João
Joaquim da Silva Guimarães,
segundo o seu filho Bernardo
João Joaquim da
Silva Guimarães – pai de Bernardo Guimarães – nasceu em 1777 (não há
registro de mês e dia)
na Vila Real de Nossa Senhora de
Conceição do
Sabará (MG) e morreu em 24 de junho de
1858. Além de BG, ele e D. Constança Beatriz de Oliveira tiveram Joaquim
Caetano, Manoel Joaquim, Jaques, Maria Fausta e Isabel.
De origem pobre,
João Joaquim se sobressaiu na sociedade por intermédio dos estudos.
Aprofundou-se no latim, entre outras áreas do conhecimento.
Para
driblar as dificuldades econômicas, apresentou-se como voluntário
às tropas oficiais de Cachoeira do Campo, pertencente a Ouro Preto. Diria
BG depois da morte do pai: “[Ele] abraçou a carreira militar, não por gosto,
mas porque em suas circunstâncias era a única que se lhe franqueara”. Deixou a
vida militar por não tolerar as arbitrariedades do governador Bernardo José de
Lorena, o conde de Sarzedas.
Trabalhou
na Contadoria da Fazenda e chegou a Inspetor da Tesouraria, função na qual se
aposentou. Exerceu a política: pela Província de Minas Gerais, foi deputado na
Assembléia Geral Constituinte do 1º Império, de 1826 a 1829.
Foi
também poeta e escritor.
José
Armelim Bernardo Guimarães, neto de BG, informa em seu inédito livro “Bernardo
Guimarães, o romancista da Abolição” que João Joaquim escreveu poesia e
crônicas, a maioria delas sob pseudônimo ou anonimato. Assinou pouca coisa. Suas
colaborações saíram em Ouro Preto em publicações como “Abelha Itacolomin,
“Compilador Mineiro”, “O Universal”, “Diário do Conselho”, “Seminário
Mercantil” e “O Ateneu Popular”.
Do
que João Joaquim escreveu, pouco se salvou, e isso graça ao empenho de BG, que
colocou no seu livro “Folhas de Outono” poemas de seu pai. Escreve o crítico
Basílio de Magalhães: “São doze poemetos que revelam influência clássica e
trazem as mesmas propensões manifestadas depois por Bernardo: o amor das
tradições pátrias e a crítica dos costumes nacionais”.
Para
marcar a passagem do primeiro aniversário da morte do seu pai, Bernardo
Guimarães escreveu na “Atualidade”, do Rio de Janeiro, sobre o gosto de João
Joaquim pela literatura e de sua índole afável. Segue um trecho desse texto.
“(...)
seu caráter não fora moldado pela natureza para elevar-se pela política;
ambição não tinha grande império sobre seu coração. Dotado de alma sensível
e poética, de imaginação terna, viva e brilhante, e de um gosto decidido pelas
letras, preferia a tranqüilidade da vida serena e estudiosa no seio do lar
doméstico às tormentas e agitações de foro político.
“Além
disso, seu caráter franco, singelo, rígido, modelado à antiga, não podia
prestar-se às artificiosas inflexões por que a política obriga a passar todos
aqueles que lhe pedem sorrisos e favores. Contudo, posto que em uma posição
assaz modesta para a elevação de seu talento, não cessou de prestar serviços
ao Estado: eleitor, camarista, coletor, procurador-fiscal, juiz municipal
substituto, deputado provincial por vezes, escritor público; até nos últimos
quartéis serviu à causa do país com exemplar honradez, inteligência e
atividade, aquele cérebro rico de seiva original, com quem a natureza fora tão
pródiga de seus dons, mas a quem o destino desde o berço embaraçava todos os
caminhos da glória.
“Nos
últimos anos de sua existência, parecia que já a pedra do túmulo o tinha para
sempre separado dos vivos. Enquanto consagrava seus serviços ao país, seu
espírito, naturalmente curioso e ávido de saber, procurava enriquecer-se dos
conhecimentos, que lhe faltavam pela absoluta deficiência de educação
literária. Sem mais mestres que alguns livros, que naquele tempo eram bem raros e
custosos, conseguiu compreender algum tanto de latim, traduzir o francês e
adquirir nas ciências sólidas e variada instrução”.
Na
apresentação de “Folhas de Outono”, que acolheu poemas de João Joaquim, BG
escreveu que o seu pai “era um poeta educado na pura escola clássica, e como
tal deve ser julgado. Entretanto parece-me que tem cunho original, que o tornou
bem diferente dos clássicos da época, que o viu nascer. Não faz abuso das
alusões mitológicas, em que tanto se apraziam seus contemporâneos, quer do
Brasil, quer de Portugal; inspira-se sempre nos princípios de uma filosofia
eminentemente cristã, que revelam os nobres sentimentos de um coração bem
formado, e as qualidades de um caráter puro e honrado”.
Continuou
BG: “Sua linguagem, a meu ver, tem a severa correção dos quinhentistas unida
ao apurado gosto e elegância dos últimos poetas da escola clássica em Portugal.
Em seus versos, o leitor, que os ler com alguma atenção, descobrirá às vezes o
aticismo e a sã filosofia de Sá Miranda, a galhofa ingênua de Nicolau
Tolentino, e quase sempre essa grave, melancólica e singela elevação de
linguagem, que nos faz lembrar
Camões”.
Íntegra
No "Folhas de Outono", BG também incluiu poemas do seu irmão padre
Manoel Joaquim da Silva Guimarães, do qual também falou na apresentação do
livro. Segue abaixo a integra dessa apresentação, com tem o título de
"Algumas palavras ao leitor".
"O
motivo que me leva a dar publicidade em seguida ao pequeno volume de poesias, que
agora publico, algumas produções de meu pai e de meu irmão, ambos já há bem
tempo falecidos, não é tanto o desejo de oferecer ao público essas poucas
amostras do talento daqueles dois cultores das musas, como mais ainda para
tributar uma homenagem de saudade e respeito às cinzas de dois entes, que me
foram tão caros, e que podendo deixar de si, não só no percurso da vida, como
na memória dos pósteros, vestígios luminosos de sua carreira literária,
finaram-se deixando seus nomes envoltos no olvido e na obscuridade.
"Infelizmente
são bem poucas essas produções, que consegui salvar, e essas mesmas ter-se-iam
de todo perdido, se não fosse o delicado e obsequioso cuidado de um distinto e
particular amigo meu, sr. Conselheiro João Cardoso de Meneses e Souza.
"Este
bom e generoso amigo, poeta distintíssimo, cujo nome tão vantajosamente
conhecido na república das letras é uma das mais brilhantes glórias da poesia
contemporânea no Brasil, sabendo do falecimento repentino de meu irmão, do qual
também era amigo, falecimento, que teve lugar no Rio de Janeiro em 1870, estando
o falecido longe dos parentes, e em estado de grande pobreza, além de
encarregar-se do seu funeral, teve a delicada e feliz lembrança de arrecadar
alguns poucos papéis, que deixou, e de obsequiosamente nos remeter. O meu amigo
bem compreendeu que esses poucos papéis, a que olhos indiferentes nenhuma
importância ligariam, não podiam deixar de ser para mim de inestimável e subido
valor. São flores mirradas e sepulcrais, que ele, o prestimoso e excelente amigo,
o mavioso poeta do sentimento, colheu com mão piedosa à margem de um jazigo,
onde dois outros poetas descuidosamente as largaram, e veio oferecer àquele, a
quem sobretudo incumbida guardá-las, e fazê-las reflorir à luz da publicidade.
"Minha
gratidão para com João Cardoso e inexprimível, só posso dizer que essa
circunstância veio estreitar mais, se é possível, os laços de gratidão e
amizade, que desde os bancos da Academia de S. Paulo, apesar da ausência, me
ligam ao ilustre poeta.
"Os
papéis, que o meu amigo arrecadou, constavam de rascunhos de poesias, entre as
quais só posso dar publicidade agora a duas poesias de meu irmão, e a um número
mais considerável de poesias de meu pai, das quais meu irmão estava de posse.
"Os
autógrafos, tanto de um como de outro, não eram cópias, a que tivessem dado a
última demão; eram simplesmente rascunhos, cheios de emendas, de palavras
riscadas, e substituídas por outras etc, etc.
"Mas
como a letras de ambos era bastante clara e legível, não me foi difícil
decifrá-las, fazendo algumas correções ou alterações, que não vale a pena
mencionar.
"Seja-me
lícito agora dizer algumas palavras a respeito do mérito dessas poesias. Se
fosse desfavorável o juízo que delas faço, é escusado dizer que as não
publicaria. Mas entendo que elas têm mérito real, e que não é só o estreito
laço de parentesco, que me liga a seus autores, que me leva a fazer delas elevado
conceito e julgá-las dignas da luz da publicidade.
"Meu
pai, que faleceu a 24 de junho de 1858, na idade de 80 anos, era um poeta educado
na pura escola clássica, e como tal deve ser julgado. Entretanto parece-me que
tem um cunho original, que o torna bem diferente dos clássicos da época, que o
viu nascer. Não faz abuso das alusões mitológicas, em que tanto se apraziam
seus contemporâneos, quer do Brasil, quer de Portugal; inspira-se sempre nos
princípios de uma filosofia eminentemente cristã, que revelam os nobres
sentimentos de um coração bem formado, e as qualidades de um caráter puro e
honrado”.
"Sua
linguagem, a meu ver, tem a severa correção dos quinhentistas unida ao apurado
gosto e elegância dos últimos poetas da escola clássica em Portugal. Em seus
versos o leitor, que os ler com alguma atenção, descobrirá às vezes o aticismo
e a sã filosofia de Sá de Miranda, a galhofa ingênua de Nicolau Tolentino, e
quase sempre essa grave, melancólica e singela elevação de linguagem, que nos
faz lembrar Camões.
"Para
que a elegia feita à morte de D. Pedro I seja bem compreendida, torna-se mister
advertir ao leitor que ela foi escrita logo depois da morte do herói, época de
grande superexcitação política, em que os ânimos de grande parte da
população brasileira, exacerbados pelas últimas e fatais imprudências do
Imperador, andavam revoltos e ameaçadores contra todos aqueles que ainda ousavam
por qualquer maneira manifestar simpatia e admiração pelo fundador do Império.
Meu pai era um desses, e é por essa razão que ele se exprime pela maneira que se
verá no começo da elegia, procurando para cenário de suas inspirações um
sítio bronco, alpestre e quase inacessível, o Itacolomi, onde, longe dos olhos
do mundo foi exalar sua mágoa, e render homenagem à memória do varão, cujos
heróicos feitos admirava, se bem que não desconhecesse os graves senões, que
lhe mareavam o caráter, os inescusáveis erros dessa política nefasta, que
trouxe um resultado o memorável 7 de abril.
"Ainda
hoje as opiniões se dividem, e a lado dos que glorificam não falta quem
estigmatize a memória do duque de Bragança. Seja como for, ninguém pode
contestar a grandiosa e providencial missão que D. Pedro I foi chamado a
desempenhar, e a poderosa influência que exerceu sobre os destinos de duas
nações, erguendo uma do berço, levantando outra do abismo de sofrimentos, em
que jazia quase agonizante, e deixando assim sua figura estampada na tela da
história em brilhante e prestigioso relevo. Dois vultos culminantes da literatura
portuguesa, Castilho e Alexandre Herculano, que ninguém poderá acoimar de poetas
cesarianos, renderam culto de admiração, e consagraram eloqüentes e sentidas
homenagens às cinzas de heróico duque de Bragança. Não é pois para estranhar
que um poeta brasileiro extraísse de sua lira trenos doridos em honra do homem
que tanto contribui para acelerar o movimento emancipador e funda a nacionalidade
brasileira. É porém certo que a musa de meu pai tornou-se profética quando
assim se exprime nos seguintes tercetos:
Se
curvados comigo ao fado injusto
Muitos não unem hoje aos meus lamentos
Preces que votam ao varão mais justo,
Eu sei que um dia puros sentimentos
Saudosos lhe darão; -- eu sei que gratos
Lhe hão de erguer honrosos monumentos.
"Alguma
coisa também poderia aqui dizer sobre a índole e qualidade do talento poético
do meu irmão; mas creio que seria inteiramente descabido estender-me sobre esse
assunto, não podendo infelizmente oferecer agora ao leitor senão duas de suas
produções, e essas mesmas não sendo das mais primorosas de entre tantas, que
escreveu. Inspirava-o principalmente a musa do idílio. Os enlevos, o espetáculos
da natureza risonha e grandiosa de nossos sertões, as cenas singelas e as puras
emoções da vida campestre namoravam-lhe a fantasia, e lhe extraíam da lira
canções cheias de suave harmonia e da mais encantadora simplicidade. Não
reinava nelas o cansado tom bucólico das églogas antigas, e nem tão pouco esse
indianismo, que por algum tempo se pretendeu enxertar como uma espécie de poesia
nacional. Eram, a meu ver, um brilhante ensaio do que se poderia chamar o idílio
brasileiro.
"Infelizmente,
a não ser uma ou outra dessas produções, que porventura tenham sido divulgadas
nos jornais do Rio Grande do Sul, onde meu irmão residiu ultimamente por algum
tempo, todas elas sumiram-se para sempre nas trevas do sepulcro com seu infeliz
autor.
"Não
devo terminar sem fazer aqui pública restituição de umas lindas estrofes, que
roubei do meu finado irmão. Elas figuram neste volume no começo de uma poesia
minha, que tem por título "Não queiras morrer". Entre os poucos
papéis aproveitáveis que deixou, deparei o rascunho das oito ou nove estrofes,
de que me apropriei, e a que o autor parecia querer dar seguimento. Achando-as
lindíssimas e perfeitamente aplicáveis ao assunto, de que tinha de tratar,
servi-me delas como de uma epígrafe, a que dei mais amplo desenvolvimento."
Ouro
Preto, 15 de março de 1883
Poemas de João Joaquim
(abaixo dos links das poesias de BG) |