por ele: 'O Governo de Sua Majestade vê com simpatia o estabelecimento na Palestina de um lar nacional para o povo judeu e envidará seus melhores esforços para facilitar a conquista desse objetivos, ficando claramente entendido que nada será feito que possa prejudicar os direitos religiosos e civis das comunidades não judaicas existentes na Palestina ou os direitos e condições políticas usufruídas pelos judeus em qualquer outro país.' Agracederia que você levasse essa declaração ao conhecimento da Federação Sionista.

Atenciosamente

Arthur James Balfour"

Em seu livro intitulado   "The Question of Palestine", o famoso escritor palestino, Edward Said, definiu a importância dessa declaração da seguinte maneira:

"O que é importante a respeito da declaração é que, em primeiro lugar, durante muito tempo ela foi a base legal para as reivindicações sionistas em relação à Palestina e, em segundo lugar, e mais importante para os nossos objetivos aqui, que foi uma declaração cuja força só pode ser avaliada quando as realidades demográfica e humana da Palestina ficaram claras na mente. Isto é, a declaração foi feita  (a) por um poder europeu, (b) a respeito de um território não-europeu, (c) num claro desrespeito à presença e aos desejos da população nativa residente no território e (d) tomou a forma de uma promessa sobre este mesmo território por um outro grupo estrangeiro, a fim de que esse grupo estrangeiro pudesse, literalmente, fazer desse território uma nação para o povo judeu."

A "Declaração Balfour" foi interpretada pelos líderes sionistas como um apoio à criação de um estado judeu soberano e tornou-se a base do apoio internacional  para a formação do moderno estado de Israel. Nas décadas que se seguiram, dezenas de milhares de judeus fixaram-se na Palestina, em sua maioria oriundos da Europa, movidos pelo ideal do sionismo. O estímulo sionista à imigração judaica, as vacilações britânicas para contê-las e a perseguição nazista fizeram aumentar o número de judeus na Palestina, criando áreas de tensão com a população árabe local.

No período de 1928 a 1949, com uma pausa durante a II Guerrsa, o movimento imigratório de judeus europeus se intensificou, alterando profundamente a estrutura da população da Palestina. Em 1922, os judeus representavam 11% da população, e em 1949 eram mais de 30%. Cerca de 20% da terra cultivada pertenciam a um Fundo Nacional Judaico, em nome do povo judeu.

A política do governo inglês foi a de manter sob controle direto a imigração, favorecendo o desenvolvimento econômico da comunidade judaica, o que beneficiou mais aos sionistas do que aos árabes. Em meados dos anos 30, com a chegada dos nazistas na Alemanha, aumentou a pressão da comunidade judaica sobre a Inglaterra para ampliar os limites de imigração, o que acarretou forte oposição nos países árabes vizinhos, com reflexos nas relações entre Inglaterra e aqueles países. A eclosão da II Guerra Mundial manteve o problema em suspenso, e a imigração de judeus para a Palestina foi praticamente interrompida.

Ao final da guerra, foi criada a Liga Árabe que, entre seus objetivos, tinha a defesa da causa palestina. Os judeus europeus, traumatizados com os massacres nazistas, sentiam a necessidade de criar um estado. A Inglaterra tinha consciência de que a criação desse estado na Palestina encontraria forte objeção por parte dos árabes. Estados Unidos, que emergiam da guerra como uma nova potência e sob a pressão do sionismo, usaram de sua influência em favor da causa sionista, que se resumia na criação de um estado judeu e na imigração de um contingente maior de judeus.

Em 1947, a Inglaterra decidiu submeter a questão às Nações Unidas, que aprovou a partilha da Palestina entre árabes e judeus. Com a aprovação do plano pela Assembléia Geral da ONU, em 14 de maio de 1948, a Inglaterra se retirou da Palestina e os judeus proclamaram o Estado de Israel, que foi imediatamente reconhecido pelos EUA e Rússia. Os árabes da Palestina e dos vizinhos, Egito, Jordânia, Iraque, Síria e Líbano, inconformados com a decisão, declararam guerra ao recém criado Estado de Israel.

Com a vitória de Israel em 1949, novas fronteiras foram estabelecidas. Cerca de 75% da Palestina foi incluída dentro das fronteiras de Israel; uma faixa de terra ao sul, que ia de Gaza até a fronteira com o Egito ficou sob controle do Egito; o restante do território foi anexado pelo reino hashemita da Jordânia. Jerusalém foi dividida entre Israel e Jordânia. O estado árabe-palestino deixou de existir. Quase 2/3 da população árabe deixou suas casas e tornou-se refugiada. Centenas de milhares de palestinos emigraram para os estados árabes, nos quais passararam a viver em acampamentos precários e os que permaneceram, ficaram na condição de refugiados em sua própria pátria. Jerusalém, dividida entre cristãos, judeus, e muçulmanos, tornou-se pólo de conflitos que se estendem até os dias atuais.

Os conflitos tornaram-se endêmicos e a guerra eclodiu mais  de uma vez, em 1956, 1967 e 1973, sendo a mais importante a Guerra dos Seis Dias, em 1967, quando Israel incorporou a península do Sinai e a Faixa de Gaza, a Cisjordânia e o território sírio das Colinas do Golã e intensificou sua política de construção de assentamentos para colonos judeus imigrantes. Quanto aos cidadãos árabes de Israel, embora usufruíssem de direitos políticos, eram considerados cidadãos de segunda classe, não pertencendo à comunidade que se estava formando.

Por esta época, uma nova geração de palestinos crescia no exílio, principalmente no Cairo e em Beirute. Aos poucos, surgiram vários movimentos políticos, sendo o mais importante o Fatah, uma organização guerrilheira criada por Yasser Arafat, que se pretendia completamente independente dos regimes árabes, cujos interesses não fossem os mesmos dos palestinos e que pregava um confronto militar com Israel. Em 1964, com o apoio dos países árabes, foi fundada em Jerusalém a Organização para a Libertação da Palestina (OLP), sob controle do Egito, constituída a partir do Fatah e que passou a ser presidida por Yasser Arafat. A OLP era composta basicamente de membros dos exércitos do Egito, Síria, Jordânia e Iraque. O Fatah começou a agir dentro de Israel. A população israelense continuava a crescer por força da imigração. Em 1967, do total de 2.3 milhões de habitantes, os árabes representavam 13%. A economia crescera em razão da ajuda americana e por causa da contribuição financeira de judeus do mundo inteiro e também por causa das reparações de guerra da Alemanha. Israel sabia que era mais forte militar e politicamente do que seus vizinhos árabes. Diante das ameaças de ambos os lados, israelenses e árabes se enfrentaram novamente e os israelenses vitoriosos ocuparam o Sinai, Jerusalém, a parte palestina da Jordânia e parte do sul da Síria (as colinas do Golan) antes do cessar-fogo acordado com a ONU.

A guerra de 1967 foi o ponto decisivo. A conquista de Jerusalém e o fato de que os lugares sagrados para muçulmanos e cristãos estavam agora sob controle israelense trouxe uma outra dimensão para a crise. A guerra mudou o equilíbrio de forças no Oriente Médio. Estava claro que Israel era mais forte militarmente do que qualquer aliança entre estados árabes e isso mudou a relação de cada um deles com o mundo exterior. Para os árabes foi uma derrota e para os palestinos representou uma nova leva de refugiados. Nos anos seguintes o mundo ignoraria a situação dos palestinos até que, em 1974, Yasser Arafat foi, pela primeira vez a ONU, formalizando,  assim, a representação política do povo palestino.

A fim de harmonizar o conflito, foram baixadas numerosas resoluções por parte das Nações Unidas, conclamando à paz, ao retorno dos refugiados às suas casas, à retirada dos israelenses dos territórios ocupados e ao estabelecimento de fronteiras permanentes, nenhuma delas acatadas por Israel.

Em março de 1979, Egito e Israel assinaram um tratado em separado, do qual os Estados Unidos foram signatários. Embora tenha levado a uma melhora nas relações entre egípcios e israelenses, que resultou na evacuação de alguns territórios egípcios ocupados e na abertura do Canal de Suez para os navios de Israel, no entanto este tratado nada fez para efetivar uma retirada das forças de ocupação israelenses de Jerusalém oriental, da Margem Ocidental e das colinas do Golan, na Síria, e, principalmente,  deixou intocada a raiz do problema - a condição dos palestinos. Na verdade, o tratado resultou no recrudescimento da tensão no Oriente Médio, que se manifestou por um  aumento da intransigência israelense nos territórios ocupados e no isolamento do Egito do resto do mundo árabe.

Em 1987, um caminhão militar israelense atropelou e matou 4 palestinos na Faixa de Gaza. Este incidente foi o estopim para o início dos combates entre jovens palestinos e as tropas de ocupação israelense. A revolta, conhecida como a Revolta das Pedras (intifada) durou 6 anos, resultando em muitas mortes e um profundo desgaste para Israel, pois eram jovens e crianças enfrentando com paus e pedras as armas sofisticadas dos soldados israelenses. A Intifada foi a primeira manifestação dentro dos territórios ocupados a abalar de forma duradoura a rotina da ocupação israelense, iniciada em 1967.

Em 1991, realizou-se em Madri a Conferência Internacional de Paz, marco inicial das conversações diretas entre Israel e os países árabes. Em 1993, os dois lados firmaram em Washington um acordo de paz que previa a extensão da autonomia dos palestinos na Cisjordânia, com a retirada das tropas israelenses.  Em 1995, Israel e OLP firmaram um novo acordo, desta vez com a extensão da autonomia a quase toda a Cisjordânia, sem dúvida um passo importante para o surgimento de um estado palestino, mas que se torna irrelevante enquanto Israel detiver o monopólio do uso da força nos territórios ocupados.

Desde o ano passado, Yasser Arafat e Ehud Barak já se encontraram diversas vezes mas sem chegaram a um acordo possível sobre as duas questões fundamentais para os palestinos: Jerusalém e o direito de retorno. Israel simplesmente perderia seu caráter sionista se Jerusalém, unificada e em sua forma ampliada, deixasse de ser sua capital. As circunstâncias pelas quais os israelenses poderiam pensar em abandonar essa reivindicação ainda não foram criadas e portanto não há o que ceder. Por outro lado, a Autoridade Palestina de Yasser Arafat estaria cometendo suicídio político se cedesse nos direitos de palestinos árabes e muçulmanos à cidade sagrada e no direito de retorno dos refugiados.

A visita de Ariel Sharon no dia 28 de setembro passado à Esplanada das Mesquitas detonou uma nova crise que já está sendo chamada de a segunda intifada e que já se anunciava de há muito tempo e cujas consequências agora são imprevisíveis.

Quem quer que visite a Faixa de Gaza, pode perceber as razões para o descontentamento dos palestinos. Com uma população de mais de 1 milhão de habitantes, a Faixa de Gaza, chamada de "Soweto de Israel" (referência ao gueto da África do Sul), não é um estado e não foi anexada a Israel.

As forças de defesa de Israel controlam toda a fronteira. Mesmo com a recente abertura de uma passagem especial de Gaza para a Cisjordânia, se os moradores de Gaza quiserem sair dessa área, precisam obter uma permissão dos israelenses. Muitas palestinos - nascidos a partir de 1967 - nunca sairam da faixa, uma tripa de terra situada entre o deserto de Negev e o mar Mediterrâneo, que mede 46 km de de comprimento e 10 km de largura, aproximadamente.

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Territórios ocupados por Israel desde junho de 1967

Algumas das piores condições de vida estão no Acampamento de Dehaishem, visitado pelo papa João Paulo II no início deste ano. Segundo o New York Times, "Quase 10.000 refugiados palestinos, quase todos muçulmanos, vivem em menos de 1 milha quadrada de terra, amontoados em barracos que formam becos salpicados de sucata de carros velhos, velhas bobinas de fio e lixo. Eles são refugiados há 52 anos, e muitos deles ainda guardam as chaves de suas casas que foram forçados a abandonar, na luta que se seguiu á criação de Israel."

Apesar de todos os encontros que se realizam desde 1991, continuam sem solução questões como o status de Jerusalém, reivindicada como capital tanto por judeus como por palestinos, e a questão da diáspora palestina. A grande maioria dos 5 milhões de palestinos vive dispersa pelos países árabes em terríveis condições de vida ou em territórios ocupados por Israel na condição de refugiados em sua própria pátria. E subsiste o ódio, alimentado por décadas de violência, que se expressa em atos terroristas de ambos os lados, como no caso do assassinato do líder israelense Yitzhak Rabin, praticado por um judeu de extrema direita, indignado com a perspectiva de um acordo que pudesse vir a reconhecer direitos mínimos aos palestinos.

Para nós, espectadores do conflito ficam algumas interrogações. A segunda intifada coloca em cena novas forças e tendências que desafiam cada vez mais o statu quo. Novas lideranças estão surgindo e questionam a legitimidade de negociadores, representantes e mediadores do processo de paz. O presidente Clinton em final de mandato, Iasser Arafat sobre quem pesam fortes suspeitas de corrupção e desvio de dinheiro proveniente de ajuda internacional, Ehud Barak, manietado pela ala mais radical da direita israelense, que não tem interesse em ver o país dividido com os palestinos.

Por outro lado, a responsabilidade pela tragédia do povo palestino não pode ser  creditada única e exclusivamente ao sionismo.  Na verdade, os países árabes  jamais chegaram a um acordo quanto à forma de atuação em relação a Israel, desde a aprovação do plano de partilha da Palestina. A última reunião de cúpula da Liga Árabe, realizada em Sharm-al-shair, em outubro último, revelou as enormes contradições internas na busca de uma solução unificada para a Palestina.

O poder das famílias tradicionais dos países árabes também já não consegue mais conter a revolta que vem das populações que anseiam por liberdade e independência e exigem uma retomada do compromisso de defesa da causa palestina, compromisso esse assumido por ocasião da criação da Liga Árabe.  O que se espera é que a solução que venha a ser encontrada não seja excludente do povo palestino, que já perdeu tudo o que podia e o que tinha a perder.

 

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