Prefácio da 2ª edição de Cantos da Solidão
(a ortografia foi atualizada)
Advertência da segunda edição
Grande número das poesias que agora ofereço ao
público já foram publicadas em S. Paulo em 1852 sob o título de Cantos
da Solidão: essa edição porém, além de muito escassa quanto ao
número de exemplares, foi por demais incorreta; e como o público parece-me ter
dado algum apreço a essas produções de minha primeira mocidade, isso me anima a
dar-lhe esta segunda edição muito mais correta, e seguida de grande número de
poesias diversas.
Cumpre-me aqui dizer algumas palavras a respeito de
algumas alterações e adições que fiz nos Cantos da solidão.
Quando, ao terminar meus estudos acadêmicos, me
dispunha a retirar-me de S. Paulo, grande número de amigos e colegas mostraram
desejos de possuir impressas aquelas poesias; existiam elas pela maior parte em
seu primeiro esboço tais quais me tinham saído da pena no primeiro jacto, e os
manuscritos se achavam em deplorável desordem; o tempo de que dispunha era muito
limitado para eu poder coligi-las, e limá-las convenientemente; com a tal ou qual
ordem e correção que a pressa me permitiu dar-lhes, deixei-as em S. Paulo em
poder daqueles amigos, a fim de dá-las ao prelo; deixei-as mais como um fraco
penhor de amizade e gratidão, como um eco de meu coração, que eu queria deixar
ressoando entre aqueles bons amigos, de muitos dos quais eu me ia separar talvez
para sempre, do que como um título com que me apresentasse ao público para
conquistar o glorioso nome de poeta.
A vista disso deve-se relevar o muito que há de
desleixo e e incorreção nessas composições; desleixo e incorreção que
procurei eliminar o mais que me foi possível na presente edição; muitas
alterações e adições fiz em algumas poesias; e mesmo uma ou outra refundi
completamente; outras porém ficaram assim mesmo mal acabadas, com o pensamento
incompleto, a frase mal polida, porque não foi mais possível evocar de novo
inspirações há tanto tempo adormecidas. Alterei também um tanto a ordem em que
vinham na primeira edição, a fim de engrupar debaixo do título de -
Inspirações da tarde - certo número de poesias em que o quadro nelas debuxado
se emoldura nos encantadores relevos dessa hora de remanso que serve de
transição da luz e bulício do dia para o silencio e trevas da noite.
Vão portanto estes versos nesta segunda edição
corretos de muitos descuidos de metrificação e de estilo, e limpos de inúmeros
e graves erros tipográficos que desfiguravam a primeira.
Quanto ao valor literário que porventura possam
ter estes versos, o público e a critica o decidirão; lembrem-se somente aqueles
que lançarem os olhos sobre estas páginas, que são elas produto de uma musa que
tem constantemente sofrido o embate de todo o gênero de contrariedades, e que
conhece por experiência quanto é verdadeiro o que diz Chateaubriand: - C'est
un sophisme digne de la dureté de notre siècle, d'avoir avancé que les bons
ouvrages se font dans le malheyr: il n'est pas vrai qu'on puisse bien écrire
quand on souffre. Les hommes qui se consacrent au culte des muses se laissent plus
vite submerger à la douleur que les esprits vulgaires.
Rio de Janeiro, 14 de abril de 1858
O AUTOR
Prefácio dos
editores da 1ª edição de Cantos da Solidão
AO LEITOR
Temos o prazer de oferecer ao público, e
particularmente à mocidade acadêmica, as produções poéticas de um de nossos
irmãos de letras, que ao separar-se de nós legou-nos esses cantos melodiosos,
como se fosse um adeus de despedida, e uma última lembrança de seu viver de
outrora; - é o testamento do coração ao terminar-se a vida descuidosa de
mancebo; - é o derradeiro olhar do viajante ao deixar as praias deleitosas de um
país encantado, para expor-se aos azares de uma longa peregrinação por mares
tempestuosos; - é a baliza que servirá de assinalar-lhe essa quadra risonha da
existência, que, ainda depois de volvida, inspira-nos recordações tão
deliciosas, como os aromas da pátria que auras propícias levassem aos ermos do
exilado.
Para nós os - Cantos da solidão - significam
alguma cousa mais: - a naturalidade com que são escritos e esse perfume de
tristeza e sentimentalismo que eles exalam bem provam não serem essas poesias uma
criação puramente artística; - elas são a linguagem harmoniosa de uma alma
poética e inspirada, que se expande melancólica e suave como a luz de pálida
estrela, - sentida e queixosa como as derradeiras notas de longínqua melodia em
horas de repouso.
- É a voz simpática do coração que fala aos
corações, e que sabe fazer-nos sorrir com seus prazeres, e entristecer-nos com
seus queixumes.
O que diz o crítico Basílio de
Magalhães do Canto de Solidão
"O que me causa pasmo no
"Cantos de Solidão" é que, sendo o livro de um poeta de 27 anos,
parece mais obra de um qüinquagenário. Não se encontra ali o enlevo da mulher,
a que o homem, fecunda primavera da vida, principalmente quando bafejado pelas
musas, entoa, com as veras e com todas as gamas da sensibilidade, os seus mais
sinceros, mais cálidos e mais efusivos descantes. No primeiro volume dos versos
de Bernardo Guimarães, ou se acha este empolgado pelas belezas dos nossos
sertões, ou plange, em nênias comovidas, o trespasse de entes queridos ou se
preocupa com o seu destino objetivo e subjetivo. As duas únicas poesias --Amor
ideal e Primeiro sonho de amor-- em que cogita do mais divino dos seres da
criação e do mais nobre dos sentimentos humanos -- o alfa e o ômega da nossa
existência planetária-- são fracas e inexpressivas. Quem lhe analisar a
evolução poética chegará à inferência de que não teve ele pecados de amor
na mocidade, guardando-os para os praticar na madureza, quando as grelhas de
inverno lhe prenunciassem a galope derradeiro."
|