Fracassômanos reivindicam a discussão:
democracia é para todos!!

por Bernardo Oliveira

Central do Brasil merece ganhar o Oscar. Desejamos esta vitória como uma prece por todo o cinema brasileiro, e por diversos motivos. Dentre eles, o ineditismo do prêmio Melhor Filme Estrangeiro. Outro, é o impulso que o prêmio pode trazer para o mercado e para a cinematografia brasileira. No entanto, vontades à parte, sabemos que o Oscar não premia o melhor, nem está interessado nesse debate. Para falar do "melhor", suponho, falaríamos do cinema e da vida. Ora, a vida não exclui o mercado, portanto, falaríamos do cinema, da vida, do mercado, da morte, dos prêmios, da vaidade,...

Ganhar um Oscar é certamente um mérito para o cineasta. Mas, o que se trata ganhar um Oscar? Muitas felicidades, ok.. Vencer uma batalha, ok. Contra quem e pelo quê?

Claro está que o Oscar premia quem dá dinheiro. E isto pode conter múltiplos significados, de acordo com o lugar onde você mora. Se você mora nos EUA, ganhar um Oscar significa poder (iate, mulheres, cocaína,...). Lembrem do James Cameron balançando a estatueta e gritando "vamos comemorar até o amanhecer"; ou do Mel Gibson desdenhando do nome "O que é isso, companheiro?" Mas este é o papel do americano: ignorar. Sempre foi e ainda é. São extremamente ignorantes e insensíveis aos chamados do mundo que habitam. Só que este modo de receber o Oscar, comemorar e desdenhar do resto do "mercado" (mundo é uma palavra demasiado complexa para povo tão objetivo), anda produzindo eco nos quatro cantos do mundo. É o mundo de uma via só. O Pierre Bordieu sabe disto. É ele quem bem sintetiza a lógica do americano, que impregna o globo: "a lógica do comércio, simbolizada pelos níveis de audiência".

Mas, este texto não se pretende filosófico. E o Bordieu, para quem se interessar, é um escritor de fácil acesso. O que pretendemos aqui é perguntar: para além das benfazejas mercadológicas, o que representará para a cinematografia brasileira, levar uma cobiçada estatueta de Filme Estrangeiro? E a Fernanda Montenegro? Será que, ao ser premiada, estará sendo reconhecida pela poderosa indústria americana?

Ok, podem me chamar de chato, azarado, olhudo, impertinente. "Mas que diabos esse cara está falando?", "Procurando defeito numa festa?", ou melhor, "Quem é que está falando? Um despeitado?..." Essas perguntas, entendo, possuem fundamento, mas, reconheçamos, existem filmes e filmes. Uns são filme-padrão, outros são filme-revolução, filmes-brinquedo, filmes-caça-níqueis, filmes de arte (???), filmes, filmes,...

Sem dúvida, Central Station entrou para aquela lista de filmes-símbolo do cinema brasileiro, da qual constam Terra em Transe, Limite, O Cangaceiro, Dona Flor e seus dois maridos, Carlota Joaquina, e tantos outros. Como tal, possui várias portas de entrada, entradas-interpretação, cujo acesso só será possível através de perguntas "impertinentes". A impertinência dessas questões serão suplantadas em breve, quando voltarmos à nossa realidade cultural, tão indefinida quanto rica, quanto complexa.

Temos que pensar Central do Brasil!! Não devemos deixar nossa profunda questão cultural fora do assunto (o próprio Walter não o faz) como se ela fosse mero capricho intelectual. Ora, quem considera pensar, mero capricho intelectual, este sim, é impertinente. Milhões de brasileiros viram e verão Central do Brasil. Impertinente é acreditar que todos devem achar o filme tudo de bom para o cinema brasileiro. Isso é barbárie! FHC já mandou avisar: "quem não acredita no plano real, é um fracassômano!" Então, quem colocar Central do Brasil na roda das discussões é o que? É o mundo da qualidade total? E quem não considerar a qualidade total um parâmetro total? Vejamos...

Levar a estatueta para casa, é mérito do público que aplaudiu Central Station, engordando as filas e fazendo o filme crescer. O Walter sabe disso, não estou delirando. Central do Brasil é uma conquista do brasileiro que lotou o que restou dos cinemas brasileiros para "dar uma força para o cinema nacional". E se por um lado, fiz tantas perguntas e não respondi nenhuma, não temo responder a primeira delas: ganhar o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro revela duas idéias fundamentais: 1ª) a estatueta é do povo, pois sem o comparecimento maciço às salas, o Central não sairia nem da lata; 2ª) Estamos levando um prêmio, não por originalidade, mas por qualidade...total! Significa dizer que já podemos fazer filmes "como os deles". E isso é bom para o cinema brasileiro, mas somente em parte.

Por um lado, acenamos para a possibilidade de serializar uma produção cinematográfica, com topete para competir com países economicamente mais fortes, como a Itália, por exemplo. Isso significa aumentar a qualidade de nossos técnicos, aumentar a quantidade de produções, organizar a distribuição para o interior e para o exterior, e, fatalmente, aumentaremos a credibilidade junto a investidores internos e externos. Bingo!!! Até aí, tudo é Brasil...

Mas, atentemos para os perigos dos eufemismos "qualidade total" e "globalização". Serializar uma produção dentro dos padrões exigentes da World New Order não é tarefa para qualquer país, sobretudo o Brasil, cuja frágil memória cultural, se dissolve no ar. Como produzir cinema brasileiro como se ele estivesse nascendo agora? Vamos esquecer sumariamente Glauber, Nelson Pereira dos Santos, Leon Hirzsman, Joaquim Pedro de Andrade, Mário Peixoto, Lima Barreto, Edgar Navarro, Anselmo Duarte, Paulo Saraceni, Carlos Manga, Arnaldo Jabor, Rogério Sganzerla, Ivan Cardoso, Ozualdo Candeias, José Mojica, Julio Bressane, Miguel Torres, Luiz Rosemberg, Andrea Tonacci?...Múltiplos esforços para constituir uma identidade cinematográfica brasileira, filha do subdesenvolvimento, empurrada por uma barriga faminta, filha da puta, filha de uma cultura sufocada a desenvolver seus malabarismos, frágil potência de invenção, criadora e.. submissa. Desprezar sileciosamente este legado não é sinal de desenvolvimento.

Viva Central do Brasil! Viva o cinema brasileiro! Viva a consciência! Oba oba é que não vale. Cinema tá caro e meu dinheiro não é capim. E, assim, partamos mais uma vez para a guerra, esperando, de uma vez por todas, que nossa produção se estabilize.