Os Picaretas (Bowfinger),
de Frank Oz (EUA, 1999)

O Segredo Mínimo de Lola

Mais uma vez Frank Oz e Steve Martin se reúnem para trazer à luz uma obra que fala do parecer, do disfarçar-social para poder subir na vida pelos modos mais fáceis. No primeiro filme, Os Safados (1988), Oz filmava um Steve Martin que lutava para conquistar uma grande vencedora de concurso que, no fim do filme, se revelaria mais trambiqueira que ele. Nesse Os Picaretas trata-se mais uma vez do disfarce, mas do disfarce específico do discurso cinematográfico.

A história beira o óbvio: um produtor/diretor quase mambembe consegue congregar uma equipe mais pé-de-chinelo ainda para realizar um filme de ação sobre extraterrestres, mas o filme precisa de um ator importante. Bowfinger, o produtor, decide rodar o filme com um conhecido ator hollywoodiano, que entretanto não quer recebê-lo nem o deixa tempo para falar sobre o projeto. O produtor decide então fazê-lo participar do filme à sua própria revelia, ou seja, filmá-lo como se o filme fosse sua própria vida. Aproveitando que o ator vive suas próprias paranóias a respeito de ETs, o filme proporciona momentos inusitados e hilariantes. Mas é em outro mote que o filme mostra sua importante faceta de comédia de costumes / comédia de tipos: no modo como os integrantes do filme vão se comportando ao longo do filme, tal fosse um filme dentro do filme dentro do filme. A atriz emergente usa o sexo para ascender e garantir um papel predominante no filme, a "grande atriz" tem seus tiques de diva, os "técnicos" trazidos literalmente da fronteira do México começam a se tornar connaisseurs, empunhando números de Cahiers du Cinéma e discutindo sobre Cidadão Kane.

Frank Oz não é, ao menos até agora, um diretor empenhado em construir belos planos ou fazer um filme formalmente belo. Nesses aspectos seu cinema até decepciona um pouco, pela maneira que ele usa o grotesco e pelo pouco cuidado na decoração e no figurino. Mas o que mais incomoda é a falta de um plano-de-obra a qual todo o fiome se atenha, exatamente aquilo que a crítica moderna (não só cinematográfica, logo) convencionou chamar de autor. Seus filmes podem até ter uma preocupação comum, mas não é isso em que ele está majoritariamente interessado. Sua aposta principal sustenta-se na interpretação dos atores e dos lugares-comuns que o filme revela. Sob esse aspecto, a cena em que Steve Martin se prepara para traçar a jovem atriz (que nesse momento do filme já havia mantido relações com metade da equipe) é exemplar. Embora o filme todo se mantenha no ambiente da metalinguagem por causa da filmagem, essa cena — que poderia ser a mais simples possível — é filmada com toda a utilização de clichês possível, com clímax na conversa sobre "as coisas que cada um gosta", sempre um lugar-comum dos primeiros-encontros.

Mesmo que Oz não seja um dos principais homens da comédia hoje nos Estados Unidos — podemos destacar Harold Ramis, John Landis e sobretudo os irmãos Farrelly — Os Picaretas é um filme que merece atenção por ser parte de uma obra que se solidifica a passos largos. Quem sabe vem por aí um novo Leo McCarey...

Ruy Gardnier