Misoginia B (Vampiros de John Carpenter)

por Marlos Salustiano

Há um completo equívoco, somado a uma completa má vontade por parte da crítica "especializada", em considerar este John Carpenter como apenas um filme mal-acabado e desnecessário, reduzindo-o a um sub-western. Eu o considero um dos mais bem-mal-acabados (!!!) filmes B que já vi. Repare que nele há inclusive uma nada discreta ostentação de grife (John Carpenter's VAMPIRES, rezam os cartazes), como que querendo evidenciar o caráter francamente ensaístico que o urdiu em trapos de parcos recursos.

O elemento western comparece para territorializar a narrativa apenas, mas as situações que se desenrolam estão na verdade estruturadas por clichês de filme policial. Os ataques às casas abandonadas, que servem de "ninho" para as "criaturas da noite", são na verdade típicos desbaratamentos de gangs-traficantes. Há sobretudo fortes traços de film noir no tocante a forma com que as mulheres (principalmente a puta de Sheryl Lee) são caracterizadas e tratadas.

Aquela típica resistência misógina entre e o "private investigator" e sua "súplice-cliente-bombshell" se manifesta às avessas numa hostilidade que, neste caso, ultrapassa a indiferença forçada, alcançando o patamar de uma violência que explode sem mesuras (Sheryl Lee é em diversas situações tratada de forma sádica: sádica porque há desejo latente sob as porradas e insultos que lhe são infligidas).

Mas se há um transbordamento de desejo recalcado por trás de toda essa hostilidade e pseudo-indiferença, ele se sublima no momento em que Sheryl Lee é amarrada, em FULGURANTE (não tenho nenhum receio de usar essa palavra pomposa) nudez, a uma cama de Motel.

Cena maior, central, triunfal do filme (só ela já vale o ingresso): nudez mítica de puta de cinema! A partir daí ela passará a funcionar de forma não-objetal (emancipação que será consolidada no final, quando James Woods patrocinará sua fuga com XXX, seu braço direito por ela seduzido/vampirizado).

Resolvido esse ingrediente, passamos para os demais, dentre os quais destaco essa curiosa inovação de conteúdo, que propõe os vampiros não apenas como ameaça noturna, mas também como perigo diurno. Um anfíbio (vampiro-padre, vampiro primeiro e arquetípico) é o agente do que se pode chamar,com toda propriedade e humor, de "revolução vermelha" (a que tornará os vampiros seres-à-prova-de-Sol). A rede corrupta que conecta o cardeal (Maximilian Schell) com a vampiragem também é outra das trocas formais que esse filme estabele com os clichês de filme policial (há sempre um Judas nas estruturas-do-Bem). Há uma predominante afirmação de que não existe pureza, nenhuma espécie de pureza possível, nem no Jack de James Woods, que Carpenter soube muito bem caracterizar como mais um doente (se ele não manifestasse suas manias escatológicas cairia no clichê do vingador/justiceiro).

Todos esses elementos,como também a divertida precariedade das cenas em que os corpos de vampiros se incendeiam, e por fim a medíocre trilha sonora (assinada pelo próprio Carpenter) me levam a recomendá-lo como, repetindo o que disse no inicio, o mais bem-mal-realizado filme B que já vi.

Confiram.