Conferência: Ouvir Cabinda
                          Autor: Dr. Martinho Nombo, Advogado, Ex-Vice Governador de Cabinda
 CABINDA: Das Operações de Limpeza aos Crimes de Guerra
 
I . CONTEXTO ACTUAL
             Assistimos, incrédulos, a cenas cruéis e quotidianas em Cabinda, como sejam: bombardeamentos indiscriminados contra aldeias civis, detenções arbitrárias, intimidações psicológicas, ameaças e ofensas corporais, execuções sumárias, buscas e vistorias em residências particulares sem mandado judicial, abusos sexuais contra menores e adultas, destruição de aldeias, campos agrícolas, pilhagem de bens,  dentre outras práticas correntes.
            Responsáveis e instituições angolanas, sob a suprema liderança de José Eduardo dos Santos, não olham a meios para atingirem os seus objectivos políticos de reduzir a população de Cabinda, no sentido de a tornar minoria no seu próprio território.
            Por sua vez, a guerrilha, protagonizada pelas FLECs, também é responsável por algumas práticas aos direitos humanos, sobretudo no rapto de cidadãos estrangeiros e práticas de vingança, torturas e execuções sumárias contra supostos militantes do MPLA. A FLEC, até há bem pouco tempo, mantinha um sistema de “imposto revolucionário” a que estavam sujeitos os operadores económicos na província, sob ameaça permanente de punição.
            Perante tal situação, “não podemos deixar de falar”, conforme o título de um histórico documento publicado, em 1974, pelo Clero de Cabinda, numa altura em que se viviam problemas similares aos de hoje.
            O conflito militar que iniciou em 1975 opondo o Governo de Angola aos guerrilheiros da FLEC (Frente de Libertação do Enclave de Cabinda) que lutam pela auto-determinação do território, não pode servir de pretexto para a chacina silenciosa de um povo indefeso. 
      
 II. O IMPACTO POLÍTICO – MILITAR DAS ACÇÕES DO  GOVERNO EM CABINDA.
             
             O presidente José Eduardo dos Santos e outras altas figuras do seu regime, têm propalado a sua intenção de dialogar, com o objectivo de se encontrar uma solução para o Enclave, posição que vinha sendo assumida desde a presidência do Dr. Agostinho Neto. Essa pretensão tem sido correspondida pelos guerrilheiros da FLEC, outras forças independentistas não-armadas, bem como a sociedade civil pro-activa.
Paradoxalmente, em Outubro último as Forças Armadas Angolanas (FAA) desencadearam uma ofensiva militar de grande envergadura. A 12 de Fevereiro de 2003, o Governador de Cabinda, Aníbal Rocha, assumiu, em conferência de imprensa, que as FAA estão a realizar “uma operação de limpeza” em Cabinda. O também responsável máximo do MPLA na província, não poderia estar mais certo nas suas declarações.
As FAA têm em Cabinda uma presença de mais de 30 mil efectivos militares, correspondentes a pouco mais de 10% da população total do  Enclave, com o recurso à armas modernas e sofisticadas, contra um exército de guerrilheiros, armados de forma rudimentar, e que mal chegarão a 2,000 homens.
Face às constantes ofensivas, que por certo já terão reduzido significativamente o número de guerrilheiros, as declarações do governador Aníbal Rocha se podem traduzir em limpeza das populações. Em termos legais, podemos afirmar estar perante um caso de limpeza étnica ou de genocídio.
Para a efectivação dessa “operação de limpeza”, tão anunciada pelo Governador Aníbal Rocha, surgiram programas radiofónicos locais que apelam insistentemente à rendição dos guerrilheiros, enquanto se proferem insultos, humilhações e lançamento de panfletos para a “limpeza cerebral” das populações sobreviventes. Essa prática de acção psicológica é uma re-edição do terror psicológico a que as hostes da UNITA foram submetidas nos últimos anos.
 III. A HIPOCRISIA DO MPLA COMO PARTIDO NO PODE
 
             A defesa da soberania nacional e o patriotismo tão afanosamente apregoados pelo regime, soçobra, não poucas vezes perante factos simples!
É o caso da publicação do Relatório sobre a Violação dos Direitos Humanos em Cabinda a 10 de Dezembro de 2002, em Luanda, e a 17 do mesmo mês em Cabinda. Não sabemos porquê razão o Bureau Político do MPLA, partido no poder, não teve a coragem de  pronunciar-se sobre o seu conteúdo.
            O Bureau político do MPLA fez um pé de vento porque alguns dos seus membros foram acusados de ser milionários, pelo semanário Angolense e manteve-se silencioso ante a acusação de que o seu presidente e comandante-em-chefe dirige uma operação que indicia crimes de guerra e crimes contra a humanidade.
            Então, na lógica do MPLA parece ser-se aceitável a prática de crimes de guerra e crimes contra a humanidade. Outrossim, porquê razão se mantiveram indiferentes até hoje, o Governo, os partidos políticos, a Assembleia Nacional, o poder judicial e os órgãos de informação estatais sobre a chacina do povo de Cabinda e as denúncias contidas no referido
relatório?
IV. FALTA DE INTERLOCUTOR: REALIDADE OU FALÁCIA?
            
             Para continuar a justificar a carnificina, o regime do MPLA sustenta a ideia da falta de um interlocutor válido e representativo para o diálogo sobre o futuro de Cabinda.
            Se diálogo não houve ainda, é porque o próprio Governo nunca esteve interessado, e a prova está no documento do Bureau Político do MPLA, no qual orientava a sua comissão negocial de entreter e convencer os guerrilheiros e políticos Cabindenses a regressar a troco de benesses. É a grande estratégia do poder.
            Em nosso entender, as forças cívicas (sociedade civil) e as duas alas militares da FLEC podem constituir-se, de forma consensual, numa equipa negocial para discutir, com o regime do MPLA, o futuro de Cabinda.
            Todavia, atentemos a um facto importante. Caso a intenção de se encontrar a paz para Cabinda fosse genuína, o MPLA poderia fazer constar na actual revisão constitucional, o reconhecimento de um estatuto específico para Cabinda. Essa posição ajudaria a serenar os ânimos.
           
V. OS DIREITOS HUMANOS, AS NAÇÕES UNIDAS E A DIPLOMACIA DO  
     PETRÓLEO.
 
            Em meados de Janeiro último, deslocou-se à Angola, o Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos, o Senhor Sérgio Vieira de Mello.
            Diplomata experiente, esperava-se dele uma actuação íntegra e responsável à altura das funções que exerce a escala planetária. Ao invés, foi grande a nossa desilusão, pois ignorou o que se passa em Cabinda, excluindo-a do itinerário da sua visita, apesar de ter reconhecido, em conferência de imprensa, possuir informações fidedignas sobre a violação de direitos humanos naquele território.
            A característica da universalidade dos direitos humanos não deve ser válida, pensamos nós, apenas para os europeus, americanos, asiáticos e outros. O problema de Cabinda deve deixar de ser indefinidamente considerado como uma questão interna do Estado Angolano. A guerra entre o regime do MPLA e a UNITA, apesar de ser uma guerra civil entre angolanos – portanto, um problema interno –
mereceu a atenção e o engajamento do mundo na sua manutenção e resolução.
            Com esse comportamento, constata-se, infelizmente, e não poucas vezes a triste actuação e cumplicidade das Nações Unidas em determinados conflitos. Bastará aqui recordar o papel que desempenharam no Rwanda, sob o olhar silencioso e impávido da Comunidade Internacional, ao caucionar um genocídio que ceifou mais de 500 mil pessoas, em poucos dias, e que a Humanidade jamais esquecerá. Essas perdas nunca serão compensadas com a criação de pretensos Tribunais Penais “ad hoc” pelas Nações Unidas.
            Afora as Nações Unidas, países há individualmente considerados com grandes interesses económicos em Cabinda e alguns com responsabilidades acrescidas sobre o que lá se passa. A esses países, estamos a falar sobretudo dos Estados Unidos da América, apelamos, em homenagem aos princípios e valores por eles sempre defendidos,  que não sejam indiferentes aos massacres que regularmente as FAA executam em Cabinda. Esses países devem, a favor do respeito pelos direitos humanos, sacrificar um pouco os seus interesses egoístas que desembocam na política da diplomacia do petróleo.
 
VI. CONCLUSÕES  
     
  • O desejo pela liberdade é hoje, em Cabinda, uma instituição que não depende da guerrilha. Os guerrilheiros não detêm, também eles, qualquer monopólio na resolução do conflito, pois as forças não armadas (sociedade civil e política), no interior do Enclave, têm demonstrado grande capacidade de intervenção e independência face aos líderes independentistas que, a partir do exterior, exercem a sua pressão à distância e por controlo remoto.
  • Esse facto, obrigará o regime do MPLA, em última instância, a dialogar com as forças cívicas no interior de Cabinda, de quem foge por falta de argumentos políticos e sociais.
  • Para o efeito, apelamos às diferentes facções políticas e militares da FLEC, às organizações locais da sociedade civil, igrejas e outras formações políticas no sentido de estimular a busca de consensos internos na criação de uma plataforma de diálogo comum e solidário entre os Cabindas, e em concertação com os seus irmãos angolanos sensíveis ao problema.
  • Lançamos um repto às instituições internacionais de direito, a promoverem, com urgência, uma investigação internacional independente sobre as denúncias de limpeza étnica e outras práticas hediondas, levadas a cabo pelo regime liderado por José Eduardo dos Santos, em Cabinda, e que indiciam crimes de guerra e crimes contra a humanidade
Para terminar, citarei Abraham Lincoln: “Quem nega liberdade aos outros não merece tê-la”.
 
                                                                                    Bem Hajam.
POVO DEVE ESCOLHER O SEU DESTINO. RESTA  FAZER A  JUSTIÇA...!
 

 
NTANDU  ÁI  ITU  TUTINA  BÔMA  KO...!