1. Introdução

    Os fanzines da Internet divulgam textos literários, eventos culturais, simples egotrips (devaneios pessoais) de seus colunistas e leitores, discussões político-sociais, reportagens, entrevistas e tudo o mais que possa envolver a produção cultural literária. Foram criados com o intuito inicial de divulgar textos de quem não tinha acesso à mídia, por inexperiência ou falta de oportunidade, às mídias convencionais, para que outras  pessoas pudessem ter acesso ao que é produzido culturalmente e, também, ao que está fora do alcance da grande mídia.

    Os fanzines eram originalmente feitos à mão ou datilografados e copiados para distribuição gratuita ou a valores de custo para um público leitor específico e segmentado. Partindo da óbvia influência que os fanzines da Internet tiveram dos tradicionais fanzines publicados em papel pretende-se estabelecer e quantificar a influência que os atuais fanzines na Internet têm sobre a produção e desenvolvimento de e-zines ou fanzines pelos seus leitores.

    A popularização da informática, o aumento mais que significativo dos usuários da Internet e  a segmentação cada vez maior do mercado cultural decorrente da diminuição da distância e do tempo de comunicação entre as pessoas, provocadas pelo aprimoramento da tecnologia, facilitaram a disseminação ainda maior dos fanzines. Faz-se necessário descobrir até que ponto um pequeno grupo de pessoas interessadas em divulgar seus próprios textos e idéias pode influenciar outras pessoas a produzirem seus próprios textos e divulgarem suas idéias utilizando a Internet. Procura-se saber até que ponto este intercâmbio cultural impulsiona um crescimento intelectual e uma retomada da identidade individual do público leitor. Do leitor que cada vez mais transforma-se em participante ativo de um produto cultural.

    Com o advento da Internet, e toda a capacidade de uso da tecnologia em nome da proliferação de escritos, mensagens e novas visões que a Internet pode proporcionar, o fanzine voltou a ser um meio, ainda que restrito economicamente a um certo grupo social que tem acesso à Internet, de divulgação de novas produções culturais marginalizadas pelos grandes meios de comunicação.

    A Internet possibilita, por ser quase que totalmente livre de censura e do controle de órgãos governamentais ou de controle das entidades privadas, a mais ampla liberdade de expressão e democratização do meio. Onde todos os usuários escrevem e são lidos e onde esses mesmos usuários tornam-se produtores de uma nova expressão cultural que rompe com as barreiras das imposições mercadológicas da grande mídia.

    Esse tipo de comunicação alternativa, como os e-zines, é a possibilidade que a sociedade, dentro de certos limites econômicos impeditivos de uma maior participação, tem de democratizar cada vez mais os meios de comunicação e combater a massificação, a desindividualização e a falta de identidade do público consumidor de cultura. É a cultura participativa e libertária, o famoso "faça você mesmo" que pregava o movimento Punk e, de certo modo, a liberdade criativa dos dadaístas e a falta de compromissos dos beats. Este trabalho pretende, assim, e por isso sua importância,  ser um propagador do ideal de libertação cultural e maior participação e independência de toda a sociedade nos meios de comunicação e na produção de cultura.

    Cabe aqui lembrar as palavras do filósofo John Stuart Mill que em 1859 escreveu em seu Da liberdade de pensamento e de expressão que:


"a opinião que se tenta eliminar pela autoridade pode muito possivelmente ser verdadeira. Aqueles que desejam suprimi-la negam, evidentemente, a sua verdade; mas eles não são infalíveis. Não têm qualquer autoridade para resolver a questão em nome de toda a humanidade e excluírem todas as outras pessoas do meio de julgamento".

    Pois não é o fanzine, e sua variação moderna, o e-zine, uma nova forma de comunicação e utilização dos meios muito mais democrática que a padronização dos meios de comunicação de massa? Como negar às pessoas o direito de expressarem livremente suas idéias e opiniões? A utilização indiscriminada dos meios de comunicação de massa pelas grandes organizações brutaliza e aniquila a opinião pública, deformada que é pelo interesse dos patrocinadores e governadores, detentores do poder, um do econômico, outro, do político, do poder de decidir quem ou não pode, pública e irrestritamente, expressar seus pensamentos.
Segundo Heinz Dieterich:

"a essência do processo de desenvolvimento e implantação dos subsistemas de educação e cultura da sociedade global pode ser sintetizado na seguinte afirmação: gerar o homem semiótico mediante sua socialização no ciberespaço. Este homem semiótico deve viver determinado pela ditadura das superfícies, dentro de uma cultura mundial homogeneizada e num espaço público tão transformado que a mudança estrutural do público, analisada por Jünger Habermas, não transcende a dimensão de uma tempestade num copo d'água."

    Ironicamente este mesmo mercado cultural que massacra e banaliza as relações nos meios de comunicação se alimenta das vanguardas e dos marginais, justo que estes, mais próximos da realidade, na maioria das vezes sabem melhor demonstrar os sentimentos da pessoa comum. O mercado cultural precisa de renovação, constantemente,  e esta não se dá pelos métodos convencionais. As idéias novas só prosperam no ambiente de liberdade nos ambientes ditos alternativos, ou excluídos, como queiram.

    Este estudo é importante aos acadêmicos dos cursos de Comunicação, especialmente os de Publicidade e Propaganda, pois é necessário que estes estudantes tenham conhecimento da existência de outros meios de divulgação que não os convencionalmente utilizados como exemplos no aprendizado da profissão e no estudo teórico da Comunicação Social.

    É importante, também, aos acadêmicos de Letras que poderão ter aberto um novo campo de trabalho e divulgação e com isso terem mais oportunidades que as mídias convencionais lhes apresentam. É importante para a sociedade que terá acesso a cada vez mais meios alternativos de divulgação cultural, à socialização e à democratização dos meios de comunicação. É importante ao mercado cultural e editorial pois terá acesso ao descobrimento de novos talentos e profissionais que, sem a existência dos fanzines e e-zines, não teriam onde desenvolver seus trabalhos.

    Enfim, este trabalho torna-se necessário no momento em que a segmentação, a multiplicidade de grupos e tendências culturais, exigem mais oportunidades para manifestações culturais independentes de governos ou grandes órgãos de comunicação de massa.

    Cabe lembrar que os movimentos aqui descritos também nos levarão à conscientização que se não nos adentrarmos no universo do "faça você mesmo" estaremos sendo levados de roldão para as mudanças que dele podem vir. Pois é importante a todos acima descritos, profissionais de diversas áreas da comunicação, em conseqüência também de outras áreas da sociedade que agora não é possível, por contingência de espaço, qualificar, que correm o risco de tornarem-se atividades obsoletas em pouquíssimo tempo. A horizontalização das relações de comunicação é uma tendência natural. O editor, o agenciador de publicidade, o repórter, entre outros, podem estar se tornando funções de uma engrenagem velha de relacionamento humano. "Faça você mesmo" também é a diminuição da importância, ou até mesmo, em certos casos, a eliminação, dos intermediários das mensagens. Na medida lógica que no momento em que o receptor torna-se um emissor, o intermediário, não o meio, torna-se desnecessário. As grandes corporações de comunicação tanto estão atentas a isso que pouco a pouco criaram o conceito de interatividade. A interatividade ainda vai exercer um certo poder enquanto uma, grande, camada da população não tiver acesso à Internet. Mas no momento em que a Internet transformar-se tão popular quanto a televisão, a interatividade poderá perecer, visto que falsificada em um processo de respostas e escolhas, onde não é dada a oportunidade de escolher o que queremos, ou, melhor ainda, o que não queremos, faremos nós mesmos. Não é para se preocupar com a pretensa "futurologia" deste parágrafo. Apenas deixa-se ao leitor a oportunidade de pensar por conta própria.

    O primeiro capítulo trata da liberdade de expressão e da importância desta dentro de um contexto histórico-social massificado, individualista e sem identidade. Para Stuart Mill "a liberdade de pensamento é indispensável para permitir ao homem médio atingir a grandeza mental de que é capaz" . Esse conceito insere-se no quesito básico desde estudo: o de estabelecer a validade ou não de novos canais de comunicação, mais abertos e democráticos, nos quais a pluralidade de opiniões seja respeitada e onde a o indivíduo estabeleça-se como centro de convergência e emissão de cultura. O segundo capítulo mostra um quadro dos movimentos culturais libertários como o dadaísmo, o surrealismo, o movimento Beat e o movimento Punk e as suas relações com a indústria cultural. No terceiro capítulo estabelece-se uma relação entre os movimentos culturais que pregam a total liberdade de expressão e o advento dos fanzines com a popularização das máquinas copiadoras e o nascimento e crescimento da Internet, especificamente dos chamados e-zines, de fácil assimilação e distribuição. O quarto capítulo trata especificamente da influência que os fanzines e e-zines exercem sobre a atividade cultural-literária de seus leitores através da análise de pesquisa objetiva. E, finalmente, o quinto capítulo, partindo dos dados pesquisados conclui sobre a validade ou não dos fanzines e e-zines como incentivadores de uma produção cultural independente e a colocação desta produção em função de um contexto histórico de grandes mudanças tecnológicas e sociais.

    Como base teórica foi utilizado o livro Mate-me por favor - uma história sem censura do Punk, de Legs McNeill e Gillian McCain, trata do movimento Punk, principalmente nos Estados Unidos, através de entrevistas e depoimentos de pessoas envolvidas no contexto musical do punk. É importante para este trabalho no que refere a estabelecer o modo de vida e de pensar dos punks que acabou influenciando no surgimento e proliferação dos fanzines. Também de grande importância para este trabalho, a obra Para navegar no século XXI, de Edgar Morin e outros, trata da Internet, dos instrumentos de navegação nesse meio e da nova produção cultural decorrente do advento da Internet. É um livro básico para compreender os termos, as expressões e cotidiano desse recente meio de comunicação de massa e que permite uma maior interatividade e participação, palavras-chave para os fanzines. De Baudelaire ao Surrealismo, de Marcel Raymond, mostra a evolução dos movimentos artísticos contestatórios dos séculos XIX e XX. Dadá: ate e antiarte, de Hans Richter, é um relato vivo do delírio dadaísta. Da liberdade de pensamento e de expressão, de John Stuart Mill, filósofo e economista inglês do século XIX, é um manifesto idealista de um livre-pensador. Assalto a cultura - Utopia subversão guerrilha na (anti) arte do século XX, de Stewart Home, mostra a importância dos movimentos libertários e contestatórios do século XX na formação revolucionária e livre dos fanzines. A vida digital, de Nicholas Negroponte, importante como estudo de um futuro onde a técnica e arte se integrarão no universo multímidia. Os meios de comunicação como extensão do homem, de Marshall Mcluhan, mostra a evolução das tecnologia pré-revolução da informática até os anos 60 e a importância no estudo dos fenômenos da comunicação em massa. A sociedade global - educação, mercado e demoocracia, de Noam Chomsky e Heinz Dieterich, serve como parâmetro para nos inserir no contexto sócio-econômico atual. O que é contracultura, de Carlos Alberto Masseder Pereira, desenvolve a história da contracultura das décadas de 1960 e 1970. Alma Beat, de Antonio Bivar e outros autores é o retrato desordenado de uma geração de escritores libertários. Guerra e paz na aldeia global, de Marshall Mcluhan e Quentin  Fiore, é um livro sobre a convulsão gerada pela aceleração do nascimento de novas tecnologias nos últimos séculos, através de uma visão histórica e evolutiva. E, concluindo, em Movimento punk na cidade: a invasão das bandas sub, de Janice Caiafa nos mostra um retrato do movimento Punk brasileiro e, portanto, também, do centro de divulgação e emanação da alma fanzineira.

    É importante também, mesmo que a literatura da Internet ainda sofra os mesmos preconceitos que o cientificismo burocrático tem em relação a formas de expressão cultural reconhecidas academicamente, que uma relevante parcela deste trabalho não seria possível sem a pesquisa incessante e diária na Internet dos mais variados textos e autores, especializados no meio fanzineiro e underground, relacionados na bibliografia, entre os quais cabe destacar Stephen Duncombe, Chris Dodge, Seth Friedman, Richard Barbrook, Alex Swain, Flávio Calanzans, Glauco Mattoso, além, é claro de diversos autores punks e anarquistas, e os clássicos Aldous Huxley, George Orwell e William Burroughs.