Os fanzines da Internet divulgam textos literários,
eventos culturais, simples egotrips (devaneios pessoais) de seus colunistas
e leitores, discussões político-sociais, reportagens, entrevistas
e tudo o mais que possa envolver a produção cultural literária.
Foram criados com o intuito inicial de divulgar textos de quem não
tinha acesso à mídia, por inexperiência ou falta de oportunidade,
às mídias convencionais, para que outras pessoas pudessem
ter acesso ao que é produzido culturalmente e, também, ao que
está fora do alcance da grande mídia.
Os fanzines eram originalmente feitos à mão
ou datilografados e copiados para distribuição gratuita ou a
valores de custo para um público leitor específico e segmentado.
Partindo da óbvia influência que os fanzines da Internet tiveram
dos tradicionais fanzines publicados em papel pretende-se estabelecer e quantificar
a influência que os atuais fanzines na Internet têm sobre a produção
e desenvolvimento de e-zines ou fanzines pelos seus leitores.
A popularização da informática,
o aumento mais que significativo dos usuários da Internet e a
segmentação cada vez maior do mercado cultural decorrente da
diminuição da distância e do tempo de comunicação
entre as pessoas, provocadas pelo aprimoramento da tecnologia, facilitaram
a disseminação ainda maior dos fanzines. Faz-se necessário
descobrir até que ponto um pequeno grupo de pessoas interessadas em
divulgar seus próprios textos e idéias pode influenciar outras
pessoas a produzirem seus próprios textos e divulgarem suas idéias
utilizando a Internet. Procura-se saber até que ponto este intercâmbio
cultural impulsiona um crescimento intelectual e uma retomada da identidade
individual do público leitor. Do leitor que cada vez mais transforma-se
em participante ativo de um produto cultural.
Com o advento da Internet, e toda a capacidade de
uso da tecnologia em nome da proliferação de escritos, mensagens
e novas visões que a Internet pode proporcionar, o fanzine voltou a
ser um meio, ainda que restrito economicamente a um certo grupo social que
tem acesso à Internet, de divulgação de novas produções
culturais marginalizadas pelos grandes meios de comunicação.
A Internet possibilita, por ser quase que totalmente
livre de censura e do controle de órgãos governamentais ou de
controle das entidades privadas, a mais ampla liberdade de expressão
e democratização do meio. Onde todos os usuários escrevem
e são lidos e onde esses mesmos usuários tornam-se produtores
de uma nova expressão cultural que rompe com as barreiras das imposições
mercadológicas da grande mídia.
Esse tipo de comunicação alternativa,
como os e-zines, é a possibilidade que a sociedade, dentro de certos
limites econômicos impeditivos de uma maior participação,
tem de democratizar cada vez mais os meios de comunicação e
combater a massificação, a desindividualização
e a falta de identidade do público consumidor de cultura. É
a cultura participativa e libertária, o famoso "faça você
mesmo" que pregava o movimento Punk e, de certo modo, a liberdade criativa
dos dadaístas e a falta de compromissos dos beats. Este trabalho pretende,
assim, e por isso sua importância, ser um propagador do ideal
de libertação cultural e maior participação e
independência de toda a sociedade nos meios de comunicação
e na produção de cultura.
Cabe aqui lembrar as palavras do filósofo John
Stuart Mill que em 1859 escreveu em seu Da liberdade de pensamento e de expressão
que:
"a opinião que se tenta eliminar pela autoridade pode muito possivelmente
ser verdadeira. Aqueles que desejam suprimi-la negam, evidentemente, a sua
verdade; mas eles não são infalíveis. Não têm
qualquer autoridade para resolver a questão em nome de toda a humanidade
e excluírem todas as outras pessoas do meio de julgamento".
Pois não é o fanzine, e sua variação
moderna, o e-zine, uma nova forma de comunicação e utilização
dos meios muito mais democrática que a padronização dos
meios de comunicação de massa? Como negar às pessoas
o direito de expressarem livremente suas idéias e opiniões?
A utilização indiscriminada dos meios de comunicação
de massa pelas grandes organizações brutaliza e aniquila a opinião
pública, deformada que é pelo interesse dos patrocinadores
e governadores, detentores do poder, um do econômico, outro, do político,
do poder de decidir quem ou não pode, pública e irrestritamente,
expressar seus pensamentos.
Segundo Heinz Dieterich:
"a essência do processo de desenvolvimento e implantação
dos subsistemas de educação e cultura da sociedade global pode
ser sintetizado na seguinte afirmação: gerar o homem semiótico
mediante sua socialização no ciberespaço. Este homem
semiótico deve viver determinado pela ditadura das superfícies,
dentro de uma cultura mundial homogeneizada e num espaço público
tão transformado que a mudança estrutural do público,
analisada por Jünger Habermas, não transcende a dimensão
de uma tempestade num copo d'água."
Ironicamente este mesmo mercado cultural que massacra
e banaliza as relações nos meios de comunicação
se alimenta das vanguardas e dos marginais, justo que estes, mais próximos
da realidade, na maioria das vezes sabem melhor demonstrar os sentimentos
da pessoa comum. O mercado cultural precisa de renovação, constantemente,
e esta não se dá pelos métodos convencionais. As idéias
novas só prosperam no ambiente de liberdade nos ambientes ditos alternativos,
ou excluídos, como queiram.
Este estudo é importante aos acadêmicos
dos cursos de Comunicação, especialmente os de Publicidade e
Propaganda, pois é necessário que estes estudantes tenham conhecimento
da existência de outros meios de divulgação que não
os convencionalmente utilizados como exemplos no aprendizado da profissão
e no estudo teórico da Comunicação Social.
É importante, também, aos acadêmicos
de Letras que poderão ter aberto um novo campo de trabalho e divulgação
e com isso terem mais oportunidades que as mídias convencionais lhes
apresentam. É importante para a sociedade que terá acesso a
cada vez mais meios alternativos de divulgação cultural, à
socialização e à democratização dos meios
de comunicação. É importante ao mercado cultural e editorial
pois terá acesso ao descobrimento de novos talentos e profissionais
que, sem a existência dos fanzines e e-zines, não teriam onde
desenvolver seus trabalhos.
Enfim, este trabalho torna-se necessário
no momento em que a segmentação, a multiplicidade de grupos
e tendências culturais, exigem mais oportunidades para manifestações
culturais independentes de governos ou grandes órgãos de comunicação
de massa.
Cabe lembrar que os movimentos aqui descritos também
nos levarão à conscientização que se não
nos adentrarmos no universo do "faça você mesmo" estaremos sendo
levados de roldão para as mudanças que dele podem vir. Pois
é importante a todos acima descritos, profissionais de diversas áreas
da comunicação, em conseqüência também de
outras áreas da sociedade que agora não é possível,
por contingência de espaço, qualificar, que correm o risco de
tornarem-se atividades obsoletas em pouquíssimo tempo. A horizontalização
das relações de comunicação é uma tendência
natural. O editor, o agenciador de publicidade, o repórter, entre outros,
podem estar se tornando funções de uma engrenagem velha de
relacionamento humano. "Faça você mesmo" também é
a diminuição da importância, ou até mesmo, em certos
casos, a eliminação, dos intermediários das mensagens.
Na medida lógica que no momento em que o receptor torna-se um emissor,
o intermediário, não o meio, torna-se desnecessário.
As grandes corporações de comunicação tanto estão
atentas a isso que pouco a pouco criaram o conceito de interatividade. A interatividade
ainda vai exercer um certo poder enquanto uma, grande, camada da população
não tiver acesso à Internet. Mas no momento em que a Internet
transformar-se tão popular quanto a televisão, a interatividade
poderá perecer, visto que falsificada em um processo de respostas
e escolhas, onde não é dada a oportunidade de escolher o que
queremos, ou, melhor ainda, o que não queremos, faremos nós
mesmos. Não é para se preocupar com a pretensa "futurologia"
deste parágrafo. Apenas deixa-se ao leitor a oportunidade de pensar
por conta própria.
O primeiro capítulo trata da liberdade de
expressão e da importância desta dentro de um contexto histórico-social
massificado, individualista e sem identidade. Para Stuart Mill "a liberdade
de pensamento é indispensável para permitir ao homem médio
atingir a grandeza mental de que é capaz" . Esse conceito insere-se
no quesito básico desde estudo: o de estabelecer a validade ou não
de novos canais de comunicação, mais abertos e democráticos,
nos quais a pluralidade de opiniões seja respeitada e onde a o indivíduo
estabeleça-se como centro de convergência e emissão de
cultura. O segundo capítulo mostra um quadro dos movimentos culturais
libertários como o dadaísmo, o surrealismo, o movimento Beat
e o movimento Punk e as suas relações com a indústria
cultural. No terceiro capítulo estabelece-se uma relação
entre os movimentos culturais que pregam a total liberdade de expressão
e o advento dos fanzines com a popularização das máquinas
copiadoras e o nascimento e crescimento da Internet, especificamente dos chamados
e-zines, de fácil assimilação e distribuição.
O quarto capítulo trata especificamente da influência que os
fanzines e e-zines exercem sobre a atividade cultural-literária de
seus leitores através da análise de pesquisa objetiva. E, finalmente,
o quinto capítulo, partindo dos dados pesquisados conclui sobre a validade
ou não dos fanzines e e-zines como incentivadores de uma produção
cultural independente e a colocação desta produção
em função de um contexto histórico de grandes mudanças
tecnológicas e sociais.
Como base teórica foi utilizado o livro
Mate-me por favor - uma história sem censura do Punk,
de Legs McNeill e Gillian McCain,
trata do movimento Punk, principalmente nos Estados Unidos, através
de entrevistas e depoimentos de pessoas envolvidas no contexto musical do
punk. É importante para este trabalho no que refere a estabelecer o
modo de vida e de pensar dos punks que acabou influenciando no surgimento
e proliferação dos fanzines. Também de grande importância
para este trabalho, a obra Para navegar no século XXI, de Edgar Morin
e outros, trata da Internet, dos instrumentos de navegação nesse
meio e da nova produção cultural decorrente do advento da Internet.
É um livro básico para compreender os termos, as expressões
e cotidiano desse recente meio de comunicação de massa e que
permite uma maior interatividade e participação, palavras-chave
para os fanzines. De Baudelaire ao Surrealismo, de Marcel Raymond, mostra
a evolução dos movimentos artísticos contestatórios
dos séculos XIX e XX. Dadá: ate e antiarte, de Hans Richter,
é um relato vivo do delírio dadaísta. Da liberdade de
pensamento e de expressão, de John Stuart Mill, filósofo e
economista inglês do século XIX, é um manifesto idealista
de um livre-pensador. Assalto a cultura - Utopia subversão guerrilha
na (anti) arte do século XX, de Stewart Home, mostra a importância
dos movimentos libertários e contestatórios do século
XX na formação revolucionária e livre dos fanzines. A
vida digital, de Nicholas Negroponte, importante como estudo de um futuro
onde a técnica e arte se integrarão no universo multímidia.
Os meios de comunicação como extensão do homem, de Marshall
Mcluhan, mostra a evolução das tecnologia pré-revolução
da informática até os anos 60 e a importância no estudo
dos fenômenos da comunicação em massa. A sociedade global
- educação, mercado e demoocracia, de Noam Chomsky e Heinz Dieterich,
serve como parâmetro para nos inserir no contexto sócio-econômico
atual. O que é contracultura, de Carlos Alberto Masseder Pereira, desenvolve
a história da contracultura das décadas de 1960 e 1970. Alma
Beat, de Antonio Bivar e outros autores é o retrato desordenado de
uma geração de escritores libertários. Guerra e paz na
aldeia global, de Marshall Mcluhan e Quentin Fiore, é um livro
sobre a convulsão gerada pela aceleração do nascimento
de novas tecnologias nos últimos séculos, através de
uma visão histórica e evolutiva. E, concluindo, em Movimento
punk na cidade: a invasão das bandas sub, de Janice Caiafa nos mostra
um retrato do movimento Punk brasileiro e, portanto, também, do centro
de divulgação e emanação da alma fanzineira.
É importante também, mesmo que a literatura
da Internet ainda sofra os mesmos preconceitos que o cientificismo burocrático
tem em relação a formas de expressão cultural reconhecidas
academicamente, que uma relevante parcela deste trabalho não seria
possível sem a pesquisa incessante e diária na Internet dos
mais variados textos e autores, especializados no meio fanzineiro e underground,
relacionados na bibliografia, entre os quais cabe destacar Stephen Duncombe,
Chris Dodge, Seth Friedman, Richard Barbrook, Alex Swain, Flávio Calanzans,
Glauco Mattoso, além, é claro de diversos autores punks e anarquistas,
e os clássicos Aldous Huxley, George Orwell e William Burroughs.