FESTIVAL DO RIO 99
críticas dos filmes em exibição

   O OLHAR DO OUTRO, de Vicente Aranda

Espanha, 1999


O maior interesse da exibição deste filme no Festival do Rio é, disparado, sua comparação com o último filme de Stanley Kubrick, De Olhos Bem Fechados. Sim, pois mal ou bem lidam com um tema parecido: a descoberta e reavaliação de si mesmo e de suas expectativas quanto a relacionamentos a partir da experiência sexual. As diferenças mais evidentes são a troca do gênero do protagonista (em Aranda, uma mulher) e a presença do casamento como pré-existente ao filme em Kubrick e como conseqüência em Aranda.

Com estas características pode-se traçar um interessante paralelo tendo com base duas características: a moral e a estética. Enquanto Kubrick mostra o puritanismo anglo-saxão ao exibir o sexo sempre como algo exótico, perigoso e quase maldito, escondido e subterrâneo, Aranda mostra que o sexo também é celebração, prazer e necessidade. Ponto para o espanhol, embora moral não seja por si qualidade e sim externalização de algo intrínseco na formação de cada pessoa e de cada sociedade. É claro que os latinos lidam de forma menos problemática com a questão do sexo que os anglo-saxões. Aranda parece gostar do corpo humano nu, enquanto Kubrick o teme. Aranda sensualiza e carnavaliza enquanto Kubrick idealiza e ritualiza.

Até aí tudo bem. Mas é no quesito estético e de linguagem que a coisa pega para o espanhol. Enquanto Kubrick domina de forma absurda cada componente da linguagem do cinema, criando uma experiência absolutamente sensorial e hipnótica com suas lentas e sensuais fusões e fades (a sensualidade vem do aparato técnico, não dos corpos), com o uso da trilha do som (música e ruídos), com a fotografia granulada e de cores vibrantes, com a cenografia fenomenal, com os travelings frontais mais incisivos do cinema mundial, o espanhol Aranda patina feio. Seu filme é episódico e espasmódico, a trilha atrapalha o tempo todo, os elementos narrativos não funcionam (como o tal aparato tecnológico que cria, uma "coruja" que é câmara de vídeo e computador ao mesmo tempo), os atores parecem inadequados. Assim, embora menos sensual por moral, o filme de Kubrick erotiza muito mais a experiência espectatorial, localizando a verdadeira sedução na relação entre espectador e filme. Já Aranda, que sensualiza bem seus personagens e os torna profundamente humanos como seres sexuais, não consegue seduzir o espectador. Ambos acabam os filmes muito bem (a frase final no filme de Aranda é genial), mas o caminho até lá é bem diferente. Mas muito rico só poder estar vendo os dois ao mesmo tempo...

Eduardo Valente