ASPECTOS
ÉTICOS E LEGAIS DA ASSISTÊNCIA DE ENFERMAGEM
NO
PERÍODO PERI-OPERATÓRIO* .
** SANTA ROSA, Darci de Oliveira
*** VIEIRA, Maria Jésia
**** VIETTA, Edna Paciência
Trata-se de um
estudo teórico, que visa oferecer subsídios sobre aspectos Éticos e Legais que
envolvem a assistência de enfermagem e que requer eficiência, segurança e
presteza, buscando abordar essa prática, tendo como respaldo a legislação de
enfermagem e paradigmas bioéticos.
Considerando que
o peri-operatório é caracterizado como aquele período que envolve: limpeza,
desinfecção e montagem de sala, o momento da admissão do paciente no Centro
Cirúrgico, a revisão pré-operatória, a indução anestésica, o posicionamento na
mesa, o ato cirúrgico, a recuperação pós anestésica e a alta
anestésico-cirúrgica, e que tais situações envolvem necessidades de segurança,
prevenção de infecções e de complicações, buscaremos refletir sobre aspectos
Éticos e Legais que envolvem a assistência de enfermagem no referido período.
Na assistência
peri-operatória é de fundamental importância, como condição inicial à decisão
operatória o consentimento informado,
que, além de estar estabelecido na Carta de Direitos do Paciente, Inciso 3
(OPAS, 1990), é reforçado pelo Código de Defesa do Consumidor, (BRASIL, 1990)
no destaque dado à informação correta, completa e adequadamente transmitidas
pelo médico, para que ele possa dar seu consentimento, exceto nos casos de urgência.
O Código de
Ética dos Profissionais de Enfermagem no Artigo 26, afirma que é “dever de prestar adequadas informações à
respeito da assistência de enfermagem, possíveis benefícios, riscos e
conseqüências que possam ocorrer” e o Artigo 27, “o dever de respeitar e reconhecer o direito do cliente de decidir sobre
sua pessoa e seu bem-estar” (COFEN, 1993;9).
Na assistência
de enfermagem peri-operatória o paciente tem o direito de exigir uma
assistência de qualidade, que o proteja contra os riscos de vida, de integridade
física e mental, e o torne capaz de participar efetivamente das medidas que
visem melhorar a qualidade de sua vida (SCHMIDT, 1993).
Ao ser admitido
no Centro Cirúrgico o cliente tem o seu prontuário revisto, em busca das
condições que assegurem uma assistência livre de riscos, estabelecida em seu
Código de Ética, Art. 24 (COFEN, 1993).
Nesse momento a existência e confirmação do consentimento informado é fator
decisivo para o andamento do processo cirúrgico. A revisão biopsicológica e
emocional do paciente no peri-operatório, também denominada de revisão
pré-operatória é fator de segurança e qualidade na assistência de enfermagem,
fazendo parte da responsabilidade profissional, “uma Ética que busca o respeito pela dignidade humana, o respeito pela
pessoa e por seus direitos entre os quais está o direito à saúde”(PESSINI e
BIANCHI, 1990; 2).
É nesse momento
que a presença da enfermeira é decisiva, jamais delegando esta responsabilidade
a outro profissional, o que pode gerar graves repercussões na prática, pela
justificativa de acúmulo de trabalho em prejuízo de suas funções específicas.
É durante o
período da indução anestésica e posicionamento na mesa cirúrgica que o cliente
fica fragilizado e vulnerável, exigindo da equipe de saúde respeito à sua
individualidade e privacidade.
ALARCÓN (1991),
em conferência sobre a profissão de enfermagem no contexto mundial, lembra que
“as enfermeiras fortalecerão seu papel de
advogado da pessoa e comunidade para que se atendam integralmente suas
necessidades e respeitem os direitos dos usuários nos programas e instituições
de atenção à saúde”(p.54).
Durante o ato
cirúrgico, exige-se “o respeito pelo
paciente que ali está deitado, totalmente vulnerável e confiando na competência
dos profissionais, (...), como o valor ético mais alto dentro da sala de cirurgia”(PESSINI
e BIANCHI, 1990;5).
O exercício da
enfermagem sempre está fundamentado nos princípios da confiança, pois é
essencial que o paciente tenha a certeza de que as equipes de enfermagem e de
saúde guardarão as informações que recebem sempre em caráter confidencial.
Situações como o
excesso de pessoas na sala de cirurgia com maior movimentação do ar, assim como
entradas e saídas freqüentes das mesmas, principalmente nos hospitais de ensino
são referenciados por VIEIRA (1985), quando cita trabalho realizado por Cunha,
onde ficou evidenciado que o “ aumento do
número de pessoas e sua movimentação na sala de operações, eleva a contaminação
da sala a níveis altos”. Esta situação diz a autora, “deve alertar a enfermagem do Centro Cirúrgico para (...) , impedir a
entrada de pessoas estranhas ao ato cirúrgico, e que muitas vezes desconhecem
os princípios fundamentais da assepsia cirúrgica”(p.194).
Para o paciente
o fato de ficar descoberto e perceber comentários estéticos sobre sua pessoa,
esse desrespeito pelo seu pudor caracterizam invasão de privacidade e levam-no
à situação também de ver tolhida a sua liberdade(PESSINI e BIANCHI,1990). E o
Código de Ética dos Profissionais de Enfermagem (1993) determina em seus Art.
28 e 29 respectivamente, “respeitar o natural pudor, a privacidade e a
intimidade do cliente”; “manter
segredo sobre fato sigiloso de que tenha conhecimento em razão de sua atividade
profissional, exceto nos casos previstos em Lei”(p.10).
Quando o Código
de Ética determina a manutenção do sigilo profissional, vale lembrar que as
ocorrências anestésico-cirúrgicas devem ser registradas pela enfermagem e pelo
anestesista, considerando que erros acontecem, mas silenciar o erro é crime - de conspiração do silêncio - o qual
decorre “de responsabilidades solidárias,
passiva ou ativa e falsidade ideológica, e o objeto jurídico é a incolumidade
do indivíduo”, entendida aqui como a proteção da pessoa com a tutela da
vida e abrangência à integridade física e psíquica (OGUISSO, 1987;9).
SCHMIDT (1993),
falando sobre o campo do direito, refere que
“são considerados crimes: deixar de alertar sobre a periculosidade do serviço a
ser prestado; fazer afirmação falsa ou enganosa, ou omitir informação relevante sobre a natureza, característica,
qualidade, quantidade, segurança, desempenho, durabilidade, preço e garantia de
produtos ou serviços; impedir ou dificultar o acesso do consumidor às
informações que sobre ele constem em cadastros, bancos de dados, fichas e registros (prontuários)”(p.78-9).
Estes, e outros
crimes capitulados no referido Código de Defesa do Consumidor, conforme refere
a citada autora, podem ser culposos, quando praticados por imprudência,
negligência ou imperícia, ou dolosos, quando são cometidos com a intenção de
causar danos.
Ainda sobre o
mesmo tema, VIEIRA (1985) lembra que, em relação aos registros em Centro
Cirúrgico, “inúmeros são os pacientes que, tendo apresentado problemas
durante o trans operatório, são depois enviados à unidade de internação, sem
uma única referência, e sem elementos que possibilitem a implementação de
cuidados compatíveis com o seu estado, facilitando, portanto, a incidência de
complicações pós operatórias”(p.197) .
Do ponto de vista ético e legal, tanto o médico quanto a enfermeira
“têm obrigação
(...) de registrar claramente as ocorrências médicas, na ficha do paciente.
Este documento confidencial é a memória dos problemas do paciente para duas
finalidades: 1 - Assegurar uma imagem do registro continuado fornecendo assim
aos serviços (ou ao tribunal) o desenrolar das tendências e o curso do processo
terapêutico. 2 - Assegurar uma ficha semelhante para cuidados posteriores de
saúde. Como tal, é obrigatório fornecer todos os fatos pertinentes a respostas
adversas da conduta terapêutica (...). necessário é a descrição real dos fatos
e não uma retratação opinativa. O registro da seqüência de ocorrências, geradoras
dos fundamentos das decisões, e das respostas terapêuticas, contribui muito
para esta memorização (...). O médico (outro elemento da equipe) “jamais deverá
alterar o registro a posteriori para justificar atuação fundamentada em conhecimento
posterior. É um registro de cada momento”(NORTON e NORTON, s/d;20-30).
Na situação de
Centro Cirúrgico, se o enfermeiro registrar (...)horário de cirurgia e/ou de
anestesia diferente do realizado; nome de cirurgião ou assistentes que não
efetuou o ato cirúrgico, ou consumo de material e medicamentos, diverso do que
devia constar, “simplesmente alterando a
verdade sobre fato relevante, já constituiria crime de falsidade ideológica”(SCHMIDT
e OGUISSSO, 1986;19).
O respaldo legal
para o exercício da enfermagem, nestas circunstâncias, encontra-se no Capítulo
I, nos Artigos. 1 o ,, 4 o e 6 o, que
estabelecem como Princípios Fundamentais: o compromisso com a saúde do ser
humano e da coletividade nas ações de promoção, proteção e recuperação da saúde,
reabilitação de pessoas; e o exercício com justiça, competência,
responsabilidade, honestidade, autonomia além do respeito aos preceitos éticos
e legais da profissão(COFEN, 1993).
Percebe-se que a
prática da enfermagem busca seguir o princípio da totalidade ou terapêutico,
considerando sempre o Código de Ética ou a liceidade, assim como os Princípios
da sacralidade ou da liberdade, o da responsabilidade ou inviolabilidade da
vida e o Princípio das virtudes, em particular a justiça. CORREIA (1995),
esclarece que:
O “princípio da totalidade ou princípio terapêutico: é na verdade, o que
rege toda liceidade e obrigatoriedade da terapia médica e cirúrgica. (...) Entre
as condições para sua aplicação, exige-se:“ que não haja outros modos ou meios
para deter a doença; que haja uma boa possibilidade e proporcionalmente alta
para o êxito”(p.80) .
O princípio da
liberdade e da responsabilidade regem que : o
assumir a própria vida é condição indispensável para o exercício da
liberdade “(...) Médico e paciente ‘são responsáveis pela vida e pela saúde, seja
como bem pessoal, seja como que se trate de intervenção sobre a parte doente ou
que é causa direta bem social”(p.78-80) .
A Lei 7.498 de
25 /6/ 1986, (BRASIL, 1986) que dispõe
sobre o exercício profissional da enfermagem e seu Decreto, publicado em 8 /6/
1987, atribuem, respectivamente entre as responsabilidades do enfermeiro “a prevenção e controle sistemático de danos
que possam ser causados à clientela durante a assistência de enfermagem”(art.
11, inc. 2, al. f.) e “ prevenção e controle da infecção hospitalar” (art.8,
inc.2, al. e). Já o Código de Ética (COFEN, 1993) deixa claro, no Artigo 16 a responsabilidade de “ assegurar ao cliente uma assistência de
enfermagem livre de danos decorrentes de imperícia, negligência ou imprudência”
e no Artigo 20 o “ responsabilizar-se por
falta cometida em suas atividades profissionais, independente de ter sido
praticada individualmente ou em equipe” (p.9) .
A atividade
durante o ato cirúrgico exige objetividade e uma comunicação empática, porém,
observa-se que a comunicação não verbal fala mais alto, e não se tem tempo para
longos pensamentos. Por outro lado o relacionamento interprofissional entre os
elementos da equipe cirúrgica, pode favorecer comportamentos que causam tensões
e possibilidades de erros por negligência, imprudência ou imperícia, os quais
podem levar ao homicídio culposo ou não intencional.
Os atos lesivos
contra a vida como o induzimento, instigação ou incentivo ao suicídio podem
ocorrer em decorrência de comentários estéticos sobre o paciente, conversas paralelas da equipe e discussões de
problemas profissionais enquanto o paciente se encontra anestesiado (SCHMIDT e
OGUISSO, 1986).
São atos de
periclitação da vida e da saúde: o perigo de contágio de moléstias graves,
quando não são assegurados os princípios da técnica asséptica; o abandono do
paciente anestesiado na sala de operações sem a garantia da continuidade da
assistência; a omissão de socorro e maus tratos quando o paciente apresenta
alterações hemodinâmicas e estas são pouco valorizadas pelas equipe ou, quando
sob a influência do ar condicionado, permanece com os campos úmidos sem que haja
indicação cirúrgica para tal (SCHMIDT e OGUISSO, 1986).
A
falsidade ideológica é caracterizada “quando
alguém altera uma idéia de um documento ou o seu conteúdo, sem alterar a forma
material desse documento. Pode ser praticado por omissão ou comissão; por
omissão, quando se omite uma declaração que devia ser feita; por comissão
quando se insere ou se faz inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser
escrita”(SCHMIDT, 1986;19).
Operado o
paciente, resta ainda ao enfermeiro de Centro Cirúrgico um sério problema, qual
seja o da observação do paciente fora da sala de cirurgia antes de envia-lo à
unidade de internação (...) “Além da
falta de condições que tem apresentado a maioria dos nossos hospitais por não
disporem de um local para recuperação pós anestésica, não se prevê, nas escalas
de serviço, pessoal responsável por esta tarefa. A conseqüência disto será a
exposição do paciente a riscos e
acidentes além de uma assistência precária e prejudicial” ocasionando mal praxis (VIEIRA, 1985;197).
Na sala de
recuperação lidamos com complicações de todo o processo anestésico
cirúrgico(...)
“O princípio básico absoluto do agravo
jurídico é que o agente ativo, ou seja, o responsável pelo erro, é o
responsável pelas conseqüências de seus atos. Isto significa que nossas
obrigações profissionais incluem atendimento continuado, o tempo necessário
para controlar as conseqüências ou complicações do período anestésico”. (...)
“A deficiência de atendimento é abandono. Assim, falha em continuar atendendo é
abandono”(NORTON e NORTON, s/d;30) “ou negligência.”(UREÑA e RODRIGUES,
1994;32).
“A partir do momento
em que há fatos praticados com “negligência, imprudência ou ignorância das
coisas que se devem necessariamente saber, a responsabilidade do Direito Comum
existe e a competência da Justiça está aberta”(OGUISSO e SCHMIDT, 1985;174).
Tal situação,
alerta ao enfermeiro, que o seu atuar não está desvinculado do agir do
homem comum reforçado pelo Código de Ética dos Profissionais de Enfermagem
quando proíbe atos negligentes, como: “abandonar
o cliente em meio a tratamento sem a garantia da continuidade da assistência”; - atos de imperícia e/ou imprudência
como: “administrar medicamentos sem se
certificar da natureza das drogas que o compõem e da existência de risco para o cliente”; “executar prescrições terapêuticas quando contrárias à segurança do
cliente”. Assim como “ser conivente
com crime, contravenção penal ou ato praticado por membro da equipe de trabalho, que infrinja
postulado ético profissional”(COFEN, 1993; P.11-2).
Diante dessas
considerações e buscando solucionar ou minimizar o sofrimento do cliente da
maneira menos agressiva possível acreditamos, que é indispensável discutir e
ponderar sobre crenças, valores, faltas por, omissão, negligência, desrespeito
ao cliente ou à princípios éticos e legais, pois tais situações(...) “ exigem união e podem corresponder à luta
inicial pela busca de uma assistência com ética”(...) “Ética na assistência de enfermagem é lutar por uma assistência com
qualidade, pela vida, pelo direito de cidadania e por uma morte com
tranqüilidade e dignidade”(GUIDO, 1995; 103-6).
A estrita observância aos preceitos éticos e ao Código de Ética em
enfermagem poderá assegurar ao paciente no peri-operatório uma assistência mais
humanizada e responsável. A enfermeira deve assumir o papel de advogada da
pessoa visando o atendimento às suas necessidades , às do paciente e de fazer
respeitar os direitos de todos os envolvidos.
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* Trabalho inscrito no II CONGRESSO INTERNACIONAL DE ENFERMAGEM MÉDICO-CIRÚRGICA, Portugal, Coimbra- 13 a 15/3/1997. (AEEEMC).
** Professora do Departamento de Enfermagem Médico-Cirúrgica e Administração em Enfermagem da Escola de Enfermagem da Univ. Fed. da Bahia- UFBa - Doutoranda do Programa Interunidades de Doutorado em Enfeermagem da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto Univ. de S. Paulo-USP - Convênio UFBa - S.P.-BRAZIL.
*** Professora do Departamento de Enfermagem e Nutrrição do Ceentrro de Ciências Biológicas e da Saúde da Univ. Fed. de Sergipe. Doutoranda do Programa Interunidades de Doutoramento em Enfermageem da Escola dee Enfeermagem dee Ribeirão Preto- Univ. S. Paulo- USP Convênio UFBa. - S.P. - Brasil
**** Professora Doutora Titular do Departamento de Enfermagem Psiquiátrrica e Ciências Humanas da Escola de Enfemagem de Ribeirão Preto- Universidadee de S. Paulo - USP, S. Paulo - Brasil.