Velvet Goldmine (Velvet Goldmine),
de Todd Haynes (EUA, 1998)

 

Velvet Goldmine pode enganar o espectador desatento. E de fato engana. Pois o espectador está acostumado, sempre quando o filme é situado no passado, à reconstituição, aos costumes de época, a uma história que entre nesse meio (como em Boogie Nights ou em Titanic). Pois o interesse de Todd Haynes não está aí. Ele não tem o menor desejo de reconstituir, de representar. Todo o interesse dele é apresentar as coisas, colocá-las aos olhos do espectador sem que haja necessidade de qualquer rebatimento (histórico, cinematográfico, etc.). Talvez por isso seja um filme tão mal compreendido. Porque não é uma história, é uma emoção.

No começo dos anos 70, Brian Slade (personagem fictício que mistura várias características das vidas de artistas glam) começa uma meteórica carreira musical, usando visualmente de todos os apetrechos andróginos: estava começando o glam-rock. O filme parte da história de um jornalista, ele próprio ex-fã de glam, que quer saber o que se passou com Slade. O filme toma emprestada a estrutura de Cidadão Kane – primeiro ele entrevista o tutor, depois a mulher e por fim o melhor amigo – para desvendar o que se passava, como em Cidadão Kane, por trás do mito (aliás, é esse o sentido da citação).

Mas a coisa mais bonita do filme é que, se ele tem um tema apenas, esse tema não é o glam, não é Brian Slade, não é o jonalista. O tema do filme é a relação que o ex-fã de glam redescobre à medida que vai se aprofundando em seu tema. Numa das cenas mais bonitas do filme, vemos o menino que vê Slade na televisão, e seu imaginário grita para os pais conservadores: “vocês não estão vendo, este sou eu, eu sou igual a ele” e quando ele olha para os pais, observa o desgosto que eles sentem no ídolo (logo, nele próprio também).

Haynes, tido como um cineasta cáustico e desmisitificador, nesse filme pega seus personagens pela mão. Se Slade é ídolo, ele também é fã do artista Curt Wild, roqueiro que dá tudo de si no palco. Wild (que é baseado em Iggy Pop mas que em uma cena está a cara de Kurt Cobain, do grupo Nirvana) é apresentado a Slade, e os dois começam uma relação de amizade profundo que vai acabar por destruir a carreira e a vida pessoal de ambos. Mas a câmera de Haynes não julga nem predetermina – ela apresenta os dados, o espectador que julgue se quiser. Rocambolesco, filmando tudo em uma espiral desnorteante, Haynes mistura no mesmo registro de imagem o sonho, a lembrança, a vida real. Não há faux raccords, como de forma geral não há nada de negativo no filme.

Um belo exemplo está no começo do filme, um século antes de tudo começar: numa escola, os meninos respondem o que querem ser quando crescerem. Ao que vemos o pequeno Oscar Wilde, em meio de futuros advogados, contadores, médicos, dizer “I want to be a pop artist”. O âmago do filme pode se reduzir a isto: não à imagem como falsificadora da realidade, não à maquiagem para esconder o real, mas à imagem como produtora de uma realidade, como uma realidade compartilhável e compartilhada. E Todd Haynes quer compartilhá-la conosco. É isso que faz de Velvet Goldmine um filme maravilhoso.

Ruy Gardnier