Corrida em Busca do Amor

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Desse primeiro filme, do qual não se tem notícia atualmente, temos apenas algumas indicações, conforme a imprensa à época do filme publicou. Segue abaixo a crítica feita por José Carlos Avellar, em 1972, quando escrevia no Jornal do Brasil:

O Filme e a Máquina

Em Corrida em Busca do Amor aparece de quando em quando uma referência a outro filme, através de uma citação direta nos diálogos, ou através da forma de compor a ação e conduzir a câmara. Dois atores se movimentam mais ou menos à maneira de O Gordo e o Magro, e a câmara, ao filmar alguns diálogos, se movimenta mais ou menos à maneira dos filmes de Godard: o quadro mostra apenas o rosto de um personagem e a câmara corre de um lado para outro, de modo a manter na tela sempre o rosto de quem está falando.

Em meio às conversas são feitas citações a Ivan o Terrível e ao Bandido da Luz Vermelha, e quase ao final um personagem comenta, olhando para o espectador, que tudo isto mais parece um filme americano. As referências a outros filmes não param aqui, e certamente por este motivo, pelo excesso de citações, Corrida em Busca do Amor é um filme ilegível.

Um perfeito paralelo se consegue ao imaginar o que seria um texto um texto escrito por alguém que, fascinado com as possibilidades mecânicas da máquina de escrever, pressionasse ao acaso as teclas. Aqui e ali algumas palavras poderiam se formar, mas dificilmente o acaso faria surgir uma frase com sentido desta brincadeira que tem como objetivo apenas o prazer abstrato de ver a forma das letras gravadas no papel.

Estamos diante de um filme que é resultado da relação entre seu realizador e a aparência formal do espetáculo cinematográfico. Um filme feito por um espectador fascinado pela máquina de fazer cinema e interessado em registrar as soluções formais que viu com agrado. Um filme de preocupações nitidamente formalistas, mistura desordenada de Laurel, Hardy, Godard, Ivan, a comédia colorida americana e a luz vemelha do bandido do cinema brasileiro.

À primeira vista pode parecer sem sentido a afirmação de que neste filme tão mal organizado formalmente a preocupação básica seja a forma. Mas exatamente porque se preocupa com a forma antes de qualquer outra coisa é que Corrida em Busca do Amor não se resolve, e nem mesmo consegue fazer compreensível a sua narrativa.

Este conjunto de citações e referências tem como primeira conseqüência lógica a falta de unidade. Os planos não foram organizados como parte de um conjunto com sentido determinado, não se unem por uma estrutura comum.  E por isto cada imagem é fechada em si mesma, não consegue unir-se com a que vem em seguida.

Dos filmes usados como modelos foram retiradas apenas as características formais da superfície, segundo uma crença ingênua da possibilidade de se aplicar não importa qual solução formal a não importa qual situação. Ao se colocar por trás da câmara de filmar, um fiel e fascinado espectador de cinema se deixou guiar apenas pelo que ficou gravado na memória, e tratou de reproduzir as recordações com toda a espontaneidade possível.

É mais que provável que estas imagens tenham saltado da memória de forma inconsciente. É mais que provável que em todos os instantes da preparação do filme as recordações tenham se imposto de forma intuitiva. Isto porque a narrativa de Corrida em Busca do Amor está muito mais perto das características do filme amador — que retoma as soluções formais   dos autores que admira — que de um consciente trabalho de análise das estruturas narrativas do cinema para usá-las como ponto de partida.

Corrida em Busca do Amor é um caso típico onde a preocupação com o cinema impede a realização do filme. O gesto de filmar, de colocar a câmara, iluminar, distribuir sons, luzes e sombras é aqui um fim em si mesmo. Por isto mesmo nada tem sentido, nada sai bem-feito, tudo parece fora do lugar, falas e ruídos, luzes, sombras e cores. Como medir um filme quando, maravilhado diante do mecanismo, as pessoas brincam estimuladas pelas relaç~ões que tiveram com o cinema? Deste equívoco inicial, nada tem a ver com coisa alguma, mesmo com o cinema.