O Historiador aponta idéias, elege as palavras e estabelece princípios baseando-se nos clássicos. Ao decidir sobre conselhos e advertências, deve apoiar-se nos sábios. Depois disto, seus juízos e críticas serão brilhantes e corretos, escapando da falsidade e da imprecisão. Assim, o estilo dos Anais e dos comentários nasce de tecer e bordar sucessos; seu texto não é um discurso trivial pois que escreve sobre eventos ocorridos.

Mas se passaram muitos anos e é difícil distinguir o que é idêntico e o que difere da realidade atual; quando os acontecimentos se amontoam é fácil confundir origem e fim. Precisamente esta é a dificuldade de lograr uma síntese. Às vezes há um só fato cujo mérito se reparte entre várias pessoas; se ele for registrado duas vezes, cairá na redundância; mas se for registrado apenas uma, sofrerá de falta de precisão. Assim, não é fácil pesá-los e uni-los.[...] Ao referir-se as gerações antigas e longínquas, quanto mais distantes estiverem, maior será a inexatidão dos estudos. Gongyang Gao disse; "as notícias se transmitem usando linguagens diferentes"; Xun Kuang comentou; "ao registrar o antigo, omitimos nossa atualidade". [...]

De fato, em caso de dúvida mais vale ficar quieto; é mais valioso ser fiel a História. No entanto, as pessoas ignorantes gostam do que é estranho e não se preocupa com a razão dos acontecimentos. Ao transmitir o que se ouviu, tende-se a falseá-lo, e ao registrar o distante desejam detalhar-lhe o máximo. Assim, abandonam o comum em busca do extraordinário, e inventam para apoiar seus argumentos. Os que as velhas histórias não tem, recorre-se aos "livros que eu li". Esta é uma fonte de mentiras e exageros; constitui-se na verdadeira sina dos escritos sobre o passado.

Ao escrever sobre o passado se induz ao erro; ao registrar-se o presente, distorce-se a realidade [...] Analisar a razão e dar refúgio a verdade, somente um coração sincero pode intentar fazê-lo. [...] O bom historiador usa seu pincel para apontar e criticar os vícios excessos, como o campesino quer ver uma má erva arrancada. Esta é uma regra para Dez Mil gerações. É a técnica para desembaraçar um emaranhado de fontes, esmerar-se em dar importância ao acontecimento e abandonar o estranho, compreender a ordem do começo e do fim, e valorizar os princípios que regem os acontecimentos. Se foram compreendidas estas grandes linhas, se poderá penetrar em todas as razões.

Assim, a tarefa do historiador é falar sobre todos os aspectos de uma época histórica, abordar tudo que acontece entre os quatro Mares. Sobre seus ombros cai a responsabilidade de decidir o que é falso e verdadeiro. Nenhuma outra tarefa é tão laboriosa quanto a dos que manejam o pincel. Sima Qian e Bangu abriram caminho, mas as gerações posteriores os criticaram. Se nos deixarmos levar pelos sentimentos e perdermos de vista o que é correto, a literatura histórica correrá perigo.

Do Wenxin Diaolong (Séc. VI d.C.), de Liu Xie