O PATRONO DA ESCOLA
João de Deus, nascido em S. Bartolomeu de Messines (Algarve) a 8 de Março de 1830, depois dos estudos elementares na sua terra, dirigidos pelo cura da freguesia, foi em 1849 para Coimbra onde frequentou a faculdade de Direito.
No meio das gerações académicas João de Deus passava despercebido,
destacando-se apenas pela sua natureza contemplativa e apática . Os que
o conheciam melhor adivinhavam nele pelas manifestações afectivas do
seu caracter, um sentimento estético, que se manifestava ora pelos traços
graciosos do desenho à pena ora pelos improvisos melódicos na inseparável
viola de arame.
Era uma alma de artista sem visão clara do seu destino.
Por esses dons referidos que nenhum outro possuía, e pela doçura de
caracter, essa mocidade entusiasta que o rodeava adorava-o, querendo a
todas os instantes ouvi-lo, não o dispensando nunca nos divertimentos,
nas troças nas cavaqueiras que duravam horas esquecidas. Quando pegava
na banza, que tocava admiravelmente, todos os olhares se dirigiam com
expressão de maior admiração e entusiasmo. Era vê-lo no seu andar
vagaroso e indolente, sempre de olhar vago, arrastando os grupos para o
Penedo da Saudade onde se conservavam até altas horas da noite, ele
fazendo gemer a querida viola e os companheiros cantando as modinhas
populares que acudiam à memória naqueles passatempos agradáveis de
uma geração turbulenta e vagabunda.
A disciplina escolar incomodava-o; o pedantismo doutoral dos lentes
revoltava-o; o texto de compêndios sem critério cientifico afastava-o
do estudo. É nesse tormento de espírito e no meio de gerações de
bacharéis que todos os anos saíam de Coimbra, para fornecerem ao
parlamento os deputados, os ministros, os conselheiros e os jornalistas,
enfim todas essas partes figurantes da pedantocracia, que João de Deus ia
ficando para trás, com anos perdidos por faltas, e sendo necessário
que alguém se lembrasse de o matricular, mas cada vez sentindo melhor
definida a sua organização poética.
Quando o interrogavam sobre o tempo que ainda levaria a concluir a sua
formatura, respondia indiferentemente e com graça: « Isto leva tantos
anos a decidir como a guerra de Tróia ».
Por fim formou-se como todos os outros que veio a encontrar já bem
colocados no mundo do trabalho em 1859.
Mas tornar-se-ia João de Deus um músico, pintor, orador ou poeta? A
determinação da sua individualidade dependeria de um mero acidente.
A morte prematura de uma formosa rapariga de uma respeitável família
de Coimbra , e que a academia inteira admirava , provocou-lhe essa
primeira composição publicada em 1855 na Revista Académica.
Intitulava-se a ORAÇÃO, escrita por ocasião da morte de D. Raquel Cândida
de Nazaré .
Foi essa elegia sentida que revelou o poeta. A mocidade da academia
decorando-a repetia-a com lágrimas de verdadeiro sentimento. Essas
belas estrofes inspiradas na realidade fizeram com que a sua geração o
admirasse como um semideus.
Não era só o conversador atraente, o tocador admirável, o desenhista
primoroso, era também um poeta sem aprendizagem, um grande coração
que sentia profundamente os sofrimentos alheios exprimindo esse sentir
de uma forma inteiramente nova em poesia. Depois de muitos pedidos
continuou a escrever e publicou em 1861 ESTREIA LITERÁRIA.
A poesia absorveu inteiramente João de Deus. No entanto raramente as escrevia já que as ditava aos amigos. Com o fim de tornar conhecidas as belas composições de João de Deus, um grupo de estudantes funda o jornalinho O TIRA TEIMAS. Poucos jornais do País deixaram de transcrever as suas composições e o público em geral admirou o grande lírico.
Em Coimbra é onde melhor se observa a influência do romantismo, principalmente sobre a poesia lírica. Em 1844 dá-se o aparecimento do jornal O TROVADOR .
Posteriormente começou a escrever versos populares. Foi assim que se achou no caminho verdadeiro da simplicidade expontânea da dicção, rompendo com os artifícios retóricos da linguagem, e tirando do colorido das locuções a expressão pitoresca para a verdade do sentimento. João de Deus estudou as poesias de Camões , e aos sonetos do grande génio nacional deveu a compreensão não só do vago Platonismo amoroso como a descoberta da beleza poderosa do verso decassilábico. Foi então que ele reabilitou o soneto que estava estragado pelos elmanistas, tornou conhecido o terceto quinhentista e renovou a bela redondilha dos cancioneiros, deturpada pela facilidade com que usaram os líricos ultra-românticos.
Restabelecida esta continuidade entre a grande época quinhentista e o nosso tempo, João de Deus havia determinado os elementos fundamentais para uma nova época literária. Não foi ele que deu este importante passo mas foi ele sem dúvida o seu principal impulsionador.
João de Deus abandonou Coimbra e foi para Beja onde residiu algum tempo
tendo andado por muitas terras passando umas semanas aqui, uns meses
acolá com colegas da faculdade, até que voltou ao Algarve. Ora em
Messines ora em Silves, Portimão ou Monchique entrega-se à poesia
inspirando-se nas belezas naturais, passando horas e horas à beira dos
rios ou nos píncaros dos montes.
Em 1869 devido principalmente à influência dos seus amigos Domingos
Vieira e José António Garcia Branco, João de Deus é eleito deputado.
Dão-se por essa ocasião episódios muito curiosos como aquele em que o
poeta montado num jumento ia pedindo aos eleitores que não votassem
nele, pois estava naquela situação devido aos seus amigos Domingos e
Garcia. No dia da eleição Domingos levou-o à força à igreja para
que fosse visto pelos seus eleitores. João de Deus fazia um enorme
sacrifício não só para ir ao parlamento mas também porque tinha de pôr
gravata. Mantinha-se quase sempre silencioso e indiferente pois sabia
que a verdade não teria muito eco nos seus colegas e que muitos o
ouviriam apenas pela fama do seu nome.
Não aspirando a certas honras abandona a política. Para sobreviver teve até de cozer à máquina, mas as necessidades da vida foram impotentes para lhe abalar por um só momento a natural independência de caracter.
Em 1877 iniciou a celebérrima Cartilha Maternal em que resolve de um
modo prático o problema do ensino popular. A cartilha viria a fazer uma
verdadeira revolução no ensino, destruindo por completo os velhos métodos
absurdos. A guerra que lhe moveram tocou a indignidade já que os métodos
oficialmente aprovados perigavam. No entanto crianças e adultos afluíam
a casa do poeta. O seu método apesar de todos os esforços para o
denegrirem foi-se propagando. A 7 de Fevereiro de 1888 o deputado açoreano
Augusto Ribeiro propõe ao parlamento um projecto de lei em que é
aprovado e declarado Nacional o método de leitura Cartilha Maternal.
Em 8 de Março de 1895 data de aniversário do poeta é levada a efeito uma
grandiosa manifestação de homenagem a João de Deus. Apesar da
chuva que caiu insistentemente milhares e milhares de pessoas de todas
as classes sociais dirigiram-se a casa do poeta para o homenagear tendo
sido condecorado pelo Rei D. Carlos..
João de Deus viria a falecer a 11 de Janeiro de 1896