GNU's Not Unix - Entrevista com Richard Stallman
 
O Fundador da Free Software Foundation fala sobre o início do Unix livre e de como o software deve ser livre.

 

Por Robin Hohman

Network World Fusion, 01/11/99

 

Quase 20 anos atrás, Richard M. Stallman, um programador de um laboratório de pesquisa do MIT, queria modificar um software de impressão da Xerox para notificar as pessoas do laboratório quando o papel da impressora estivesse preso ou faltando. Mas a Xerox não liberaria o código fonte. Este incidente por fim levou Stallman a fundar o projeto GNU (GNU’s Not Unix) para criar um rival livre do sistema operacional Unix.

 

Quando Stallman usa a palavra “livre” [free], ele não está referindo-se ao valor monetário. Para Stallman e os outros membros da Free Software Foundation, software livre significa software que pode ser modificado e compartilhado, sem restrições. Stallman chama qualquer outro software de “proprietário,” e ele não possui nenhum deste tipo.

 

No começo desta década, muitos aspectos do sistema GNU estavam prontos, mas o kernel, a funcionalidade central do sistema operacional, não estava. Um estudante finlandês chamado Linus Torvalds construiu um kernel para funcionar com muitos componentes do sistema GNU, dando ao mundo o Linux.

 

Stallman falou semana passada com o editor sênior da Network World, Robin Schreier Hohman, do escritório da Fundação no laboratório do MIT em Cambridge, Massachusetts.

 

Pergunta: Como você se sente quando lê que o Linux foi inventado oito anos atrás por Linus Torvalds...

Resposta: Eles estão errados. Ajude a divulgar a história verdadeira.

P: O que você acha quando lê isso?

A: Estou desapontado que eles tenham entendido errado. Eu acho que eles deveriam dar ao projeto GNU crédito pelo o que fez. Linus Torvalds fez um trabalho importante e ele deve ter crédito por isso. Mas nós devemos ter crédito também.

P: Eu não tenho visto ele falar sobre o projeto GNU também.

R: Bem, ele não deveria nunca. Por que faria isso? Ele não faz o seu trabalho como parte do projeto GNU, simplesmente tornou-se útil junto com o sistema GNU.

P: Mas ele não poderia tê-lo feito sem o projeto GNU.

R: Não. Você não teria um sistema completo se nós não o tivéssemos feito. Ele desenvolveu um componente muito importante, o componente central, de fato, e um componente principal. Mas mesmo um componente principal e essencial é uma pequena parte do sistema. Portanto a razão de que nós temos um sistema completo é por causa do projeto GNU, no qual o propósito era fazer um sistema inteiro. Não acredito que ele estava tentando fazer um sistema completo. Disseram-me que ele queria aprender sobre kernels, e portanto ele fez um kernel. Mas o kernel é uma parte necessária do sistema, e é um trabalho difícil. Mas há outras partes necessárias do sistema que também são trabalhos difíceis, e o projeto GNU estava trabalhando mais ou menos no que estaria um nível acima porque nós fizemos vários programas, mas estes eram apenas etapas no desenvolvimento do sistema, que era o nosso objetivo real.

P: É justo falar que quase tudo no Linux que não é o kernel vem do GNU?

R: Não é correto chamá-lo de Linux. Linux é o kernel, e nada dele vem do GNU. Este é o trabalho do Linus Torvalds. Mas também não é o caso de que todo o resto no sistema foi desenvolvido pelo projeto GNU. Não era um projeto para fazer pedaços. Era um projeto para fazer um sistema completo. Se você está fazendo um sistema livre completo, é lógico usar qualquer programa individual existente que possa ser útil, e nós encontramos muitos programas que existiam que poderiam servir como parte do sistema GNU e não tínhamos que escrever um, portanto nós não o fizemos, porque nosso objetivo era produzir um sistema completo, e não escrever cada pedaço individualmente deste sistema.

Portanto o que nós temos são várias pessoas diferentes que escreveram programas gratuitos individualmente por uma razão ou outra, que se mostrou utilizável como parte do sistema. E então você tinha um projeto que era diferente: o projeto GNU. Porque ele não era apenas escrever um programa para fazer um trabalho ou outro. Na verdade ele era o projeto que pretendia fazer um sistema inteiro. E esta é a causa de nós termos este sistema.

P: Então o que as pessoas chamam de Linux...

R: É na verdade o sistema GNU. Com o Linux colocado como kernel. Eu chamo de GNU/Linux, para expressar que ele é uma combinação do sistema GNU e Linux, e porque... seria incorreto tentar negar o crédito do Linus.

P: Você é amigo de Torvalds?

R: Eu não o conheço muito bem. Só o encontrei algumas vezes.

P: Você já perguntou a ele por que o sistema não é chamado GNU/Linux?

R: Não. Nós discordamos bastante em coisas filosóficas. Por causa disso e por causa da sensação que tive quando falei com ele, decidi não levantar esta questão. Não acho que ele seria simpático.

P: Você quer dizer do por que Torvalds deveria dar crédito ao GNU? Porque é a verdade.

R: Eu simplesmente não acredito nisso. Eu não sei o que ele iria dizer. Eu não quero falar por ele.

P: Como é que vocês não se falaram muito desde que o Linux ficou...

R: Bem, eu gosto de falar, mas em outros lugares. Com outras pessoas. Nós temos uma página na web e eu tenho discussões na Internet sobre isto de tempos em tempos, e eu falo sobre isso toda vez que eu dou um discurso.

P: A maioria das pessoas fica surpresa? Ou as que vão ouvi-lo já sabem disso?

R: Elas ficam surpresas. Elas nunca poderiam adivinhar qual foi a real história, porque estão falando a elas uma história que não se encaixa nisso. O verdadeiro assassino é a ambigüidade.

P: Existe alguma maneira rápida de descrever o que é o kernel?

R: O kernel é a parte do sistema que controla todos os outros programas que estão rodando separados um dos outros. Você inicia um programa, o kernel cria um processo e este carrega o programa, e ele mantém os vários processos separados uns dos outros para que cada um tenha sua própria memória. E ele também controla a leitura e escrita de arquivos. Portanto o kernel é definitivamente um componente central e essencial, mas há muitos componentes centrais e essenciais. Algumas pessoas comparam o kernel ao coração do sistema. O que de certa forma é correto porque o sistema não pode viver sem um coração, mas você também não pode viver sem pulmões, estômago e rins, e você não pode viver sem um cérebro e não pode viver sem um fígado. Assim, há muitos órgãos essenciais no sistema.

P:  E foi só uma questão de tempo antes que o kernel fosse desenvolvido?

R: Tenho certeza que sim. Por outro lado, eu não gostaria de denegrir uma pessoa por ter escrito o kernel. Eu não gostaria de denegrir a contribuição que é. Alguma outra pessoa teria feito isso, mas de fato ele o fez. O ponto é que há uma diferença entre escrever um componente essencial, escrever um programa que se mostra ser um componente essencial do sistema, ou tomar o objetivo maior de fazer um sistema completo.

P: Agora você usa o GNU/Linux? Você usa o kernel?

R: Sim, com uma barra. Porque o significado da barra é o de duas coisas justapostas.

P: Você acha que em algum momento só o kernel teria colocado tudo em movimento que aconteceu com Linux nos últimos seis meses?

R: Não acredito nisso. Sem o sistema todo você não tem algo que possa rodar. O que você tem são peças que você pode usar com outra coisa. O crucial foi ter todo o sistema. E isso realmente aconteceu alguns anos atrás, porque o kernel era a última peça que faltava. Portanto quando houve o kernel houve tudo.

P: E o que você pensa que é responsável pelo repentino foco corporativo nele?

R: Quem sabe? Eu não posso saber o que interessa às pessoas. O uso está crescendo, e o Eric Raymond fez um trabalho efetivo de chamar a atenção ao software livre, embora ele o chame de outro nome. Mas o resultado é isto, é normal. Se um movimento ganha velocidade, se você olhar em um ano ele pode ter mais atenção do que no ano anterior.  Pode se tornar apenas uma moda passageira, ou pode sustentar-se. Eu não sei.

P: Você acha que parte disso pode ser um movimento anti-Microsoft?

R: Pode ser que sim. Você sabe, no meu ponto de vista, é claro, a Microsoft é um assunto à parte. Mas muitas pessoas estão procurando uma maneira de lutar contra a Microsoft, e ela está, algumas pessoas dizem, procurando alguma desculpa para dizer que não tem um monopólio, e por dizer o quão temerosos estão do “Linux,” talvez eles percebam isso e então consigam convencer as pessoas que eles não são um monopólio e nada deveria ser feito a eles.

Para mim, a Microsoft em particular é somente um caso à parte. O ponto é, as pessoas têm liberdade para compartilhar e mudar o software ou não? Software proprietário baseia-se em subjugar o usuário. Se você está somente interessado em coisas materiais em curto prazo, então pode valer a pena ser subjugado por um tempo e ter o trabalho feito. Talvez você pense valer a pena ser subjugado toda a sua vida, e você faz o trabalho.

Mas eu acho que é mais importante a questão de como iremos viver, que tipo de sociedade vamos ter, e a sociedade do uso do software proprietário não é o tipo de sociedade da qual eu gostaria de fazer parte. É por isto que eu fundei o projeto GNU: para fazer um sistema operacional livre. Não quero ter nada a ver com software proprietário.

P: Você pode estimar o número de pessoas que trabalharam no GNU nos últimos 15 anos?

R: Não tenho como saber. Eu poderia ser capaz de contar o número de pessoas no arquivo de voluntários, mas eu não sei quantos deles fizeram muito trabalho. Provavelmente há centenas, mas eu não sei quantos deles fizeram um verdadeiro trabalho, e nem todos que fizeram um grande trabalho estão lá.

P: O artigo da MIT Technology Review está preciso?

R: Não, há muitos, muitos, muitos erros. Não acredite em tudo nele sem verificar.

P: Você tem síndrome do túnel do carpo?

R: Eu nunca tive síndrome do túnel do carpo. Eu tive problema nas mãos.

P: Você consegue programar agora?

R: Sim. Porque meu problema não é síndrome do túnel do carpo, e as coisas que me ajudam não são as coisas que ajudam a síndrome. O que eu preciso é um teclado com um toque suave, e eu o tenho, então agora eu mesmo posso digitar. Mas eu não pude durante muitos anos. Achei teclados adequados, e eles não são teclados com formas engraçadas ou qualquer coisa assim, são teclados de forma comum, eles somente possuem teclas que você não precisa apertar com muita força.

P: Fale-me sobre o GNOME.

R: O GNOME é parte do projeto GNU.

P: Ele será uma interface gráfica?

R: Sim.

P: Como ele é diferente do KDE?

R: Há algumas diferenças. O KDE é baseado em C++. Não gostamos do C++, então nós o fizemos de modo que você possa usar várias linguagens. Você pode usar C++ se quiser com o GNOME, mas não assumimos que você irá escrever em C++. É largamente baseado em Scheme, que é um dialeto do LISP. O LISP é a mais poderosa e limpa linguagem, é a linguagem que o projeto GNU sempre tem preferência.

Os toolkits que você tem que usar têm interfaces com várias linguagens diferentes, você pode fazer sua escolha. Outra diferença é que o KDE é baseado em uma biblioteca chamada Qt,  e recentemente os desenvolvedores do Qt anunciaram uma mudança de licenciamento que o torna software livre. Eu não sei se eles realmente o lançaram sob esta nova licença ou não. Mas até pouco tempo atrás, simplesmente não era software livre, e isto significava que o KDE era inútil para software livre. Porque para executá-lo você tinha que usar um programa não-livre. Isso era totalmente inaceitável. De fato uma grande quantidade do ímpeto para iniciar o GNOME era para sair da armadilha que foi formada pelo KDE. Você tinha um grande número de desenvolvedores de software livre forçando o uso de um software não-livre, e ativamente recrutando mais pessoas a ficarem envolvidas. Estava produzindo um mal resultado. Nós tínhamos que fazer algo sobre isso. E o que nós fizemos, bem, algumas coisas. Nós iniciamos um  projeto para fazer um substituto compatível do Qt e também o GNOME.

P: Quando o GNOME teve início?

R: Um ano e meio atrás.

P: Você tem idéia de como isso irá estimular a aceitação do GNU/Linux?

R: Eu não posso prever o futuro. Espero que sim, é tudo que posso dizer. Eu quero que ele faça isso.

P: Quando você fala às pessoas que o estão usando ou desenvolvendo, é algo que está sendo necessário?

R: Ah, sim. Está claro que precisamos disto. O Unix sempre teve a reputação de ser difícil de aprender, e o objetivo do GNU era fazer um sistema que fosse compatível com o Unix. E é isso que nós temos. Portanto é tão poderoso quanto o Unix e é tão fácil de aprender quanto o Unix. Então precisávamos fazê-lo mais fácil de aprender.

P: O que você pensa de empresas como Red Hat ou Caldera?

R: Em geral a Red Hat está fazendo uma boa coisa. Eles estão ganhando dinheiro distribuindo software livre e estão gastando dinheiro desenvolvendo mais. O que eu acho que a Red Hat não está fazendo certo é quando eles colocam software não-livre no disco. Eles têm um conjunto de discos chamados Red Hat Power Tools que são todos de software livre. Se você quiser comprar Red Hat, compre estes.

P: Mas alguns dos softwares são não-livres?

R: Em sua distribuição mais popular, sim, alguns deles não são livres. E é por isso que eu digo que você não deveria usá-los. Se você quer comprar o sistema da Red Hat, compre a versão que não tem software proprietário.

P: E sobre a Caldera?

R: A Caldera é muito pior. Eles colocam muito mais softwares não-livres. Eles têm um papel muito mais importante na versão do sistema deles. Eu digo que a melhor destas distribuições é a Debian. Porque a Debian tem uma política bem clara e firme sobre software livre. A Red Hat não tem uma política tão firme, mas eles têm uma posição. Eles disseram que eles não incluiriam nenhum software não-livre no coração do sistema.

P: E SuSE?

R: Eles são os piores. Eles estão um pouco melhor do que eles costumavam ser, mas a sua política era a de que eles queriam misturar o mais perfeitamente possível software livre e não-livre, e fazem o melhor para que seus clientes não percebam a diferença. Eles não querem afligir ninguém com pensamento sobre liberdade ou o que é certo ou errado. Eles só querem dizer “veja todas estas coisas convenientes que nosso sistema pode fazer.” Eu falei isso para eles e eles disseram que isto era o objetivo. Bem, supostamente uma nova versão lhe dá o direito de instalar somente os softwares livres. Eu não vi os detalhes.

P: Fale sobre as origens do GNU com você e a Xerox.

R: Isso aconteceu quando eu acordei para o que era usar software proprietário. A Xerox não iria dar o código fonte ao laboratório, e como resultado nós não podíamos adicionar a função que iria notificar as pessoas quando a impressora estivesse fora do ar e pedir a elas que corrigisse o fato, quando estivesse sem papel ou com papel preso. Nós queríamos adicionar uma coisa dizendo onde ela poderia achar as pessoas procurando uma impressão e dizer a elas “ei, a impressora ficou presa, vá consertá-la.” Porque desta maneira ela ficaria consertada, e continuaria imprimindo. E o que aconteceu foi que eu encontrei alguém que tinha o código fonte para este programa, e eu pedi uma cópia a ele e ele recusou-se a dá-la para mim.

P: Por quê?

R: Ele me disse que prometeu não me dar uma cópia. E pior do que isso, ele prometeu não dar uma cópia a você também. Ele prometeu não ser cooperativo comigo, com você, e com qualquer outra pessoa no mundo. A razão pela qual isso foi significante foi que quando alguém me pediu para assinar um contrato de confidencialidade eu lembrei do que era ser uma vítima de um, e eu disse que não poderia fazer isso.

P: E no que você estava trabalhando naquele tempo?

R: Naquele tempo eu estava trabalhando para o MIT, aprimorando o sistema, eu vi que existia um problema de que a impressora era difícil de ser utilizada porque ficava com papel preso muitas vezes, e ela não seria consertada. E as pessoas teriam que esperar por um longo tempo pelas suas impressões. Isto não deveria demorar tanto. Eu queria resolver o problema, mas fui impedido de resolvê-lo pela Xerox. Por causa da recusa da Xerox em deixar que tivéssemos os recursos de resolver o problema. Porque o código fonte era secreto.

P: Isto foi em 1983, 1984?

R: Isto foi antes, provavelmente em 1981, talvez 1982, eu não sei exatamente. Em 1983 eu sei que seria muito tarde porque então eu já estava pensando no projeto GNU.

P: Mas então como as pessoas podem viver disso?

R: Primeiramente, isto é uma questão secundária.

P: Mas é uma questão real.

R: Não, o importante, se uma pessoa diz que eu só posso viver sendo anti-social, isto não é desculpa. Ou se uma pessoa diz que a única maneira que eu posso tirar meu sustento como programador é fazendo esta coisa anti-social, então a resposta é vá encontrar outro trabalho. Há milhões de pessoas que não são programadores nos EUA, não é como se qualquer um teve que escolher entre ser programador ou morrer. Se uma pessoa teve que fazer esta escolha eu iria perdoá-la. Se alguém pegou uma arma e apontou para mim e disse escreva software proprietário ou eu irei atirar, eu acho que, sob estas circunstâncias, eu estaria justificado em escrever algum software proprietário, embora eu acho que seria com muitos erros e nunca iria funcionar com confiança.

P: Mas você não é contra vender software.

R: Pense na definição precisa de vender. A Free Software Foundation vende software. Eu não sou contra vender. Eu sou contra restringir o usuário. Vender software é trocar uma cópia por dinheiro. E eu absolutamente não tenho nada contra isso. Mas normalmente o negócio que faz isso também restringe o usuário. E isto eu não irei aceitar. O resultado é que se eles irão restringir o usuário, então eu não irei aceitar o software deles. Eu não irei pagar por isso e não iria aceitá-lo gratuitamente também.

P: Mas você não teria um problema, vamos dizer, com uma empresa de software que não restringisse o usuário, mas que ao mesmo tempo vendesse o software?

R: Absolutamente. De fato, eu sou o presidente de uma organização sem fins lucrativos que faz precisamente isto.

P: E esta é a Free Software Foundation.

R: Sim.

P: Então você não teria um problema com a Microsoft se ela abrisse o código para tudo?

R: Se eles tornassem isso software livre... e por favor não use o termo “código aberto” quando você estiver falando sobre o projeto GNU porque nós não iremos endossar isso. Mas, sim, se a  Microsoft quisesse tornar-se uma companhia de software livre e ganhar dinheiro vendendo suporte, eu a desejaria sucesso.

O que eu tenho contra a Microsoft é a criação de software não-livre, a mesma coisa que tenho contra a Sun, a mesma coisa que tenho contra qualquer companhia de software que você possa nomear. Eu não acho que a maioria das pessoas que você irá encontrar tem raiva da Microsoft em particular, eu não tenho. Eu não aprovo a Microsoft, mas pela mesma razão que desaprovo todos os seus competidores. Portanto é um ponto de vista bem diferente para eu dizer que os outros são tão ruins quanto ela.

P: E sobre a Netscape?

R: Bom, a Netscape fez algo que não era simples. Ela tornou uma versão do browser software livre, e acho que isso é bom. Por outro lado, a Netscape tem produtos de software proprietários, como o servidor. E não acho que isso seja bom. Quando alguém ou uma companhia está fazendo várias coisas diferentes, eu terei que julgar cada ação separadamente. Não irei simplesmente julgar alguém e dizer que algo o faz ser bom ou ruim independentemente de qualquer outra coisa que ele faça.

P: Eu estava interessado em ler quando você falou sobre a SPA, a pirataria e coisas deste tipo. Eu penso das duas formas a respeito disso. Se eu dou a você uma cópia do Office 97, é uma cópia que você pode não ter comprado, ou talvez você possa tê-lo comprado. Portanto em um sentido você está privando a Microsoft da receita, e em outro você não está.

R: Basicamente eu não penso que importa se você está privando a Microsoft ou alguma outra empresa da receita. Em outras palavras, eu não penso que isto deveria ser o fator determinante em que tipo de sociedade nós vivemos.

P: Mas é quase como você dizer que nós temos direito ao software.

R: Nós temos direito a compartilhar o software uns com os outros, sim.

P: Por quê?

R: Porque é um ato natural de amizade e nada justifica restringi-lo. Você sabe, o normal é que eu não tenha que mostrar uma razão do por quê merecemos este direito. A dificuldade da prova está no outro lado, de quem quer restringir-nos.

P: Nós não temos direito a usar o produto de outra pessoa ou qualquer coisa que ela possua.

R: Bom, eu não sei. Aqui você está misturando as coisas. Atualmente, há uma política de criação de monopólios de programas e tipos de propriedades abstratas, o que é uma restrição sobre o que as pessoas podem fazer com elas. Eu não acredito que isso seja justificável, e não irei aceitá-la. É por isso que decidi escrever software livre.

P: Quando você faz distinção entre cerveja grátis em oposição a software livre, isto significa que você não tem problemas em comprar hardware?

R: Nenhum. É uma questão totalmente diferente. É interessante que as palavras que as pessoas usam levam a um pensamento distorcido. Muitas pessoas pensam que quando estão falando sobre algo como copyright é a mesma coisa de quando alguém deveria poder ter um sanduíche, exceto por ser algo de um tipo diferente. Isto está errado. Na verdade é um assunto diferente para a mesma coisa. Deixe-me explicar. Imagine que exista um CD-ROM. Este CD-ROM pode pertencer a alguém, pode ser sua propriedade. O que isto significa? Significa que seria errado alguma outra pessoa fazer uso deste CD-ROM. Agora, vamos ver a questão do software neste CD-ROM ser livre. É uma questão totalmente diferente. É sobre se alguém poderia fazer uma cópia deste CD-ROM. Uma está correta se alguém pega o CD-ROM, a outra está correta se alguém o copia. São duas questões diferentes sobre a mesma coisa.

P: Uma analogia seria, se eu escrevesse um livro, você não tem direito de pegar este livro, o papel físico.

R: Exatamente. Se você tem uma cópia de um livro, e eu a pego de você e não a devolvo, seria errado. Você não poderia lê-lo. Você não poderia emprestá-lo. Você seria prejudicado.

P: Mas e sobre o autor, não seria prejudicado quando você copiasse este livro e desse para outra pessoa?

R: Você não estaria sendo prejudicado. Você pode não estar recebendo o que gostaria de receber, mas a idéia de que isto o está prejudicando, bem, isto é baseado em... chamar isso de prejudicar o autor é pressupor uma resposta à questão. E eu não aceito esta resposta para a questão. Você tem que entender que o copyright nos EUA não é baseado nestes argumentos de qualquer maneira. A Constituição rejeita estes argumentos. De acordo com ela, o copyright não é um direito. Esta visão foi rejeitada quando a Constituição foi escrita. Ao invés disso, o copyright é uma restrição artificial desenhada para promover o progresso.

Então a questão é se o progresso que você promove desta maneira vale os problemas que são causados. E lembre-se que o copyright foi inicialmente criado na era da impressão em papel. Nesta era, os problemas eram mínimos porque os leitores normais não possuíam prensas. Eles não perdiam nada verdade com o copyright. Não restringia nada que eles pudessem fazer. Somente restringia coisas que os editores e autores poderiam fazer. É isso que faz o copyright um bom acordo. Copyright é considerado um acordo. O público abre mão do seu direito natural de copiar coisas, e a justificativa para isso supostamente é o benefício do crescente progresso.

Bom, isto estava bem com a tecnologia de impressão em papel, porque nós estávamos  abrindo mão de direitos que não poderíamos efetivamente fazer uso, portanto não foi uma perda. E não tornava a sociedade ruim. Não afetava a natureza da nossa sociedade, para os leitores. Mas isso não é verdade agora, na era da rede de computadores, o efeito das restrições do copyright é diferente. Em vez de serem restrições apenas para editores, são restrições para os leitores. E é isso que as fazem ruins. Agora têm um efeito danoso que não tinham antes.

Se eu voltasse à era da impressão em papel, eu não seria contra o copyright. Eu diria, ah, parece um bom acordo porque não estamos abrindo mão de nada na realidade. Mas desde que você tenha um computador e uma rede, então você está abrindo mão de algo tremendamente importante. E que é a possibilidade de fazer o tipo mais natural de cooperação, com seus amigos.


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Traduzido por Erik Kohler. <ekohler at programmer.net>


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