Vida e Obra de Bernardo Guimarães
  poeta e romancista brasileiro [1825-1884 - biografia]

 
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O Seminarista - enredo

O capitão Antunes e sua mulher, fazendeiros em Minas, obrigam a ser padre o filho Eugênio, que tem um amor de infância por Margarida, filha duma agregada da fazenda. O rapaz tenta abandonar a carreira, mas os pais não consentem e inventam que Margarida casou-se. Eugênio, que estava no Seminário de Congonhas, conforma-se e se ordena. Um dia, de volta à sua cidade, é chamado às pressas para assistir a uma doente. A doente é Margarida, que foram expulsa da fazenda com a mãe. Ela conta a verdade a Eugênio. Margarida, de temperamento ardente, arrasta Eugênio para o pecado. Ela morre e Eugênio endoidece quando, ao entregar na Igreja para rezar a sua primeira missa, depara com o cadáver da amada. Em O Seminarista, BG faz o que o estudiosos chama de "romance de tese": o que ele expõe é o equívoco do celibato religioso, que contraria a natureza humana. Essa é uma questão que continua atual. No romance, também está colocado o autoritarismo familiar, a ponto de o capitão Antunes não permitir que o filho siga o seu própria caminho. 

O que diz o crítico
Basílio de Magalhães

"O Seminarista", - "pequenos estudo de gênero", "narrativa romantizada de um fato real", - foi o trabalho, em prosa, de Bernardo Guimarães, que mais loas mereceu da habitual severidade do Silvio Romero, assim expressas: - "O livro deixa-se ler docemente; não é atordoardor e cheio convulsões; a ação corre serena e vai direta ao seu fim. Tem muita verdade psicológica e muita exatidão de tintas nas cenas locais. Não tem aquele aspecto doutrinário, escavador, científico, técnico, que vai invadindo o romance moderno, às vezes levado a tal exagero, que antes ler um tratado de patologia, especialmente de moléstias do sistema nervoso e das faculdades mentais, do que ler tais livros, que, afinal de contas, nem ciência nem arte são. O nosso livro não tem aquele aspecto demonstrativo de equação algébrica, nem o tom realista de um processo-crime. O romance é vazado nos velhos moldes; mas tem verdade, dessa verdade que se impunha a um homem que tinha os olhos abertos, como Bernardo Guimarães, e saber observar, ainda que o não ostentasse".

É o "Eurico" brasileiro, colimado combater e extirpar o antigo costume de forçarem os pais um pobre filho, ou, às vezes, dois e três, à desumana instituição católica do celibato clerical, ainda mais palpável nos seus males aqui, sob o sol intertrópico, a cujas cálidas irradiações estúa o sangue miscinegeneo, do que nas regiões temperadas e frias do velho mundo.

O Eurico e Hermengarda correspondem Eugênio e Margarida, que crescem juntos no mais inocente afeto, novos tipos de Paulo e Virgínia de uma estância rural. A família do menino, o qual é a personificação da timidez, obriga-o a estudar num seminário e, pela falsa notícia de haver casado com outrem a sua companheira de brincos infantis, logra que recebe ele as ordens sacras, desiludido de satisfazer a recrescente ânsia daquele único e veemente amor. Mas, na véspera do dia em que deverá dizer a primeira missa, é chamado a confessar uma enferma em estado grave, e nesta se lhe depara, sempre a mesma amorosa virgem, a sua indeslembrável Margarida. Consuma-se a paixão sacrilega, morre logo após a desfortunada jovem; e, ante o cadáver dela, não chega o novo levitã a celebrar o santo sacrifício do altar, porque enlouquece.

Conheço o cenário apainelado com cores reais por Bernardo Guimarães, e em Itapecerica mostraram-se a casa onde residiu a falecida Margarida. Era uma das mais antigas daquela cidade, e já foi derribada e substituída por um prédio novo.

Os capítulos XI e XII, concernentes ao "motirão" e à "quatragem" e que se assemelham aos do "batuque" e da "briga" do "Ermitão de Muquém", são admiráveis de fidelidade e de respeito à cor local. É também interessante o juízo exarado no capítulo IV, com relação às esculturas do Aleijadinho, até hoje eretas no santuário de Congonhas do Campo, parecendo que o escritor mineiro se inspirou, a esse propósito, nas palavras sugestivas e conceituosas de Saint-Hilaire ("Voyage dans le district des diamanas et sur le littoral du Brésil, t. I, pág. 203).

Além das bem fundadas observações, com que acompanha e auscultra a evolução psicológica de Eugênio, evidentemente um "hyposthenico" da moderna classificação de Roubinovitch, e em cuja alma timorata travaram acesso combate o amor e a fé religiosa, -- eis o que, com sobeja razão, assevera o autor d'O Seminarista, no tocante aos colégios de padre e frades: - "A educação claustral é triste em si e em suas conseqüências; e o regime monanchal, que se observa nos seminários, é mais próprio para formar ursos do que homens sociais. Dir-se-ia que o devotismo austero, a que vivem sujeitos os educandos, abafa e comprime, com as suas asas lobregas e geladas, naquelas almas ternas, todas as manifestações espontâneas do espírito, todos os vôos da imaginação, todas as expansões afetuosas do coração. O rapaz que sai de um seminário, depois de ter estado ali alguns anos, faz na sociedade a figura de um idiota. Desasado, tolhido e desconfiado, por mais inteligente e instruído que seja, não sabe dizer duas palavras com acerto e discreção, e muito menos com graça e afabilildade. E, se acaso o moço é tímido e acanhado por natureza, acontece, muitas vezes, ficar perdido para sempre".

Intrometeu ele, habilmente, no seu bem feito romance, duas crendices populares, -- ainda hoje vivas em Minas e quiça em todo o Brasil. Uma delas vem do capítulo II e é a de poderem as mulheres imobilizar qualquer cobra, cravando nesta fixamente os olhos, enquanto apertam fortemente os atilhos da cintura da saia. Conta-se, na minha terra natal, que esta simpatia só é inflável quando a mulher se encontra em gestação.

Acha-se a outra no capítulo IX e trata apropositadamente da mula-sem-cabeça, abusão que Bernardo Guimarães já explanara no volume das suas "Poesias", quando escreveu a "Orgia dos Duendes".

Nas comparações que exornam "O seminarista", é sempre à natureza brasileira que recorre, para melhor vestir as idéias. Assim, Margarida era "de corpo esbelto e flexível, como o pendão da embaúba" (outra imagem vegetal de rara felicidade!); seus olhos, cujos fulgores se velam à sombra de negras pestanas, eram "como tímidas rolas, que se encolhem, escondendo a cabeça debaixo das asas assetinadas"); e a mútua afeição das crianças era "como um cipó" que, nascendo entre dois tenros arbustos vizinhos, se enleia em torno deles e confunde os seus galhos, tornando-os como um só".

Os brasileirismos ou mineirismos aí aparecem em barda, quer nas expressões "assim como assim", "pensar as vaquinhas", "lavrar de relho", quer nos vocábulos "bitácula" (pequena casa comercial), "favorão", "gangorra", "quituteira", "tropeiro", afora algumas ousadias de sufixação e prefixação, como "chamarisco" (em vez de "chamariz") ou do moderno "chamo", já consignado por Gonçalvez Vianna em suas "Apostillas aos diccionarios portuguezes", t. I, página 280), "beberreira". "estouvadice", "monticuloso", "beatividade" e "desobumbrar", que não foram aforadas até agora pelos nossos melhores lexicógrafos e raramente se deparam ao leitor em outras obras do romancista mineiro.

Não estarei longe de acertar, asseverando que "O Seminarista" é a obra prima de Bernardo Guimarães, no genero novelístico.

Íntegra do livro - O Seminarista (doc)  (rtf)

Trecho do livro
"[...]Era uma bela tarde de janeiro. Dois meninos brincavam à sombra das paineiras: um rapazinho de doze a treze anos e uma menina, que parecia ser pouco mais nova do que ele.

A menina era morena; de olhos grandes, negros e cheios de vivacidade, de corpo esbelto e flexível como o pendão da imbaúba.

O rapaz era alvo, de cabelos castanhos, de olhar meigo e plácido e em sua fisionomia como em todo o seu ser transluziam indícios de uma índole pacata, doce e branda.

A menina, sentada sobre a relva, despencava um molho de flores silvestres de que estava fabricando um ramalhete, enquanto seu companheiro, atracando-se como um macaco aos galhos das paineiras, balouçava-se no ar, fazia mil passes e piruetas para diverti-la."