Capítulo 11: O Caminho Mais Escuro

            Os olhos de Ryu se abriram quando ele sentiu uma gota d'água acertá-lo no rosto. O céu estava escuro, coberto por nuvens quase negras, exceto pelos ocasionais relêmpagos, que traçavam caminhos de luz no cinza-escuro da manhã.
            Akai saltou de cima da árvore, tocando o chão um pouco à esquerda da cabeça de Ken. Ela parecia um pouco cansada, mas isso era de se esperar: ela pegou o último turno, e já devia estar com um pouco de sono.
            A garoa rapidamente se tornou um chuva grossa, e Ken acordou, já molhado dos pés à cabeça. Ele se ergueu, sem reclamar, e viu que os seus dois companheiros estavam tão molhados quanto ele próprio.
            - Belo dia. - o Kishi dos Ventos comentou secamente.
            - Um pouco úmido pro meu gosto. - Akai observou, abrindo a sua mão, com a palma voltada para cima. Um pouco de água se acumulou ali, até que a ruiva cerrou o punho, criando gotas que se misturaram aos pingos de chuva.
            - Nós temos que recuperar o Ginzuishou. - Ryu falou, sem dar atenção aos comentários de seus companheiros.
            - Um pouco apressado, não acha? - Ken perguntou. - Foi essa mesma pressa que nos colocou nas mãos dos youmas.
            Ryu voltou-se para Ken, e o Kishi da Terra se surpreendeu com a falta de emoção nos olhos escarlates do seu amigo.
            - Nós não vamos conseguir nos esconder por mais que isso.
            Dito isso, o Dragon Kishi da Lua deu as costas para Ken e Akai, e começou a caminhar em direção à saída do parque. Ele não parecia apressado, mas seus passos ainda eram rápidos. Imediatamente, a Kishi de Marte seguiu Ryu, e Ken fez o mesmo, após um instante de dúvida.
            Os três caminharam em silêncio até os portões de metal que delimitavam o parque. Poças d'água mal tinham se formado nas ruas, uma vez que fazia pouco tempo que começara a chover. Ainda assim, a visibilidade estava bem limitada pela tempestade.
            - Quais são seus planos, Ryu? - Ken perguntou, lançando um olhar cauteloso ao seu redor.
            - Invadir o castelo e pegar o Ginzuishou. - foi a resposta.
            - Como, Ryu? Não é tão simples assim. - Akai perguntou, irritada. O temperamento dela, também, tinha mudado desde que os três se libertaram do castelo youma.
            Ryu ignorou a pergunta, ainda caminhando na direção da enorme construção negra que ocupava o lugar da Juuban High School. De tempos em tempos, ele descansava sua mão direita sobre a guarda da sua katana, ainda sem deixar qualquer emoção transparecer em seu rosto.

            ****

            Lethe manteve seus olhos fixos na enorme janela de sua sala, observando, sem pensar muito, enquanto as gotas de chuva colidiam com o cristal transparente à sua frente. Os prédios que ocupavam seu campo de visão eram, na sua mais sincera opinião, horríveis. Os campos verdes e as vastas florestas que ocuparam a Terra vinte mil anos antes teriam sido vistas muito mais agradáveis. Ainda assim, não havia nada a fazer. Ainda.
            Ou melhor, quase nada.
            Os três Inner Dragon Kishi sobreviventes ainda estavam no Japão. Ela sabia que Silver nunca teria deixado algo tão importante quanto o Ginzuishou para trás, e que sua nova encarnação, Ryu, teria uma atitude similar.            Lethe voltou suas costas para a janela de vidro, caminhando até seu trono, e acariciando-o suavemente. Seus pensamentos, porém, não estavam realmente focados nas suas ações. Dark Angel estaria visitando em poucas horas, e isso não era exatamente uma boa notícia.
            Com um movimento brusco, ela começou a caminhar em direção à porta. Simultaneamente, uma trovoada ecoou pela cidade de Tóquio. O som dos saltos dos sapatos de Lethe contra o chão de mármore eram secos, e eram um forte contraste ao silêncio que cobria todo o lugar.
            A porta se abriu antes mesmo de Lethe chegar a dois metros dela, e os dois youmas que montavam guarda do lado de fora da "sala do trono" voltaram-se para sua líder, atentos às suas ordens.
            - Eu quero cinco dos nossos melhores youmas procurando os Dragon Kishi. - ela falou.
            Um dos guardas curvou-se, e afastou-se com um caminhar seguro, provavelmente para transmitir as ordens de Lethe. Ela, por sua vez, retornou para dentro da sua sala, novamente fixando seus olhos na enorme janela que ocupava uma parede inteira. As gotas de chuva caindo providenciavam-na com uma visão relaxante, tão inconstante quanto as visões do futuro que ela passara a ter tempo antes, mas, ainda assim, mais sólida que elas.
            - Lethe-sama? - o youma que fora carregar a mensagem de Lethe chamou.
            Ela voltou-se para ele.
            - Cinco youmas foram enviados, como ordenou.
            - Muito bem. - Lethe falou. - Dark Angel virá em breve. Deixe-me até lá.
            O youma se curvou, e saiu.
            Lethe caminhou até seu trono, e sentou-se. Ela cruzou as pernas, e fechou os olhos, deixando-se relaxar pela primeira vez em toda semana. Os Dragon Kishi estariam mortos em pouco tempo, e, depois, seria apenas uma questão de tempo até o Dead Zone se desfazer. E esperar não a incomodava tanto... ela tinha certa prática nisso.

            ****

            - Ryu, isso é perigoso. - Ken falou, não pela primeira vez. O líder dos Dragon Kishi ignorou, novamente, o aviso.
            Os três últimos Inner Dragon Kishi estavam caminhando pelas ruas desertas de Tóquio em direção à enorme construção erguida pelos youmas que invadiram a cidade. Enquanto caminhar por uma cidade em ruínas até o covil dos vilões não era algo novo para os três, especialmente porque eles fizeram isso várias vezes antes de alcançarem o coração do império de Garot, Ken achava que eles estavam repetindo o mesmo erro que resultou na captura deles dias antes.
            A chuva não tinha diminuído, nem dava sinais de que iria no futuro próximo. A impressão de que alguém os observava os acompanhava eternamente. Ainda assim, Ken apenas reclamaria das ruas vazias da cidade: ele teve a chance de ver Tóquio em plena forma poucos dias antes, e o contraste entre a vida movimentada de antes e o absoluto vazio daquele momento era perturbador.
            Ken estava tão perdido em seus próprios pensamentos, que nem percebeu quando Ryu parou de andar, seus olhos voltados para a sua esquerda, testa franzida. Akai, porém, notou:
            - Ryu?
            - Youmas. - Ryu falou, começando a caminhar na direção para onde olhava.
            - E você vai na direção deles?! - perguntou Ken, incrédulo.
            - Vamos atraí-los para um lugar favorável para nós. - Ryu explicou. - O shopping onde enfrentamos Libra é por aqui.
            Ken ficou um pouco pálido, se lembrando do confronto com o membro do Conselho que quase lhes custou as vidas. Balançando sua cabeça imperceptivelmente, ele afastou essas memórias. Não era a hora para se preocupar com esse tipo de coisa. Seus pensamentos foram interrompidos quando alguém empurrou-o para o lado. Ele cambaleou um pouco, e voltou seu olhar na direção de Akai, que apenas balançou a cabeça. Ela apontou para trás, e Ken viu que foi graças ao empurrão da ruiva que ele não acertou um poste.
            - Anda distraído, eh, Ken? - Akai perguntou, com um pequeno sorriso. O Kishi do Vento até pensou em retrucar, mas aquele foi a primeira vez em dias que ele viu um sorriso sincero no rosto da sua companheira. Ele apenas mexeu os ombros.
            - Eles estão vindo direto para nós. - Ryu falou de repente.
            - Já devem saber onde estamos... - Akai comentou, seu sorriso desaparecendo.
            Ken ficou em silêncio, desejando, não pela primeira vez, que ele tivesse ido com Ami-chan para longe do Japão.
            - Venham. - Ryu falou, antes de voltar-se para sua direita e começar a correr.
            Akai e Ken seguiram sem questionar, sabendo que o kalyriano devia ter algum plano.
            Em pouco tempo, os três estavam na frente do shopping onde enfrentaram Libra.
            - Eu pensei que você estava brincando. - Ken comentou.
            - Eles estão perto. - Ryu falou, ignorando o comentário. - Vamos.
            Sem esperar por uma resposta, o Dragon Kishi da Luz entrou no prédio à sua frente. Ken e Akai trocaram olhares, e seguiram. Ryu, porém, não estava perto da entrada.
            - Ryu? - chamou Akai.
            - Não se preocupe com ele. - Ken falou, olhando para trás. Cinco figuras se aproximavam rapidamente da entrada do shopping. - Ele sabe se cuidar melhor que nós.
            Ele agarrou o pulso da ruiva, arrastando-a para a loja mais próxima. Sem prestar atenção nos produtos lá vendidos, Ken chutou a vitrine de vidro, saltando para dentro. Akai tentou falar-lhe algo, mas ele ignorou-a.
            Ken foi até o caixa da loja, e saltou por cima do balcão, se abaixando para usá-lo como esconderijo. Akai hesitou por um instante, depois fez o mesmo. O Kishi do Vento respirou fundo, e decidiu a vasculhar as gavetas próximas a ele por algo que pudesse ser usado como arma.
            Sons guturais e rugidos sinalizaram a entrada dos youmas no shopping. Ken abriu a gaveta mais próxima dele, tomando cuidado para não fazer som algum, e enfiou a mão dentro, usando seu tato para tentar identificar os conteúdos.
            Até ele apertar um botão.
            - Uh oh. - ele falou.
            E luzes apareceram ao redor dele, com músicas de bandas japonesas e estrangeiras tocando em um volume muito maior do que era realmente necessário.
            - Eu tentei avisar, Ken. - Akai falou, se levantando. - É uma loja de música.
            Ken lentamente se levantou, voltando-se para a porta da loja. Dois youmas estavam encarando ele e Akai, sorrisos menos que agradáveis em seus rostos. Um dos youmas era alto e musculoso, e seu corpo era coberto por grandes escamas prateadas. A segunda youma tinha a parte inferior de um escorpião, com uma longa cauda articulada servindo como continuação da sua espinha. A parte superior de seu corpo era bem similar à de uma mulher humana, exceto pela tonalidade acinzentada da pele, e a cor dos cabelos e olhos: ambos amarelados.
            O youma rosnou algo incompreensível, e começou a avançar lentamente. Ken ergueu os braços, mas pôde ver, com o canto dos seus olhos, que Akai não fazia o mesmo. Determinação apareceu nos olhos esverdeados dela.
            - Rendam-se, e nada acontecerá com vocês. - a youma falou.
            - Sei. - Akai falou, sua voz baixa e ameaçadora.
            - Akai, eu acho que...
            Antes que Ken pudesse terminar, porém, Akai chutou o balcão do caixa, tombando-o. Os youmas recuaram, assustados, e a ruiva aproveitou sua chance, lançando-se contra o youma de escamas com uma voadora. Ela foi pêga em pleno ar, e arremessada na direção do que restou da vitrine. O vidro já estava quebrado, e ela conseguiu rolar com o impacto, erguendo-se sem maiores problemas.
            Os dois youmas se voltaram para a ruiva, que agora estava fora da loja, prontos para atacar. Ken respirou fundo, e jogou-se contra a youma, tomando cuidado para não acertar o rabo dela. O ombro direito dele acertou as costas da sua inimiga, empurrando-a para frente, mas ela não caiu. Tendo oito patas, seria difícil derrubá-la.
            O youma de escamas voltou-se para Ken, pronto para atacá-lo, quando uma faca acertou a criatura no pescoço. O Dragon Kishi piscou, e virou-se. Akai acenou, segurando mais uma faca. Atrás dela, Ken viu que outra vitrine tinha sido arrombada.
            A youma restante urrou, sua cauda se lançando contra Akai como um chicote. A ruiva rolou para a sua esquerda, esquivando-se por uma margem muito menor que a aconselhável. Ken saltou nas costas da youma, envolvendo o pescoço dela com seu braço esquerdo, fazendo o possível para sufocá-la.
            O rabo do criatura envolveu Ken pela cintura, e arremessou-o contra uma das prateleiras de discos da loja, derrubando-a com o impacto. O Kishi gemeu, tentando se levantar. Quando ele finalmente conseguiu erguer a cabeça o suficiente para olhar ao seu redor, ele viu a ponta da cauda da sua oponente parada alguns metros acima dele. Um espeto surgiu na sua ponta com um som desagradável, e o rabo começou a descer com velocidade, obviamente para atravessar Ken com sua extremidade afiada.
            E parou.
            O Dragon Kishi piscou, e olhou na direção da youma. Akai estava pendurada nas costas dela, segurando o cabo de uma faca cuja lâmina estava enfiada no pescoço da criatura. Ninguém se mexeu por um breve instante, até que todo o corpo da youma se desfez em pó.
            Akai recolheu sua primeira faca, olhando cautelosamente ao seu redor.
            - Você acha que... - Ken se ergueu lentamente, sentindo dores em todo seu corpo. - Acha que eram só esses?
            - Não. - uma voz falou, vinda de cima dos dois Kishi.
            Ken e Akai se voltaram para cima a tempo de ver o youma que tinha falado caindo na direção deles. Antes, porém, que pudessem reagir, uma katana atravessou a cabeça da ameaça, que se decompôs. Os dois Kishi ficaram imóveis enquanto poeira chovia ao seu redor. A katana caiu no chão com um som alto, mas não acertou nenhum dos dois.
            Ryu caminhou com calma na direção dos seus companheiros, seus olhos vermelhos completamente inexpressivos. Ele pegou sua espada do chão, guardando-a na sua bainha, e falou:
            - Esse foi o último. Vamos.
            Akai e Ken olharam por um momento para a direção de onde Ryu veio, depois notaram que seu líder estava saindo do shopping. Sem falar nada, fizeram o mesmo.

            ****

            Dark Angel observou impassivamente o portal que o levaria para outro universo por um quase um minuto, antes de atravessá-lo. A demora, ao contrário do que a maioria das pessoas assumiria, não era por medo ou dúvida. O jovem cientista apenas estava se preparando. Sempre que ele interagia com aquele universo, ele era forçado a tomar decisões desagradáveis, a enfrentar as reações que o sofrimento dos habitantes de lá provocavam.
            De certa forma, ele ainda era Lucifer.
            O suspiro dele foi quase microscópico, e apenas alguém observando Dark Angel atentamente de uma distância muito pequena poderia percebê-lo. Ver V-chan, sua irmã adotiva, morrer por consequência direta das suas próprias ações foi uma das piores situações por que passou.
            Depois daquele dia, Dark Angel não chegou perto da bola de cristal que lhe permitia ver os acontecimentos daquele outro universo.
            Ele sabia que uma visita era absolutamente necessária, e que não poderia adiá-la mais. Mesmo sabendo que ele iria se detestar pelos próximos dias.
            - Mestre? - um youma chamou, hesitante.
            Dark Angel não voltou-se para seu servo, preferindo apenas falar:
            - Eu vou agora. Estarei de volta em pouco tempo.
            O youma fez que sim.
            Com um passo firme, Dark Angel atravessou o portal. Por um breve instante, ele esteve no espaço entre as dimensões, flutuando no meio do Nada e do Tudo ao mesmo tempo. Sua estadia lá, porém, fora curta demais para perturbar seus sentidos, e, no momento seguinte, ele estava numa enorme sala de cristais e mármore negros.
            Alguns metros à sua frente, estavam Lethe e duas fileiras de youmas. Todos guerreiros, ele notou.
            - Seja bem vindo, Dark Angel-sama. Acredito que fez uma boa viagem? - Lethe falou, se curvando.
            Dark Angel examinou-a por um momento, com um pequeno sorriso. Era difícil de acreditar que Lethe tinha, um dia, sido Sailor Pluto.
            - Como está a situação por aqui, Lethe? - ele perguntou, caminhando em direção à porta. Perto de uma das outras paredes, ele percebeu com desinteresse, estava a máquina onde o Ginzuishou e os objetos de transformação dos Kishi e das Senshi repousavam.
            Lethe fingiu não notar que ele ignorou sua pergunta, e começou a caminhar ao lado de Dark Angel:
            - Infelizmente, quatro dos prisioneiros escaparam com vida.
            - Quem? - Dark Angel questionou, já tendo uma boa idéia da resposta. Ainda assim, não era bom deixar que Lethe percebesse o quanto ele sabia.
            - Moon Dragon, Mars Dragon, Venus Dragon e Earth Dragon. Venus Dragon foi encontrada morta em uma construção próxima.
            Dark Angel fez que sim. Ainda haviam três Dragon Kishi soltos... Ele tinha previsto apenas a fuga de dois. Ele suprimiu o sorriso que ameaçou se formar: se os chamados 'heróis' ainda conseguiam surpreendê-lo, eles podiam ser de alguma serventia.
            - E os que não escaparam?
            - Todos mortos. - Lethe falou.
            Dark Angel fez que sim de novo. Essa informação ele já possuíra, mas era bom confirmar se Lethe estava informando-lhe de todos os ocorridos.
            - Moon Dragon? - ele perguntou. Dark Angel e Lethe estavam se aproximando da sala da ex-Senshi.
            - Um grupo de youmas foi enviado para capturar ou exterminar os três fugitivos. - Lethe respondeu, abrindo a porta da sua sala.
            Dark Angel fez que sim, observando a enorme janela que adornava uma das paredes.
            - Em quanto tempo a redoma que Pluto fez desaparecerá? - Dark Angel perguntou, seus olhos fixos no horizonte urbano.
            - Alguns anos, Dark Angel-sama. - Lethe respondeu. - Dois, talvez três.
            Ele fez que sim. Planos para conquista do resto daquela dimensão não tinham grande prioridade, então. E até mesmo Apocalipse aceitaria essa desculpa para a falta de urgência na elaboração de tais planos.
            Uma batida educada veio da porta de madeira da sala de Lethe.
            - Entre. - Lethe ordenou.
            Um youma deveras fraco abriu a porta, e entrou, abaixando a cabeça:
            - Lethe-sama, perdemos contato com os youmas que foram enviados atrás dos Dragon Kishi.
            - Então, mande mais! - ela exclamou, apontando. - Aqueles três TÊM que ser detidos.
            Dark Angel permitiu-se um pequeno sorriso.
            - Hai. - o youma falou, apressadamente deixando a sala.
            - Problemas? - Dark Angel perguntou.
            - Nada que não possa ser resolvido, Mestre. - Lethe assegurou-o.
            - Eu esperaria uma invasão nas próximas horas, Lethe. - Dark Angel observou. - Tenho a impressão que sua segunda equipe de busca será tão efetiva quanto a primeira.
            Lethe ficou vermelha, mas respondeu com calma:
            - Com todo o respeito, Dark Angel-sama, é impossível entrar nessa fortaleza sem ajuda interna.
            Para a surpresa da ex-Senshi, Dark Angel gargalhou. Segundos depois, quando sua risada diminuiu, ele balançou sua cabeça, olhando para Lethe como se visse algo engraçado.
            - Lethe, Lethe. - ele riu. - Nada é impossível. E se Silver está tão determinado a entrar aqui quanto eu imagino que ele está, em pouco tempo você estará vendo os três Dragon Kishi aqui dentro.
            Lethe ficou em silêncio, mas Dark Angel podia ver nos olhos dela que ela não acreditava.
            - Cuide de tudo por aqui. - ele falou casualmente. - Eu tenho compromissos no Universo Matriz.
            - Hai. - Lethe se curvou.
            Dark Angel caminhou até a porta, mas parou antes de abrí-la. Ele olhou para sua subordinada, e falou, com um leve sorriso:
            - Mande meus cumprimentos a Silver. - e saiu, fechando a porta atrás de si.
            Lethe encarou o local onde Dark Angel estivera pouco antes, depois virou-
se rapidamente, desferindo um soco contra a janela de cristal que ocupava uma das paredes. Uma rachadura apareceu no material transparente, mas, graças à sua espessura, ele não se quebrou.

            ****

            Ken balançou sua cabeça, voltando-se novamente para Ryu:
            - Sem um equipamento adequado, eu não tenho como saber se há um jeito de abrir um buraco nisso.
            Ryu fez que sim, seus olhos fixos na enorme muralha de cristal negro à sua frente. Más lembranças ameaçavam emergir, mas ele as suprimia com facilidade. Ele tinha prática nesse tipo de coisa.
            - Nós temos que entrar. - ele declarou, olhando para cima. A barreira não era tão alta, mas o material que a construía era perfeitamente liso, inclinado quase que completamente na vertical.
            - Nós podíamos usar os prédios próximos como apoio. - Akai sugeriu, apontando.
            Ken balançou a cabeça:
            - Não teríamos como descer dali. - ele apontou para o topo do muro de cristal.
            Ryu simplesmente continuou em silêncio, uma expressão pensativa ocupando seu rosto. Ken suspirou, se encostando na muralha, e abaixando a cabeça. Akai simplesmente sentou no chão, abraçando seus próprios joelhos. Era óbvio que os dias de prisioneiros e, depois, de perseguidos tinham cansado os dois Dragon Kishi. Ryu também se sentia cansado, até mais velho. Com um grande peso. Ainda assim, ele mantinha-se cuidadosamente indiferente, exatamente com a mesma atitude que sustentara desde a escapada da prisão dos youmas.
            - Eu não tenho idéia nenhuma. - Ken comentou, sem erguer a cabeça.
            - Eu tenho. - Ryu retrucou, caminhando em direção aos prédios abandonados de Tóquio.
            Ken e Akai hesitaram por um momento, mas logo seguiram. O kalyriano estava abaixado no meio da rua, cuidadosamente erguendo uma tampa de esgoto metálica.
            - Eu não creio que seja uma boa idéia, Ryu. - Ken falou. - Quer dizer, esse vai ser o caminho mais bem protegido, se é que eles não fecharam.
            Sem falar nada, o líder dos Dragon Kishi enfiou a cabeça nos caminhos subterrâneos, cautelosamente examinando o seu interior. Em seguida, ele saltou para dentro, sem fazer som algum quando seus pés tocaram o chão.
            Akai colocou as pernas para dentro do buraco, preparando-se para saltar atrás de Ryu, quando a voz dele fez com que ela parasse:
            - Não venha.
            - Problemas? - perguntou Ken, deixando preocupação transparecer claramente na sua voz.
            - Iie. - foi a resposta.
            Akai levantou-se do lugar onde estivera sentada, e se afastou um pouco do bueiro.
            O som de metal acertando metal claramente veio de dentro do buraco, seguido por um breve momento de silêncio. Em seguida, outro som similar pôde ser ouvido, dessa vez três vezes seguidas.
            E o distinto ruído de ferro se dobrando.
            Os dois Dragon Kishi viram a mão de Ryu agarrar a escada metálica do bueiro instantes antes de um som similar ao de uma explosão ecoar. Os dois correram até a beira do buraco, e observaram, espantados, enquanto uma corrente contínua de água parecia tentar carregar Ryu consigo.
            Akai rapidamente agarrou o braço de seu líder, e puxou-o. A outra mão de Ryu segurou a beira do bueiro, e Ken segurou-a, também tentando erguer o Kishi da Luz para fora da correnteza.
            - Você ficou louco?! - ele berrou ao seu amigo, que agora estava completamente encharcado.
            - Não ainda. - respondeu Ryu secamente. Ele sentou-se à beira do bueiro, e ficou observando o rio subterrâneo que criara ao cortar os canos que levavam água às residências de Tóquio.
            - Então... - Ken começou, mas Akai o interrompeu:
            - Entendi.
            - Huh? - ele voltou-se para a ruiva.
            - Ryu está observando a corrente. Se ela continuar assim por mais tempo, quer dizer que a passagem não está completamente bloqueada. Além disso, os youmas que estivessem no caminho já devem ter sido arrastados. Ne? - ela direcionou a pergunta ao kalyriano.
            - Un. - Ryu fez que sim, ainda olhando para as águas um pouco abaixo dele.
- É seguro saltar.
            Ken piscou:
            - Mas...
            - Eu vou na frente. - Ryu falou. - Nós temos que subir na próxima saída. Apenas agarrem-se na escada ou em mim.
            Akai fez que sim, determinação praticamente queimando nos seus olhos verdes, enquanto Ken concordou com um ar muito mais resignado. Ele tinha um mau pressentimento.
            Ryu respirou fundo, tentando encher seus pulmões o máximo possível, e mergulhou. Akai fez o mesmo, submergindo na água pouco depois. Ken gastou um instante olhando para a forte correnteza no bueiro, depois saltou para seu interior.
            Foi uma das piores experiências da vida dele.
            A água estava escura demais para que pudesse ver qualquer coisa, e seus olhos ardiam: Obviamente, a poluição dos esgotos era concentrada o suficiente para ainda fazer-se presente naquele enorme volume d'água. Instantes depois de adentrar no turvo líquido, ele perdeu qualquer noção de direção que pudesse ter. Ken girou, bateu-se contra as paredes, (ou talvez fossem o teto e o chão) encontrando-se completamente desnorteado em pouco tempo.
            Até bater em algo.
            Ele forçou-se a abrir os olhos, e foi recebido por uma claridade intensa. Quase como... Quase como se pudesse ver o lado de fora. Rídiculo, ele pensou para si mesmo. Ele ficara menos de um minuto debaixo d'água, e dificilmente poderia ter chegado a um rio ou um lago em tão pouco tempo.
            Apalpando o que quer que estivesse prendendo-o, Ken descobriu que se tratava de uma grade. O metal estava enferrujado, pelo que podia notar com seu tato, mas não o suficiente para ser quebrado. Seu suprimento de ar começou a se tornar preocupador, e o Dragon Kishi começou a se debater, pânico dominando sua mente. Então, algo o empurrou contra uma das paredes, e ele encontrou espaço suficiente para esgueirar-se por entre o concreto e o metal.
            Logo, a correnteza empurrou-o para frente, lançando-o em direção à luz...
            ... e Ken encontrou-se no ar, com uma queda enorme esperando-o para baixo. Reagindo por puro instinto, uma de suas mão agarrou a beira do tubo de esgoto por onde chegara, conseguindo encontrar uma saliência firme o suficiente para resistir até mesmo à força da água que estava caindo por cima dele. O Kishi voltou seu rosto para baixo, fazendo com que a água não mais impedisse a sua respiração.
            Então, ele viu mais uma figura passar por cima dele. Pela cor do cabelo, ele reconheceu-o imediatamente: Ryu.
            O líder dos Dragon Kishi acabou sendo lançado mais longe que Ken, fora do alcance da beira do esgoto. O Kishi do Vento não conseguia ver no que Ryu se agarrou, mas o kalyriano parou de cair depois de alguns metros de queda. Outro vulto passou por cima de Ken, e ele não teve problemas para distinguir o vermelho dos cabelos.
            Akai fora arremessada tão longe quanto Ryu, suas mãos procurando desesperadamente algo para segurar-se.
            Uma das mãos do Kishi da Luz agarrou um dos pulsos da ruiva, e os dois ficaram ali, pendurados. Akai estava respirando pesado, tentando recobrar o fôlego.
            Ken, pela primeira vez, examinou o espaço imediatamente abaixo de si, e suspirou aliviado ao ver uma saliência na parede grande o suficiente para aguentar ele e seus dois companheiros. Ela não estava perfeitamente embaixo dele, já que a água não a acertava, mas era próxima o suficiente para que Ken alcançasse-a.
            O Kishi deixou-se cair, dando apenas impulso suficiente para se lançar na direção da saliência. Ele tocou o chão desajeitadamente, rolando até bater contra a parede.
            Finalmente, Ken pôde observar com calma onde estava. O fosso tinha mais ou menos dez metros, e parecia ir ao redor de uma ilha em seu centro, esta suspensa apenas por inúmeras hastes de pedra, nenhuma delas mais grossa que o pulso de uma pessoa, que estavam presas à parede onde Ken se encontrava e à ilha.
            Observando com mais cuidado, o Kishi pôde constatar que a ilha estava realmente suspensa. Não havia terra embaixo dela, e ele não conseguia ver ponte alguma ligando-a ao resto do mundo. O som de algo rachando arrancou-o de seus pensamentos, e Ken viu que a ligação entre a barra onde Ryu estava pendurado e a parede ao lado do cano de esgoto estava se quebrando.
            - Ryu! - ele chamou.
            O líder dos Dragon Kishi fez que sim, e balançou o corpo de Akai, pegando embalo suficiente para lançá-la na plataforma onde Ken estava. Em seguida, ele próprio jogou-se para o mesmo lugar. A barra não quebrou, mas era evidente que isso aconteceria se alguém a utilizasse novamente como suporte.
            - Como vamos entrar? - Ken perguntou, olhando para o enorme castelo.
            Ryu apenas indicou as barras. Em seguida, ele saltou na mais próxima, logo erguendo-se nela, e ficando em pé. Suas mãos se seguraram em outra das hastes, e ele começou a mover-se em direção à estrutura negra no meio do fosso. Mais ou menos na metade do caminho, ele ergueu-se no seu suporte superior, e, de lá, foi para outra barra.
            - Você tá brincando. - Ken falou, olhando além da beira da saliência onde estava. A queda parecia bem grande.
            Akai também olhou para baixo por um instante, mas não falou nada. Ela saltou para a barra que Ryu abandonara pouco antes, e começou a seguir o caminho
que o líder dos Dragon Kishi fez.
            Ken esperou até a ruiva ter passado para outro par de hastes, algo que só foi feito quando Ryu subiu mais ainda. Então, ele respirou fundo, lançou uma breve prece aos céus, e começou a repetir o caminho feito pelos seus dois companheiros.
            - Como você... - Ken parou por um momento, para terminar de erguer seu corpo até uma barra mais alta que a que ele se encontrava. - Como você sabe que tem uma entrada lá em cima, Ryu?
            - Eu não sei. - foi a resposta.
            - Ótimo. - Ken murmurou.
            Mais alguns minutos passaram, e nenhum dos três falava coisa alguma. Finalmente, eles chegaram às barras mais altas.
            - Nós estamos na altura do solo. - Ken observou.
            - Hmm? - perguntou Ryu, voltando-se para o Kishi da Terra.
            - As hastes obviamente ocupam apenas o lugar onde antes era chão. - Ken falou. - Já que não haviam hastes algumas quando escapamos da prisão.
            Ryu fez que sim, um plano se formando na sua mente. Ele subiu na última barra, se equilibrando nela sem o auxílio de outra barra para segurar com as mãos, e afastou-se da parede do castelo, olhando para os lados. Ele fechou os olhos por um instante, concentrando-se em encontrar a falha na muralha que ele sabia que representava a entrada. A mesma entrada onde ele e os outros foram emboscados quando tentaram invadir o castelo youma pela primeira vez.
            Seus olhos vermelhos se abriram assim que ele encontrou o que procurava. A entrada estava exatamente no lado oposto ao deles. Ele olhou para sua direita, e sorriu. Se o portão principal estava do outro lado da fortaleza, a porta de metal por onde os youmas guiaram-no para lutar estava apenas a alguns metros para a direita.
            - Vamos. - ele falou. - Eu tenho um plano.

            ****

            A chuva estava finalmente diminuindo, e Lethe era grata por isso. Chuvas lembravam-na de outros tempos, das tantas outras vezes que ela assistira àquela enorme quantidade de água cair dos céus. Mas não tinha sido ela que vira aquilo, mas sim, Fate. Ou Pluto, como ela preferira ser chamada. Ou talvez as memórias fossem visões do futuro, misturadas com as lembranças do passado que amontoavam sua mente. Era difícil para Lethe distinguir memórias de lembranças.
            Ela começou a murmurar uma cantiga de ninar para si mesma, em uma língua que ela sabia esquecida. Seus olhos se fecharam, e ela relaxou no seu trono, sua mente inconscientemente trazendo lembranças de tempos mais felizes. Ela estava tão distraída nas lembranças de Fate, que sequer notou que a porta se abriu atrás dela.
            - M'lady?
            No mesmo tempo que um coração levaria para bater uma vez, Lethe ergueu-se de seu trono, e voltou-se para o intruso, uma esfera de energia negra se concentrando na ponta do seu indicador direito, que, por sua vez, apontava diretamente para a cabeça do youma que a chamou. Ela não relaxou ao ver que se tratava apenas de um mensageiro:
            - O que você ouviu?!
            O youma ficou paralisado de medo, seus pequenos e completamente negros olhos arregalados. Ele parecia um camundongo gigante, e Lethe sabia que ele era tão perigoso quanto o animal a que se assemelhava.
            - N-Nada, Lethe-sama! - ele gaguejou, tremendo.
            A esfera de energia desapareceu, e a ex-Senshi assumiu uma posição mais relaxada. Seus olhos, porém, continuavam tão atentos quanto antes. Finalmente, ela perguntou, sua voz fria:
            - O que você quer?
            - F-Fui mandando para... para lembrar a senhora que a senhora tinha marcado hoje como o dia para o envio do... do segundo grupo de extermínio.
            Lethe fez que sim, quase como se revirando sua própria memória em busca de tal informação. Finalmente, ela fez que sim, quase que com desinteresse, seus olhos focados no infinito:
            - Sim... Eu pedi para que me lembrasse, não pedi?
            - Sim, senhora.
            Ela voltou-se para ele, e acenou com sua mão:
            - Vá. Envie o próximo grupo, então. E diga para eles que quero que retornem em trinta dias.
            O youma fez que sim, se curvando, e começou a sair.
            - Ah, e me lembre de enviar o próximo grupo em uma semana. - Lethe acrescentou, olhando para o seu servo.
            - Sim, senhora.
            Lethe ouviu o som da porta fechando-se, e voltou a observar a janela. A chuva tinha parado, mas as nuvens cinzentas ainda ocupavam o céu de Tóquio. Apesar de quase meio-dia, o dia estava escuro, como se perto do seu fim.
            A ex-Senshi tentou, sem sucesso, retornar à linha de pensamentos que estivera antes de ser interrompida. Depois de alguns minutos, ela decidiu que iria matar o youma que a arrancou de suas lembranças.
            Suspirando, Lethe sentou-se no seu trono, fechando os olhos e visualizando a imagem da chuva caindo, a mesma que acompanhara pouco antes. Ela não tinha certeza se estava tendo uma Visão ou imaginando, mas os resultados eram o suficiente: ela voltou a lembrar-se da vida de Fate.
            Quando a porta se abriu, porém, ela estava atenta, e perguntou:
            - O que deseja desta vez, rato? - sabendo que o insulto irritaria o mensageiro-camundongo.
            - Nós já fomos chamados de muitas coisas, mas "rato" é algo novo. - uma voz masculina, completamente diferente da do youma que Lethe esperava, ainda que estranhamente familiar. Uma Visão passou brevemente pela mente da ex-Senshi, mostrando claramente seus dois guardas caindo no chão, morrendo.
            Com um salto, ela saiu do trono, voltando-se para a porta.
            Ken, o Earth Dragon, lançou-lhe um sorriso preguiçoso, enquanto relaxava contra a porta fechada da sala. Lethe imediatamente entendeu que fora ele que falara, sua voz familiar apenas pela semelhança que tinha à de Whisper. Ao lado dele, Akai, a Mars Dragon, mexeu a cabeça, jogando sua trança ruiva para trás de si. Seus olhos verdes pareciam brilhar, como se estivessem aguardando impacientemente o combate que com certeza se seguiria. Ryu, o Moon Dragon, apenas observava Lethe com seus olhos vermelho-sangue, sem deixar emoção alguma se mostrar. Na sua mão direita, uma katana refletia a fraca luz que entrava pela janela, apenas esperando pelo momento em que seria usada.
            - O Ginzuishou, Lethe. - Ryu falou, sua voz tão inexpressiva quanto seu rosto. - Agora.
            - E como os três Elementais sem poderes pretendem me convencer a entregá-
lo? - ela perguntou. - Eu ainda posso... - ela não terminou sua frase, tendo que lançar-se para trás para evitar a espada de Ryu. O trono dela, que estivera no caminho da lâmina do kalyriano, foi cortado em dois, a parte superior do encosto caindo no chão com um som alto.
            Akai deu um passo a frente, um sorriso fino em seus lábios:
            - Você não entendeu. - ela falou. - Nos dê o Ginzuishou.
            Lethe apontou sua mão aberta para os três, e a esfera de energia dela lançou-se pouco depois de se formar. Ryu esquivou-se para a direita com facilidade, enquanto os seus dois companheiros saltaram em direções opostas, deixando o ataque atingir a porta, arrebentando-a para fora.
            Ryu pulou, pisando com força no trono de Lethe, e lançando-se contra ela. Quando a espada desceu no lugar onde a ex-Senshi devia estar, ela já tinha saltado para trás, aproximando-se de uma das paredes adjacentes à janela. Ela bateu duas vezes em um ponto da parede, e o cristal fluiu para os lados, como qualquer porta daquela fortaleza, revelando um corredor.
            Akai lançou-se contra Lethe, acertando-a com o seu ombro esquerdo, e jogando-a para longe da passagem. A comandante dos youmas acertou a enorme janela na parede com força, fazendo a rachadura que lá se encontrava crescer. Ela piscou duas vezes, depois deixou-se cair no chão, permitindo que a voadora de Ken acertasse apenas o cristal transparente que estava atrás dela. O material cedeu com o impacto, estilhaçando-se. Ken gritou ao ver que a janela não foi forte o suficiente para segurá-lo. Uma mão agarrou seu pulso, e ele sorriu ao ver que ela pertencia à Dragon Kishi de Marte.
            Lethe pulou para sua esquerda ao ver a ruiva debruçar-se na beira da janela, e começou a correr em direção à passagem que abrira pouco antes. Ryu começou a correr atrás dela, mas parou ao ouvir a voz de Akai:
            - Ryu, eu estou escorregando!
            O Dragon Kishi da Lua olhou por um breve momento para a passagem por onde Lethe entrara, depois agarrou Akai pela cintura, apoiando-se contra alguns dos pedaços de cristal transparente que ainda estavam presos à beira do chão onde a janela estivera pouco antes.
            Ele puxou com força, e Akai caiu em cima dele, enquanto Ken estava apenas com suas pernas para fora da fortaleza.
            A Kishi de Marte viu onde estava, ficou vermelha e rolou para a sua direita, saindo de cima de Ryu. Sem dizer nada, o líder dos Dragon Kishi se levantou, e ofereceu a mão para Ken.
            O Kishi da Terra aceitou, e conseguiu puxar-se para dentro do castelo, respirando pesado.
            - Ela está escapando. - Ryu falou, apontando para o corredor por onde Lethe fugira. - Vamos.
            Ken e Akai fizeram que sim, ambos já em pé.

            ****

            Lethe estava furiosa.
            Para ela, pior que ter suas instalações invadidas por três Dragon Kishi sedentos por vingança era ela ter sido avisada com certa antecedência que isso aconteceria, e ter ignorado tal aviso.
            Seus passos eram altos contra o cristal negro que constituía o chão do corredor por onde ela corria, mas ela sabia que silêncio não faria diferença alguma: aquela passagem levava diretamente ao Portal, e os Dragon Kishi sabiam como abrí-la, mesmo se Lethe tivesse se incomodado em fechá-la depois de entrar.
            A saída finalmente se aproximou, bem em frente ao computador que controlava o Portal. Ela sabia que a coisa certa, a coisa leal, a fazer seria destruí-lo, para impedir que os três Dragon Kishi pudessem ter pista alguma da sua construção.
            Mas ela queria viver.
            E, para poder sobreviver nos dez minutos que se seguiriam, Lethe precisaria escapar para o seu próprio universo.
            Muitos ririam dela, se ouvissem isso. Diriam que ela estava exagerando, que três humanos não poderiam fazer tanto estrago. Ela concordaria com esses argumentos, se não tivesse acabado de ter uma Visão: Ela viu Ryu, o Moon Dragon, atravessando-a com sua katana.
            Ela olhou ao redor da enorme sala que alojava o Portal em seu centro, e gritou:
            - Invasores! Preparem-se para defender o Portal!
            E correu em direção ao Portal, ao mesmo tempo que um enorme grupo de youmas começava a correr em direção ao centro da sala, prontos para proteger o único caminho para o universo de seu mestre com suas vidas.
            Eles abriram caminho para sua comandante, entendendo que ela era importante demais para morrer, e que alguém teria que avisar Dark Angel-sama sobre o que estava acontecendo, depois formaram um sólido bloco youma na frente do Portal.

            ****

            A vista que recebeu os três Dragon Kishi no fim do corredor por onde seguiram Lethe não era das mais inspiradoras. O grupo de youmas que parecia pronto para enfrentá-los era enorme, e mais criaturas chegavam a cada instante pelas outras portas para aumentá-lo.
            Os três guerreiros ficaram encarando seus oponentes por um longo momento, sem se mexer. Os youmas pareciam dispostos a ficarem parados na frente do Portal, determinados a protegê-lo.
            Ryu olhou ao redor da sala, seus olhos repousando em três pontos diferentes: o portal atrás dos youmas, o computador um pouco à frente dos três Dragon Kishi, e a estrutura na parede da direita, onde o Ginzuishou repousava, cercado pelas Wands e pelos pingentes. Ele lançou um breve olhar para o computador, e perguntou para Ken, sem tirar seus olhos do monitor:
            - Você acha que consegue mudar o destino do portal?
            - Talvez. - foi a resposta.
            - Quanto tempo você acha que ele fica aberto sem o Ginzuishou? - Ryu perguntou.
            - Não sei. - Ken respondeu, mexendo os ombros. - Talvez uns dez segundos, se ele usar a energia das Wands e dos pingentes.
            - Tente mudar aqueles símbolos no canto de cima da tela. - Ryu falou.
            - Pessoal? - Akai chamou. - Eles estão vindo.
            Ryu lançou um olhar para frente, e viu que os youmas começaram a correr na sua direção. Ele respirou fundo, e falou para Ken, enquanto sacava sua espada:
            - Mude para um símbolo que parece um "três" árabe deitado, com os arcos
para baixo, um círculo preenchido de um lado e um símbolo do infinito vazado na direita.
            Ken fez que sim, correndo até o computador.
            - Isso pode ajudar. - Ryu falou, entregando sua katana para Akai. -
Proteja Ken. Quando ele terminar, grite.
            O líder dos Dragon Kishi lançou-se contra seus oponentes, atacando os primeiros do grupo com com golpes secos, atordoando-os o suficiente para passar
pelos dois.
            A ruiva fez que sim, e recuou um pouco, ficando mais próxima de Ken e do computador. Os youmas demoraram um pouco até começar a atacá-la, mas, em pouco tempo, ela mal podia deter o avanço dos seus inimigos.
            Ryu lançou um breve olhar para sua companheira de equipe, certificando-se de que ela estava conseguindo manter os youmas longe de Ken, depois começou a se mover em direção à fonte de energia, esquivando-se dos golpes direcionados a ele, e derrubando os youmas que se colocavam no seu caminho com golpes rápidos e efetivos.
            Ken gastou um segundo para observar Akai e Ryu, vendo que a ruiva estava executando sua tarefa de manter os youmas longe do computador com eficiência, enquanto Ryu deslocava-se pelo meio da multidão inimiga com relativa velocidade, locomovendo-se com a mesma facilidade que correria por um matagal.
            Seus olhos verdes retornaram para a tela à sua frente, e ele continuou digitando no teclado alienígena. Apesar de estranho, Ken ainda conseguia entender algo da lógica do sistema... Obviamente, fora Dark Angel quem programou-o: Ele era muito similar ao do computador de Ami.
            Finalmente, ele achou a função que estivera procurando. Respirando fundo, ele olhou para o teclado, procurando os símbolos que Ryu descrevera.
            Akai estava dando o melhor de si naquela batalha. Ela nunca tinha tido que enfrentar tantos oponentes ao mesmo tempo, deixando sempre essa função para Ryu ou Kitty, que sabiam como fazê-lo. Dessa vez, porém, a responsabilidade era dela, e ela sabia que não podia errar.
            Foi com esse padrão de pensamentos que a Kishi de Marte forçou-se até seus limites físicos, lutando com tudo que tinha. A katana de Ryu movia-se com
velocidade, mesmo que não com a eficiência que teria nas mãos de Moon Dragon ou Mercury Dragon.
            Ainda assim, era impossível para ela enfrentar todos os youmas ao mesmo tempo, e, quando ela viu que deixara um deles se aproximar de Ken, não havia nada a fazer. Ken ergueu o rosto, e começou a dizer que tinha acabado, quando a lâmina óssea do youma desceu no teclado do computador, atravessando o braço direito de Ken no processo.
            Akai gritou.

            ****

            Ryu ouviu o grito de Akai, e logo soube que algo estava errado. Ele olhou para trás, e viu a ruiva avançando na direção de Ken, que jazia caído sobre uma poça de sangue. Ele ainda se mexia, mas parecia mais preocupado em se encolher ao redor de seu próprio braço que em se defender.
            Ele tinha sido ferido gravemente.
            O primeiro pensamento de Ryu foi de voltar lá para ajudar seu amigo, de matar todos os youmas que causaram aquilo.
            Ele se controlou, porém, e respirou fundo, tentando ignorar o que seus sentimentos diziam. Um rápido chute derrubou um youma que tentara se aproveitar da distração de Ryu, e ele voltou a avançar em direção à fonte de energia.
            - Leve Ken para o portal! - ele gritou, esperando que Akai ouvisse-o. Ele olhou para trás, e viu a ruiva carregando Ken com certa dificuldade, tentando avançar pelo mar de youmas ao mesmo tempo que conduzia seu companheiro caído para o único lugar onde ele estaria seguro. A katana parecia compensar pela falta de movimento, mas Akai não conseguiria manter o ritmo por muito tempo.
            Ryu voltou-se para frente novamente, e saltou, pisando na cabeça de alguns youmas, enquanto se movia até seu alvo.
            Dois saltos depois, ele estava de costas para a fonte de energia, matando mais um youma que tentou atacá-lo.
            Sua mão esquerda lançou-se sobre o Ginzuishou, e puxou com força.
            O cristal não se moveu.
            Não, Ryu pensou desesperadamente. Outro atacante, mais um corpo caindo no chão. Ele puxou novamente, mas o Ginzuishou não pareceu mais disposto a se mover que antes.
            - Kuso. - ele rosnou, girando e dando um chute no pescoço de outro youma, derrubando-o. Ryu agarrou o cristal com suas duas mãos, puxando com toda força que tinha. O Ginzuishou não cedeu. - Sai daí. - ele sussurrou, imaginando o que aconteceria se os youmas pudessem cruzar o portal atrás deles. O que aconteceria se eles se mantivessem com o poder de manter uma passagem aberta para sempre entre os mundos.
            O Ginzuishou pulsou, uma luz fraca e rosada. Ainda assim, ele não se moveu.
            Sua Ligação o avisou de um ataque, e Ryu se esquivou, acertando um chute
giratório no tórax do youma, e arremessando-o para trás. Ele lançou um olhar para o Ginzuishou, e se perguntou se ele era como a Ginnoken.
            - Venha. - ele ordenou, agindo como agiria com a Ginnoken. O tesouro que ele comandava era como um mar de energia, só que pronto para ser guiado por seu mestre. Não de uma forma tão simples assim, porém. Como todo mar, Ginnoken possuía uma correnteza, que tentava arrastá-lo e afogá-lo, que tentava queimar Ryu com seu poder mágico toda vez que o Dragon Kishi a usava.
            O Ginzuishou, porém, apenas pulsou fracamente de novo, mostrando uma minúscula parte de seu poder.
            Talvez...
            Ryu virou-se, derrubando mais três youmas com golpes rápidos, depois voltou-se para o Ginzuishou:
            - Venha. - ele falou de novo, só que num tom muito mais leve. - Por favor.
            O cristal brilhou fortemente, e moveu-se para frente com um movimento súbito, parando na mão esquerda de Ryu, sua energia cobrindo-o e desintegrando os youmas próximos a ele. O poder do Ginzuishou era muito mais gentil que o da Ginnoken. Ao invés da corrente forte e pronta para agir da espada, o pequeno cristal parecia muito mais relutante em usar seu poder, quase como se tivesse medo de afetar demais o mundo.
            A mão de Ryu se fechou ao redor do cristal, que agora tinha parado de emitir seu poder, e ele começou a correr.
            Akai tinha levado Ken até a metade do caminho entre o portal e o computador, mas os youmas tinham finalmente cercado-a de tal forma que a ruiva não conseguia avançar mais.
            O Kishi da Lua saltou por cima dos youmas que estavam no seu caminho, não se incomodando em enfrentá-los. Ele tinha pouco tempo.
            Quase cinco segundos depois, ele estava do lado de fora do círculo que prendia Akai e Ken. Ryu atacou com ferocidade, forçando os youmas na sua frente a abrir caminho para ele.
            - Ryu! - Akai suspirou aliviada.
            - Corra para o portal. - ele mandou, afastando um youma ao mesmo tempo que tomava o lugar de Akai para sustentar Ken. A ruiva fez que sim, colocou a katana
nas mãos de Ryu, e pulou na cabeça de um youma, usando-o como apoio para escapar do círculo onde estava. Ryu ergueu seu amigo nos braços, e saltou atrás da sua companheira.
            O portal começou a diminuir, sua energia se esgotando.
            Ryu lançou um breve olhar para a fonte de energia, vendo que muitas das Wands e dos pingentes tinha perdido completamente a cor. Suspirando, ele olhou para frente, a tempo de ver Akai saltar para dentro do portal.
            Um youma agarrou o pé de Ken, mas Ryu cortou fora o braço da criatura, acertando-a com um chute no queixo em seguida. Ele olhou para o portal novamente, vendo que estava do tamanho de uma pessoa.
            Sem pensar duas vezes, Satori Ryu saltou pelo portal negro, levando consigo Kazeno Ken.
            E o portal se fechou.

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