Althusser: perigo de vida


1.
Louis Althusser nasceu em 1918 em Birmandreis, na Argélia, tendo falecido em Outubro de 1990 no instituto psiquiátrico de La Verrière, cidade da região parisiense. Escreveu diversos livros, que lhe granjearam notoriedade e admiração em todo o mundo. Militou desde os anos 40 no Partido Comunista Francês, onde conheceu horas de entusiasmo mas sobretudo de solidão, amargura e desespero. Em Novembro de 1980, num acesso de loucura (era maníaco-depressivo, com crises de melancolia aguda), estrangulou sua esposa Hélène Rhytmann, com quem partilhava um apartamento na École Normale, à rua de Ulm em Paris, onde exercia actividade docente há mais de trinta anos. Ficou conhecido como um filósofo e teórico marxista intelectualmente arrojado e elegante, com uma ponta de rigidez provocadora e ferina no seu staccato argumentativo. Não menos real para mim é a sua imagem de poeta e místico heresiarca. Activista católico na sua juventude («La bonne nouvelle est-elle annoncé aux hommes d’aujourd’hui?»), Althusser era um ser frágil, perseguido por uma exigência absoluta de utopia, serenidade e beleza. A grande paz. A alegria partilhada. Enquanto observo algumas fotografias suas, move-me ainda compulsivamente um profundo temor por esses luz e mistério para sempre encerados nesta vida. Pelas sendas de um pensamento trágico e dilacerado, procurou ele incansavelmente (por vezes com ferocidade, quantas vezes cedendo à vertigem do ódio e horror de si próprio) uma via de salvação para o homem concreto seu próximo, mergulhando por fim no desespero de um sofrimento atroz, prolongado, final e desamparado. Era dos melhores de nós. Um irmão? Não sendo eu, em nenhum sentido, um homem religioso, não saberei possivelmente nunca valorizar esta perturbadora impressão, a qual todavia, pela sua intensidade, não poderia deixar de ser a promeira aqui expressa.

2.
Dos desafios que o pensamento de Althusser enfrentou, e foram muitos e temerários (aludiremos a alguns outros num breve excurso, necessariamente vertiginoso), nenhum excedeu certamente, em ambição e magnitude, o do célebre “corte epistemológico” alegadamente operado por Marx, a abertura de uma nova disciplina para o conhecimento humano: o continente História. O que se seguirá neste texto são as impressões de um leitor comum, embora atento, desprovidas de qualquer pretensão de rigor técnico, a qual só uma formação específica permitiria naturalmente acalentar.

Terão havido três grandes eventos na história do saber, três momentos fundadores de novas ciências ou complexos científicos: a descoberta da matemática pelos gregos, que propiciou a irrupção da especulação ontológica dos pré-socráticos; a física galileana, à qual ficou historicamente associada a filosofia cartesiana e os seus continuadores; enfim, o materialismo histórico de Marx, para o qual Althusser batalhou toda a vida para achar uma filosofia que o servisse, seja procurando-a nos próprios textos dos fundadores do marxismo (sobre os quais não hesitou em praticar a violência de uma controversa “leitura sintomal”, inspirado em Spinoza e na escola epistemológica francesa, sobre o ruido de fundo das modas estruturalistas), seja, por fim, pedindo o concurso de toda uma tradição filosófica materialista expressamente convocada para o efeito.

Uma nova ciência, porém, não surge do nada, por passe de mágica ou golpe de génio. Ela apoia-se e trabalha sobre um conjunto de saberes empíricos, representações comuns, regras intuitivas pré-existentes, de natureza ideológica. Uma vez operado o “corte”, e firmemente estabelecida a nova problemática teórica, a ciência emergente terá ainda de lutar (durante décadas, senão séculos) pelo seu reconhecimento, batendo-se contra o influxo de concepções pré-científicas que lhe disputam o seu espaço próprio. Munida agora, porém, de uma aparelhagem conceptual básica coerente, ela pode prosseguir o seu trabalho de produção de conhecimentos novos, o qual, na concepção de Althusser, é análogo ao de qualquer outro processo produtivo. Simplesmente, e seguindo de perto a lição de Marx (contra o empirismo e a “teoria do conhecimento”), esta produção “processa-se toda no pensamento”. Note-se, porém, que este “pensamento” não é uma entidade abstracta, com o que se cairia na ficção epistemológica do sujeito transcendental puro, mas sim e sempre “um sistema real próprio, fundado e articulado sobre o mundo real de uma sociedade histórica dada, que mantém relações determinadas com a natureza, um sistema específico definido pelas condições da sua existência e da sua prática”. De facto, Althusser vai ao ponto de cunhar os conceitos de “modo de produção de conhecimento” e de “aparelho de pensamento”, aqui com alusão ao “aparelho psíquico” freudiano, do qual retém uma fundamental propriedade estrutural: “o facto de que o pensamento não é nunca ‘contemporâneo’ a ele próprio, transparente às suas próprias determinações” (1). Há assim uma matéria-prima básica, os tais saberes vulgares não-críticos, sobre os quais vai ser exercido um trabalho teórico com base na aparelhagem conceptual da ciência, que funciona aqui com instrumento de produção, findo o qual os primeiros se verão transformados em conhecimentos científicos novos. Althusser reproduz assim o esquema spinozista das três generalidades (Generalidades I, a matéria-prima ideológica; Generalidades II, a teoria; Generalidades III, o conhecimento novo produzido), como partes integrantes de um processo a que ele teve o desplante de chamar “prática teórica”, para enorme escândalo dos sacerdotes do dia-mat, pregados à margem a bradar “idealismo!” (Adam Schaff pôs a questão em termos deontológicos, falando de “irresponsabilidade teórica”).

Houve pior. Sempre apoiado em Spinoza (verum index sui et falsi), e agora também, com assinalável desplante, em Lenine (“a teoria marxista é todo-poderosa porque é verdadeira”), Althusser teve a suprema ousadia de propor que, uma vez fundada uma ciência, esta não carece de ver as suas conclusões confirmada pela prática (a material agora). Afastou resolutamente toda a questão da validação dos conhecimentos científicos, como sendo um preconceito decorrente da ideologia juridicista da epistemologia burguesa. Um conhecimento é verdadeiro, no sentido em que é um justo conhecimento do seu objecto, desde que respeite integralmente as regras do processo das três generalidades, independentemente de qualquer “prova” material, confrontação posterior com os “factos”, validação por “peritagens” independentes. No caso do materialismo histórico, que é uma ciência totalmente imersa na luta de classes, ela própria um instrumento maior dessa luta, como se acharia aliás essa validação objectiva? A parada é agora naturalmente muito alta. Althusser manteve esta proposição até ao fim, através mesmo de todas as autocríticas às suas tendências “teoricistas” (2). Por isso faz sentido a constatação amarga de Balibar de que “o verdadeiro pode perecer”.

É que o materialismo histórico de Marx não constitui uma ciência como as outras. A ciência dos modos de produção e das formações sociais é também, e indissoluvelmente, a ciência da libertação do proletariado e da classe trabalhadora, tendo por horizonte o comunismo. É uma ciência de partido, de trincheira, avançando e recuando conforme os acidentes da práxis social, a deslocação no terreno das balizas da luta de classes. Na própria teoria, “posições” serão assim conquistadas ou abandonadas ao adversário. No limite, o próprio núcleo central da ciência pode ser tomado pelas concepções ideológicas burguesas que se vêm desde sempre insidiosamente infiltrando no campo do marxismo (o “humanismo”, o “economicismo”, o “historicismo”), fazendo-o recuar para lá da fronteira do “corte”, transformado numa mera “concepção do mundo”, senão em auxiliar operatório ocasional das “ciências humanas”.

Porventura nenhum problema terá torturado mais o espírito e as capacidades críticas de Althusser do que esta questão da ideologia. Houve aqui hesitações, tentativas eclécticas (incluindo páginas verdadeiramente alucinadas, de uma beleza ímpar), emendar de caminho na sequência de Maio de 68 e da fortíssima crítica do seu discípulo Jacques Rancière (3). Houve porém uma definição central que não vacilou. Ideologia: relação imaginária que os homens mantém com as suas condições reais de existência. Algo do domínio do “vivido”, solidificando as relações sociais dadas, tornando-as suportáveis para os seus diversos actores. Todas as sociedades (não apenas as de classes) segregam necessariamente este líquido amniótico em que subsistem e que - conservando os indivíduos prisioneiros de uma ilusão vital - contribui decisivamente para a reprodução da sua força de trabalho e das relações de produção que lhes são próprias. No plano institucional, a difusão da ideologia da classe dominante é assegurada pelos Aparelhos Ideológicos de Estado (religiosos, escolar, familiar, jurídico, político, sindical, de informação, entretenimento, etc.), entidades disseminadas por todo o tecido social, que veiculam a mensagem da ordem estabelecida, funcionando prevalentemente pela persuasão, embora também acessoriamente pela coerção (4). Há pois um “campo ideológico”, agregando aliás dois tipos distintos de ideologia: as ideologias práticas (religiosas, morais, estéticas, regras de prudência, cortesia, etc.), de função imediatamente útil do ponto de vista da orientação da conduta dos seus sujeitos; as ideologias teóricas (a filosofia especulativa e as “ciências2 ditas humanas: direito, economia, sociologia, etc.), estas já com pretensão cognitiva e que, de facto, podem servir de matéria-prima para o processo de conhecimento ou mesmo dar origem a ciências novas, por intervenção de um corte epistemológico (5).

E aqui começam as dificuldades do lado da prática. Se toda a prática (trabalho, política ou ciência - não há aqui diferença de plano, todas se desenvolvendo segundo o mesmo modelo do “modo de produção”) está ancorada nas suas condições históricas concretas dadas, como subtrair a produção científica à influência da ideologia que, no entanto, presumivelmente teria sido já relegada para uma região anterior ao corte? E a política? Quem detém os meios de produção (teóricos) das transformações sociais? O comité central do partido? Com todos os seus seguidores e adversários por igual mergulhados no pântano da ideologia? Muito bem, mas como pôde o c.c. assim içar-se a si próprio para fora da ideologia? São estas dificuldades que Althusser vai procurar resolver na autocrítica de 1972, em que rechaça qualquer “interpretação racionalista do ‘corte’, opondo a verdade ao erro, sob as espécies da oposição especulativa de ‘a’ ciência e ‘a’ ideologia em geral, de que o antagonismo do marxismo e da ideologia burguesa se tornava um caso particular” (6). Mas se o político (ou, mutatis mutandis, o cientista), mesmo o marxista, está afinal ainda e sempre na ideologia, seja ela embora ‘proletária’, então não poderá transformar as condições reais de existência dos homens concretos senão munido de uma imagem ilusória que ele se faz delas mesmas, e certamente também das condições da sua superação. Não há saída, nem talvez deva haver. Ilusão contra ilusão, triunfará a mais forte.

E a filosofia nisto tudo? Também aqui houve um realinhamento teórico. De “teoria da prática teórica” passou a ser definida como, finalmente, “luta de classes na teoria” (7). A primeira definição estaria ainda prisioneira do entono inicial racionalista/positivista, fazendo lembrar irresistivelmente o projecto de uma “ciência das ciências”. A nova definição enfatiza o primado das práticas de transformação material sobre as meramente teóricas, e nestas, da ciência sobre a filosofia. Isto porque afinal a filosofia é, afinal, uma linguagem de segunda ordem, um discurso sobre outros discursos (ideológicos ou científicos), estes sim em contacto directo com o real. A sua tarefa é, através do enunciado de teses ou proposições dogmáticas (porque indemonstráveis), a de traçar linhas de demarcação entre os outros discursos, e entre estes e si própria, de modo a abrir caminhos justos para a resolução dos seus problemas e dos problemas relacionados com as práticas políticas e científicas a eles ligadas. As teses filosóficas não são verdadeiras ou falsas. Não admitem prova nem demonstração mas apenas a arguição racional da sua justeza (adequação, utilidade para as práticas sociais). As teses ligam-se entre si para formar um sistema. A filosofia não deve procurar responder à questão da ‘origem’ ou dos ‘fins últimos’, porque justamente essas são questões ideológicas (próprias das ideologias práticas morais e religiosas) de que ela se deve demarcar (8).

Apesar de ser uma disciplina sem objecto e inteiramente dependente dos discursos de primeiro grau, a filosofia tem assumido uma posição de arrogância totalitária e de exploração descarada das ciências. É tarefa do filósofo materialista o traçado de uma rigorosa linha de demarcação entre a filosofia e as ciências, impedindo que aquela se aproprie dos resultados destas para fins ideológico-práticos, e isolando ainda à nascença as infiltrações idealistas no discurso filosófico “espontâneo” dos cientistas (que emerge regularmente sempre que estes enfrentam uma crise de crescimento da sua disciplina). Sobre estas questões da Filosofia Espontânea dos Cientistas (FEC), que não é afinal mais do que a ingénua repescagem de velhíssimos temas da filosofia especulativa, Althusser travou um célebre diálogo com o biólogo molecular Jacques Monod. Hoje dialogaria certamente com os expoentes da cosmologia e da física - na era das G.U.T.’s (grand unification theories) - por entre os quais grassa com furor a especulação metafísica mais debragada, inclusivé com afloramentos de teologia. Há aliás presentemente, num vasto conjunto de ciências - p. ex., termodinâmica, cibernética, neurofisiologia, biologia, genética, teoria da evolução, etc. - investigadores que concebem e divulgam com regularidade sistemas filosóficos e verdadeiras “concepções do mundo”: irreversibilidade, teoria das catástrofes, caos, fractais, princípio antrópico, etc.. Muitos destes “modelos”, na maior promiscuidade, partem depois à conquista de outras ciências e insinuam-se no debate político, acabando por ser servidas de contrabando às massas como mercadoria ideológica (9).

O problema que Lenine pressentia em ‘Materialismo e Empiriocriticismo’ (1908, polémica com os seguidores de Mach) não tem feito senão agravar-se em extensão e profundidade. O que repõe afinal um problema que Althusser sempre se recusou a encarar (ele começara justamente, no seio do P.C.F., por entrar em polémica contra a palavra de ordem estalinista da “ciência proletária”): há uma luta de classes na ciência. Não nas suas excrescências ideológicas, não na sua exploração abusiva pela filosofia - no próprio âmago da prática científica, por mais “materialista” que esta se queira afigurar. Aqui, o corte epistemológico (com o seu inconfundível lastro positivista, via Bachelard) só vem atrapalhar e confundir. Existe uma generalizada explosão dos compartimentos científicos tradicionais. O sincretismo, a deriva especulativa e o tráfico entre ciência e ideologia tornaram-se demasiado intensos e comuns. É necessário um trabalho de crítica (metodológica e prática) e de tomada de posições no seio da própria “comunidade” científica. Não é mais concebível abandonar confiadamente este campo ao adversário e ficar à porta, em inquisitória postura filosófica, aguardando que o honesto labor dos cientistas se prossiga segundo irrepreensíveis cânones teóricos estabelecidos.

No prosseguimento da sua vocação e apetência pelo “todo”, a filosofia tem desempenhado também um papel fundamental ao serviço da classe dominante: a articulação das suas diversas ideologias práticas e filosofemas avulsos num sistema coerente, apto a consolidar duravelmente a hegemonia ideológica dessa mesma classe. Estamos aqui pois em pleno terreno da “luta de classes na teoria”: o esforço pela ocupação efectiva do terreno teórico, por forjar instrumentos para a unificação ideológica sob a bandeira da verdade. Aqui o filósofo marxista deve responder com a sua própria prática filosófica nova, batendo-se por posições teóricas no terreno, mas não assumindo ele próprio uma atitude exploradora perante as ciências, nem erigindo uma filosofia própria como sistema unificador das ideologias (das classes exploradas). Ao intentar fazê-lo (a exemplo da ontologia materialista de Engels-Estaline), estará já certamente a forjar o instrumento de dominação ideológica de uma nova classe e um obstáculo dogmático ao prosseguimento da prática política revolucionária (ou científica: caso Lyssenko, etc.). Assim como o objectivo estratégico da prática política da classe operária é o derrube do Estado burguês para erigir no seu lugar um não-Estado votado ao desaparecimento (que dará lugar à livre associação dos trabalhadores), assim a tarefa fundamental da sua prática filosófica é o ataque aos fundamentos e o derrube efectivo do edifício da filosofia burguesa, não para erguer um novo sistema no seu lugar, mas para dar ensejo à irrupção de sempre novas e livres práticas filosóficas (10).

Ligada à questão do “corte epistemológico”, e ao combate permanente que a ciência marxista deve mover às concepções ideológicas adversárias (apoiada afinal, como vimos, nas suas próprias), está a mais ruidosa polémica em que Althusser se viu envolvido: a questão do anti-humanismo teórico de Marx (afinal, apenas um caso particular daquele “traçar uma linha de demarcação” próprio da prática filosófica). O problema surgiu com a palavra de ordem krutcheviana do “humanismo socialista”. Althusser fez questão em sublinhar o desequilíbrio interno desta expressão teórica: o socialismo é um conceito científico, enquanto o humanismo é um conceito ideológico oriundo das filosofias burguesas iluministas (sobrevivente no jovem Marx até aos manuscritos de 1844, ainda presos à problemática antropológica de Feuerbach). Não que não possa haver um humanismo proletário (concreto, real, de classe, ou o que se queira), mas será sempre um conceito e um instrumento de luta ideológicos, que importa sobremaneira não deixar usurpar qualquer função científica no discurso do campo marxista. Os objectivos tácticos da classe operária podem ser prosseguidos por meios ideológicos, mas para a definição estratégica dos termos de luta é necessário todo o rigor da teoria, e esta não pode ser enfraquecida por infiltrações espúrias, capazes de minar a solidez de todo o edifício (11).

3.
Questão entre todas central no marxismo, que aqui veremos necessariamente colocada, é a da dialéctica. São conhecidas as expressões de Marx relativas à sua dívida para com a lógica hegeliana: “A dialéctica em Hegel está de cabeça para baixo. A fim de descobrir, envolto na ganga mística, o seu núcleo racional, é preciso invertê-la” (prefácio à segunda edição de ‘O Capital’). Althusser batalhou denodadamente (sem textos convincentes em seu apoio, como acabou por reconhecer) contra a interpretação corrente desta inversão. A seu ver, esta expressão é apenas aproximativa, levantamento de um problema, apelo a uma transformação necessária a operar na dialéctica hegeliana para a adaptar ao materialismo (Marx chegou a prometer “vinte páginas” sobre a dialéctica, mas jamais as escreveria). Por outro lado, o objecto desta inversão/transformação é, não o sistema idealista (a "ganga mística"), mas sim o seu próprio núcleo racional. Os conceitos fundamentais da estrutura da dialéctica hegeliana (tese, negação, negação da negação, identidade dos contrários, superação, contradição, transformação da quantidade em qualidade, etc.) não podem ser retomados tais quais (ou de todo) pelo marxismo, pois estarão irremediavelmente presos à problemática especulativa e idealista em que foram forjados. Não basta, pois, como sugeria o economicismo vulgar, inverter o sistema hegeliano, colocando a economia (forças produtivas + relações de produção) no lugar da Ideia absoluta, mantendo-se inalterado o eixo do sistema. Todo um trabalho (só esboçado por Althusser) de reelaboração conceptual se mostra necessário, envolvendo as peças fundamentais do mecanismo da dialéctica. O alcance teórico e político desta sua tomada de posição é vastíssimo, talvez incomensurável.

Na filosofia da História de Hegel, podemos captar a essência de uma época manifestando-se por igual, na forma alienada, em todas as instâncias sociais (economia, instituições políticas, moral, arte, filosofia, religião, etc.). As sucessivas etapas ou momentos de objectivação da Ideia obedecem, cada uma delas, a um único princípio director (personalidade jurídica nos romanos, subjectividade cristã, etc.). Esse mesmo princípio é afinal tão só a forma mais abstracta da consciência de si desse mundo, reflectindo-se por igual e ao mesmo nível em todos os domínios da vida social. Cada elemento do todo é presente a si próprio e aos restantes na comunhão do mesmo princípio. Sincronicamente, seria assim sempre possível operar numa dada sociedade um “corte de essência” (12). A contradição é aí sempre simples (princípio contra princípio, A vs. não-A). Eis como a ganga mística penetra e determina afinal a configuração do próprio núcleo racional.

Tudo se passa diferentemente na dialéctica (caso se entenda conservar o termo), uma vez transposta para e sujeita ao primado do materialismo. A contradição aí é múltipla, desigual e sobredeterminada. As diversas instâncias da vida social desenvolvem os seus próprios processos contraditórios autónomos. Entre elas vigora uma determinação em última instância pelo económico. Marx usou aqui, na análise das formações sociais, o conhecido tópico do edifício: a infrastrutura (económica) e as superestruturas (jurídico-política e ideológica). A primeira é a dominante no conjunto, mas as segundas não são meros epifenómenos seus. Dispõem de autonomia relativa e de uma acção influenciadora de retorno sobre a base. Frequentemente, a contradição principal ver-se-á mesmo suplantada por uma contradição ou grupo condensado de contradições secundárias, passando uma destas a mostrar-se temporariamente dominante (no Maio de 68 foi fundamental a luta ideológica; a revolução de Outubro triunfou apesar do atraso das forças de produção na Rússia (13), etc.). Reflectindo a distinção entre a contradição principal e as secundárias existem, no seio mesmo de cada contradição particular, um aspecto principal e aspectos secundários da contradição (cujos papéis podem também ser permutados conjunturalmente). As contradições podem ser (tornar-se) antagónicas ou não antagónicas, podendo a agudização do seu antagonismo atingir eventualmente um carácter explosivo. Cada contradição particular (principal ou secundária) reflecte em si e nas suas características (antagonismo ou não, aspecto principal, etc.) a sobredeterminação pelo conjunto estruturado no todo. A sobredeterminação pelo todo do desenvolvimento desigual das diversas contradições provoca fenómenos de deslocamento e condensação da dominância estrutural, do “ponto nodal estratégico” ou elo decisivo num dado momento conjuntural. Uma mutação da contradição principal dá início a um “estádio” ou “época” novos. Se o aspecto dominante da contradição principal numa dada época atinge um grau explosivo, então “a revolução está na ordem do dia” (Lenine) e põe-se a questão de uma transformação radical na própria estrutura articulada do todo (14).

O que é mais decisivo: não há aqui qualquer unidade originária, mas sempre e já o dado de um todo complexo estruturado com dominante. Só a partir daquele, por abstracção, com utilidade apenas para efeitos de exposição, é que se pode falar de uma contradição simples (ex: burguesia/proletariado, forças produtivas/relações de produção, etc.). Vê-se bem como esta polifonia dialéctica assimétrica nos pode levar, teórica e politicamente, para bem longe da estreiteza do pretenso monismo materialista (Plekhanov) e dos seus derivados: o mecanicismo, o evolucionismo, o economicismo. De facto, Althusser chegou a ser acusado de “pluralista”, o que ele prontamente refutou: além de rejeitar a problemática ideológica das substâncias que subjaz ao pluralismo, não deixou ele nunca de afirmar uma totalidade, porém complexa e estruturada com dominante.

É uma boa filosofia. Marx é aqui trabalhado num sentido que nos pode ser indiscutivelmente útil e politicamente operativo, em sociedades que enfrentam uma complexificação crescente. Questões e desafios eminentemente contemporâneos como as identidades étnicas e nacionais, a opressão racial, choques culturais, género, família e diferença sexual, estratégias de informação, relações centro-periferia (ou local-regional-global), etc., etc.. Questões destas podem agora ser produtivamente assimiladas dentro de um quadro analítico que admite contradições múltiplas desiguais sobredeterminadas. Não há aqui eclectismo, pois para isso mesmo lá está a determinação em última instância (tendencialmente pelo económico, ou seja, pelo nó górdio forças produtivas-relações de produção), sem a qual nenhuma estratégia de acção política seria pensável.

É em especial urgente, neste enquadramento, um trabalho teórico aprofundado sobre o sistema (de dominância) capitalista mundial: identificação das contradições motoras e secundárias em cada um dos seus níveis (metrópoles imperialistas, periferias industrializadas, ultra-periferia); como se articulam ou podem articular, desigualmente, entre si; em que sentido se exerce em cada uma delas a sobredeterminação pelo todo; quais as solidariedades possíveis (a trabalhar politicamente) entre classes, estratos sociais e grupos de interesses organizados em cada um e entre os diversos níveis. Talvez nunca como hoje a urgência inadiável da acção se tenha visto confrontada com um tamanho défice teórico.

Althusser viria porém, para o final da sua vida (já após a morte de Hélène e o internamento psiquiátrico definitivo), a renegar todo este seu trabalho de busca de uma filosofia em Marx. Com base em elementos novos, convenceu-se que o fundador do materialismo histórico jamais se autonomizou verdadeiramente da dialéctica hegeliana. Não haveria realmente qualquer filosofia marxista “em estado prático” a extrair de ‘O Capital’, restando apenas a busca, em toda a história da filosofia, dos elementos necessários à constituição de uma filosofia para o marxismo. Em paralelo, sabe-se que Althusser foi evoluindo para formas cada vez mais anti-autoritárias de pensamento político, o que o levava a encarar com desconfiança qualquer tentativa sistemática em filosofia. Trabalhou sobre uma “verdadeira tradição materialista” (Spinoza, Maquiavel, Hobbes, Rousseau). Há ainda pesquisas sobre um “materialismo aleatóreo” em Epicuro e Demócrito: “trata-se de um materialismo do encontro, da contingência, em suma, do aleatório, que se opõe inclusive aos materialismos já recenseados, incluindo o comumente atribuído a Marx, Engels e Lenine, que, como todo o materialismo da tradição racionalista, é um materialismo da necessidade e da teleologia, isto é, uma forma disfarçada de idealismo” (15). Nada estará ainda encerrado sobre esta obra, a qual não poderá assim amputar-se sem mais, com base num veredicto judicial de inimputabilidade. Pressente-se aqui a emergência de uma paixão nova pelo tumultuar ridente e desordenado da vida: uma vida orgulhosa e livre, temerariamente suspensa sobre o nada, recusando com galhardia os confortos equívicos do sentido e da finalidade (16).

4.
Uma palavra agora sobre o que se convencionou chamar a escola althusseriana. Em primeiro lugar, ela existiu mesmo e não foi uma pura invenção dos seus detractores. Aquilo que estes consideravam ser apenas mais uma capela intelectual, era realmente um grupo de trabalho informal frequentado por alguns dos jovens mais brilhantes da época, animado pela incansável dádiva e sede de camaradagem de Althusser. Além de Étienne Balibar, seu companheiro mais próximo e constante, estiveram ainda a ele ligados, mais ou menos intensamente (em “círculos concêntricos”), Roger Establet, Pierre Macherey, Jacques Ranciére, Michel Pécheux, Michel Fichant, François Regnault, Alain Badiou, Robert Linhart, Yves Douroux, Nicos Poulantzas, Jacques-Alain Miller, Régis Debray, Dominique Lecourt, Saul Karsz, Bernard-Henri Levy. As investigações em marcha iam da literatura às matemáticas. Houve um seminário sobre ‘O Capital’ (1964-65), de que resultaria Lire le Capital; o curso de filosofia para cientistas (1967-68), o círculo de epistemologia, os Cahiers pour l’Analyse. Por ocasião do Maio de 68, destacou-se mesmo uma espécie de “esquerda althusseriana” que, em ruptura com a U.E.C., fundou a U.J.C. m-l e os Cahiers marxistes-leninistes. O P.C.F. mandou então vigiar as aulas do “doux maitre à la science pure et dure”, alarmado com a sua deriva maoizante. Jacques Lacan (cujo “retorno a Freud” foi aproximado, em paralelo, do trabalho regenerador efectuado pelos althusserianos sobre o texto de Marx) teve o seu seminário na École Normale, a convite de Althusser. Foucault e Derrida (alunos de Althusser, como aliás Pierre Bourdieu, Michel Serres, Jacques Bouveresse, André Comte-Sponville...) estavam próximos. Deleuze foi seduzido. Dumézil, Barthes, Braudel, Cangilhem e Cavaillès foram invocados. Spinoza partilhava-se cumplicemente. Havia um certo perfume nietzsheano no ar (17). E, é claro, também o famigerado “cachorro do estruturalismo” se passeava então livremente pelos corredores e cafés da rive gauche.

Com origem na rua d’Ulm, partiria então a última e porventura mais extensa vaga de “marxismo ocidental”, com uma fortíssima influência (que perdura) nos meios radicais anglo-saxónicos, numerosos discípulos e seguidores em Itália, na Alemanha, em Espanha e na América Latina. O conhecido manual ‘Conceitos Elementares do Materialismo Histórico’, da chilena Marta Harneker (prefaciado por Althusser, seu antigo professor) vendeu uns dez milhões de exemplares em todo o mundo. Investigadores marxistas dos mais destacados, nos domínios histórico, filosófico e da teoria das ciências, como Perry Anderson, Gregory Elliot, Charles Bettelheim, Alex Callinicos, Peter Schötter, Norman Geras, Ted Benton, Roy Bashkar, intentam explicitamente a prossecução de vias abertas pelo projecto althusseriano. A sua influência, mais difusa, nas modernas correntes do marxismo analítico e novo marxismo estruturalista é dificilmente subestimável.

No auge da sua influência teórica, porventura numa das suas fases de excitação hipo-maníaca, que se seguiam invariavelmente às numerosas depressões, Althusser teria mesmo chegado a confiar aos seus próximos: “Estamos em vias de nos tornarmos hegemónicos”. Palavras “terríveis”, que amargaria fortemente em seguida. Sobre despojos e ruínas, a noite maligna do anjo. Últimas lágrimas choradas sobre as mãos de Hélène, “as mãos de uma mulher muito velha, de uma pobreza sem esperança nem recurso e que todavia podiam dela dar tudo” (18). Althusser amou e destruiu. Teve grandes esperanças e bebeu o cálice da vida até ao último travo da angústia, da lancinante dor, do crime e do remorso, da perseverança enfim de olhos secos. A paz seja com ele. Shanti, shanti, shanti.

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NOTAS:

(1) Louis Althusser, Lire le Capital, petite collection Maspero, tomo I, p. 48; Étienne Balibar, Écrits pour Althusser, La Découverte, p. 44. Desta última obra há uma edição parcial portuguesa, com tradução de Carlos Leite: ‘Por Althusser’, Black Sun, Lisboa 1994.

(2) É certo porém que a temperou com concepções novas: a afirmação enfática do princípio do “primado da luta de classes na economia e na política sobre a luta de classes na teoria”; o materialismo histórico como produtor de “resultados teóricos demonstrados, isto é, verificáveis pela prática científica e política, abertos sobre a sua rectificação regulamentada”. Cf. Louis Althusser, ‘Elementos de Autocrítica’, Iniciativas Editoriais, “Advertência” e p. 21. Resta todavia a recusa de um “juiz” externo da verdade ou justeza dos postulados do marxismo. O materialismo histórico valida-se, ainda e sempre, no interior do seu próprio processo de conhecimento, concebido agora como o processo continuado do próprio corte epistemológico, prosseguido na e pela união ou “fusão” da teoria marxista com o movimento operário.

(3) Ler em português, revisto pelo autor, Jacques Ranciére, ‘Sobre a teoria da ideologia’, Portucalense, Porto, 1971. Esta foi porventura a única vez em que Althusser reconheceu publicamente a justeza de uma crítica. E se ele foi atacado, e com que intensidade! Entre os seus mais conspícuos desafiadores, críticos e opositores: Roger Garaudy, Heri Lefèbvre, Lucien Séve, John Lewis, E.P. Thompson, Jorge Semprun, Adam Schaff, Raymond Aron (“marxismo imaginário”), Eric Fromm, Cornelius Castoriadis, André Glucksman, Lucien Goldman, Alain Touraine (“contre-reforme marxiste”), Pierre Vilar, Leszek Kolakowski, Guy Besse e o Comité Central do P.C.F. reunido em Argenteuil em 1966.
Em Portugal, João Esteves da Silva, ‘Para uma teoria da História’, 2 vols., Diabril, Lisboa, 1975, e, em diversas ocasiões, José Barata-Moura. Pode encontrar-se uma boa bibliografia em Gisela da Conceição, ‘Ler Althusser, leitor de Marx’, Caminho, 1990. Trabalho interessante de divulgação das ideias de Althusser é o artigo de Tito Cardoso e Cunha, ‘Ciência e História no marxismo de Louis Althusser’, repartido pelos nºs 386-7 e 388-9 da revista Vértice, Coimbra 1976.

(4) Caracterização inversa - predominantemente repressivo, acessoriamente persuasivo - cabe ao Aparelho Repressivo de Estado (fundamentalmente o exército e as polícias), que nas sociedades modernas, também ao invés dos Aparelhos Ideológicos de Estado, se encontra unificado sob monopólio público. Cf. “Ideologia e Aparelhos Ideológicos do Estado”, em Louis Althusser, ‘Posições’, Livros Horizonte, trad. de João Paisano, Lisboa 1977.

(5) Assim o materialismo histórico de Marx, fundado, após um trabalho de crítica e a criação, com base neles, de todo um campo problemático inteiramente novo, com materiais provenientes de três saberes ideológicos dados: o socialismo utópico francês, a economia política inglesa e a filosofia clássica alemã.

(6) ‘Elementos de Autocrítica’, ob. cit., p. 12.

(7) Althusser utiliza algures a metáfora militar da “correcção de tiro”. Temperando a sua admissão de erro (não há afinal erro em filosofia) ou desvio, ele fala de mudança conjuntural de posição filosófica. Após se ter dado combate a um inimigo (p. ex., o pragmatismo), pode revelar-se vantajoso reajustar a linha da frente, quer para dar combate a um inimigo novo, quer para consolidar a solidez do dispositivo teórico segundo as novas necessidades do momento. O problema não deve ser encarado em termos (afinal racionalista) de erro/verdade mas de justeza ou não (conjuntural) das posições filosóficas.

(8) Sobre estes problemas, Louis Althusser, ‘Filosofia e Filosofia Espontânea dos Cientistas’, Presença, trad. de Elisa Amado Bacelar, pp. 13-32, teses 1 a 20.

(9) É hoje uma prática corrente em certas grandes corporações de indústrias tecnológicas de ponta, a existência nos seus departamentos de investigação de filósofos contratados para resolver problemas teóricos surgidos nos laboratórios no decurso das pesquisas. Nunca esperou Dietzgen (“os professores de filosofia são lacaios do capitalista”) ser tomado tão ao pé da letra.

(10) Cf. Louis Althusser, ‘A Transformação da Filosofia’, Estampa, tradução de João Araújo, Lisboa 1981. Trata-se do texto de uma conferência na Universidade de Granada em 26 de Março de 1976, onde é clara uma aproximação (aproximação apenas, mas ainda assim expressa) ao pensamento anarquista, a qual haveria de prosseguir aliás em 1978 na famosa série de artigos de ajuste de contas com o P.C.F. publicados no jornal "Le Monde" (‘Ce qui ne peut plus durer dans le parti communiste’). Nesse mesmo ano, perante audiências em Itália e Espanha, pronunciará: “O socialismo é a merda” - é preciso atravessar essa merda rapidamente, em direcção ao comunismo (i.é, a ausência de relações mercantis), na barca da ditadura do proletariado, com a máxima vigilância revolucionária para não naufragar - cf. Louis Althusser, L’Avenir dure longtemps, IMEC/Stock, p. 217. Há uma tradução portuguesa, de Miguel Serras Pereira, deste lancinante ensaio auto-biográfico: ‘O Futuro é muito tempo’, Asa, Lisboa 1992.
Ainda no mesmo sentido, “Poder e oposição na sociedade pós-revolucionária”, intervenção num colóquio em Veneza, 11-13 de Novembro de 1977, e a entrevista que se lhe seguiu com Rossana Rossanda, “Comunismo, Estado e sociedade de transição” (em português na revista ‘Abril’, nº 4, Maio de 1978). Nesta entrevista, Althusser defende o ponto de vista de que “o partido deve estar fora do Estado, não só do Estado burguês mas, por maioria de razão, do Estado proletário”, apud António Pedro Pitta, ‘Althusser, filosofia e política’, Cadernos de Filosofia, nº 3-4, Fevereiro de 1991.

(11) Louis Althusser, Pour Marx, La Découverte, p. 225 e ss. Em português, Althusser e outros, ‘A Polémica sobre o humanismo’, Presença, tradução de Carlos Braga, Lisboa s/d.

(12) Sobre este conceito (“coupe d’essence”) ver Lire le Capital, ob. cit., vol. I, pp. 116-117.

(13) Neste caso, porém, em que intervieram como momentaneamente determinantes factores de conjuntura internacional (teoria do “elo mais fraco da cadeia imperialista”, desigualdade externa essa sobredeterminada pela desigualdade interna de desenvolvimento no seu todo estruturado com dominante, etc.), a recomposição da dominância em torno da determinação em última instância pelo económico ditaria logo de seguida o fracasso e pervertimento da revolução.

(14) Os conceitos de contradição principal/ contradições secundárias, aspecto principal/aspectos secundários da contradição e contradições antagonistas e não-antagonistas foram tomadas de um ensaio de Mao Zedong de 1937, ‘Sobre a Contradição’, onde se retomam por sua vez reflexões de Lenine do seu caderno sobre Hegel. O conceito de sobredeterminação provém da prática psicanalítica. Sobre todo este parágrafo, leia-se Pour Marx, ob. cit., pp. 198-224.

(15) Louis Athusser, Filosofia y Marxismo, entrevista com Fernanda Navarro, Siglo Veintiuno Editores, México, 1988, pp. 32-33. Mais adiante: “o mundo nada mais é do que casos, o que ‘nos acontece’ (Wittgenstein) sem prevenção. Esta tese, de que não existe mais do que casos e indivíduos singulares totalmente distintos entre si, é a tese fundamental do nominalismo” (pp. 37-38). Ou ainda: “nem Marx, nem Engels se aproximaram duma teoria da história, no sentido do acontecimento histórico imprevisto, único, aleatório (...). Lenine, Gramsci e Mao pensaram-na só em parte; o único que pensou a teoria da história política, da prática política no presente foi Maquiavel. Está aí uma enorme lacuna a preencher, cuja importância é decisiva e que, uma vez mais, nos remete para a filosofia” (p. 39). Traduções minhas do espanhol. Sublinhado no original.

(16) Os escritos póstumos de Althusser estão a cargo do I.M.E.C. (Institut Mémoires de l’Édition Contemporaine) e da editora Stock que os vêm editando paulatinamente, segundo um plano pré-estabelecido. Destaquem-se os ‘’Écrits philosophiques et politiques”, tomo I (1994) e tomo II (1995).

(17) “Sabemos que no decurso do século XIX nasceram duas ou três crianças que não eram esperadas: Marx, Nietzsche, Freud. Filhos ‘naturais’, no sentido em que a natureza ofende os bons costumes, o direito, a moral e o bom-viver: natureza, isto é, a regra violada, a mãe solteira, a ausência de pai legal. A uma criança sem pai, a Razão Ocidental fá-lo pagar caro (...): preço contabilizado em exclusões, condenações, injúrias, miséria, fome, morte ou loucura.” in Freud e Lacan, do livro ‘Posições’, ob. cit., p. 15.

(18) L’Avenir dure longtemps, ob. cit., pp. 150-151.