Vida e Obra de Bernardo Guimarães
  poeta e romancista brasileiro [1825-1884 - biografia]

 
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João Joaquim da Silva Guimarães,
segundo o seu filho Bernardo

João Joaquim da Silva Guimarães – pai de Bernardo Guimarães – nasceu em 1777 (não há registro de mês e dia)  na Vila Real de Nossa Senhora de Conceição do  Sabará (MG) e morreu em 24 de junho de 1858. Além de BG, ele e D. Constança Beatriz de Oliveira tiveram Joaquim Caetano, Manoel Joaquim, Jaques, Maria Fausta e Isabel.

De origem pobre, João Joaquim se sobressaiu na sociedade por intermédio dos estudos. Aprofundou-se no latim, entre outras áreas do conhecimento.

Para driblar as dificuldades econômicas, apresentou-se como voluntário  às  tropas oficiais de Cachoeira do Campo, pertencente a Ouro Preto. Diria BG depois da morte do pai: “[Ele] abraçou a carreira militar, não por gosto, mas porque em suas circunstâncias era a única que se lhe franqueara”. Deixou a vida militar por não tolerar as arbitrariedades do governador Bernardo José de Lorena, o conde de Sarzedas.

Trabalhou na Contadoria da Fazenda e chegou a Inspetor da Tesouraria, função na qual se aposentou. Exerceu a política: pela Província de Minas Gerais, foi deputado na Assembléia Geral Constituinte do 1º Império, de 1826 a 1829.

Foi também poeta e escritor.

José Armelim Bernardo Guimarães, neto de BG, informa em seu inédito livro “Bernardo Guimarães, o romancista da Abolição” que João Joaquim escreveu poesia e crônicas, a maioria delas sob pseudônimo ou anonimato. Assinou pouca coisa. Suas colaborações saíram em Ouro Preto em publicações como “Abelha Itacolomin, “Compilador Mineiro”, “O Universal”, “Diário do Conselho”, “Seminário Mercantil” e “O Ateneu Popular”.

Do que João Joaquim escreveu, pouco se salvou, e isso graça ao empenho de BG, que colocou no seu livro “Folhas de Outono” poemas de seu pai. Escreve o crítico Basílio de Magalhães: “São doze poemetos que revelam influência clássica e trazem as mesmas propensões manifestadas depois por Bernardo: o amor das tradições pátrias e a crítica dos costumes nacionais”.

Para marcar a passagem do primeiro aniversário da morte do seu pai, Bernardo Guimarães escreveu na “Atualidade”, do Rio de Janeiro, sobre o gosto de João Joaquim pela literatura e de sua índole afável. Segue um trecho desse texto.

“(...) seu caráter não fora moldado pela natureza para elevar-se pela política; ambição não tinha grande império sobre seu coração. Dotado de alma sensível e poética, de imaginação terna, viva e brilhante, e de um gosto decidido pelas letras, preferia a tranqüilidade da vida serena e estudiosa no seio do lar doméstico às tormentas e agitações de foro político.

“Além disso, seu caráter franco, singelo, rígido, modelado à antiga, não podia prestar-se às artificiosas inflexões por que a política obriga a passar todos aqueles que lhe pedem sorrisos e favores. Contudo, posto que em uma posição assaz modesta para a elevação de seu talento, não cessou de prestar serviços ao Estado: eleitor, camarista, coletor, procurador-fiscal, juiz municipal substituto, deputado provincial por vezes, escritor público; até nos últimos quartéis serviu à causa do país com exemplar honradez, inteligência e atividade, aquele cérebro rico de seiva original, com quem a natureza fora tão pródiga de seus dons, mas a quem o destino desde o berço embaraçava todos os caminhos da glória.

“Nos últimos anos de sua existência, parecia que já a pedra do túmulo o tinha para sempre separado dos vivos. Enquanto consagrava seus serviços ao país, seu espírito, naturalmente curioso e ávido de saber, procurava enriquecer-se dos conhecimentos, que lhe faltavam pela absoluta deficiência de educação literária. Sem mais mestres que alguns livros, que naquele tempo eram bem raros e custosos, conseguiu compreender algum tanto de latim, traduzir o francês e adquirir nas ciências sólidas e variada instrução”.

Na apresentação de “Folhas de Outono”, que acolheu poemas de João Joaquim, BG escreveu que o seu pai “era um poeta educado na pura escola clássica, e como tal deve ser julgado. Entretanto parece-me que tem cunho original, que o tornou bem diferente dos clássicos da época, que o viu nascer. Não faz abuso das alusões mitológicas, em que tanto se apraziam seus contemporâneos, quer do Brasil, quer de Portugal; inspira-se sempre nos princípios de uma filosofia eminentemente cristã, que revelam os nobres sentimentos de um coração bem formado, e as qualidades de um caráter puro e honrado”.

Continuou BG: “Sua linguagem, a meu ver, tem a severa correção dos quinhentistas unida ao apurado gosto e elegância dos últimos poetas da escola clássica em Portugal. Em seus versos, o leitor, que os ler com alguma atenção, descobrirá às vezes o aticismo e a sã filosofia de Sá Miranda, a galhofa ingênua de Nicolau Tolentino, e quase sempre essa grave, melancólica e singela elevação de linguagem, que nos faz  lembrar Camões”.


Íntegra

No "Folhas de Outono", BG também incluiu poemas do seu irmão padre Manoel Joaquim da Silva Guimarães, do qual também falou na apresentação do livro. Segue abaixo a integra dessa apresentação, com tem o título de "Algumas palavras ao leitor".

"O motivo que me leva a dar publicidade em seguida ao pequeno volume de poesias, que agora publico, algumas produções de meu pai e de meu irmão, ambos já há bem tempo falecidos, não é tanto o desejo de oferecer ao público essas poucas amostras do talento daqueles dois cultores das musas, como mais ainda para tributar uma homenagem de saudade e respeito às cinzas de dois entes, que me foram tão caros, e que podendo deixar de si, não só no percurso da vida, como na memória dos pósteros, vestígios luminosos de sua carreira literária, finaram-se deixando seus nomes envoltos no olvido e na obscuridade.

"Infelizmente são bem poucas essas produções, que consegui salvar, e essas mesmas ter-se-iam de todo perdido, se não fosse o delicado e obsequioso cuidado de um distinto e particular amigo meu, sr. Conselheiro João Cardoso de Meneses e Souza.

"Este bom e generoso amigo, poeta distintíssimo, cujo nome tão vantajosamente conhecido na república das letras é uma das mais brilhantes glórias da poesia contemporânea no Brasil, sabendo do falecimento repentino de meu irmão, do qual também era amigo, falecimento, que teve lugar no Rio de Janeiro em 1870, estando o falecido longe dos parentes, e em estado de grande pobreza, além de encarregar-se do seu funeral, teve a delicada e feliz lembrança de arrecadar alguns poucos papéis, que deixou, e de obsequiosamente nos remeter. O meu amigo bem compreendeu que esses poucos papéis, a que olhos indiferentes nenhuma importância ligariam, não podiam deixar de ser para mim de inestimável e subido valor. São flores mirradas e sepulcrais, que ele, o prestimoso e excelente amigo, o mavioso poeta do sentimento, colheu com mão piedosa à margem de um jazigo, onde dois outros poetas descuidosamente as largaram, e veio oferecer àquele, a quem sobretudo incumbida guardá-las, e fazê-las reflorir à luz da publicidade.

"Minha gratidão para com João Cardoso e inexprimível, só posso dizer que essa circunstância veio estreitar mais, se é possível, os laços de gratidão e amizade, que desde os bancos da Academia de S. Paulo, apesar da ausência, me ligam ao ilustre poeta.

"Os papéis, que o meu amigo arrecadou, constavam de rascunhos de poesias, entre as quais só posso dar publicidade agora a duas poesias de meu irmão, e a um número mais considerável de poesias de meu pai, das quais meu irmão estava de posse.

"Os autógrafos, tanto de um como de outro, não eram cópias, a que tivessem dado a última demão; eram simplesmente rascunhos, cheios de emendas, de palavras riscadas, e substituídas por outras etc, etc.

"Mas como a letras de ambos era bastante clara e legível, não me foi difícil decifrá-las, fazendo algumas correções ou alterações, que não vale a pena mencionar.

"Seja-me lícito agora dizer algumas palavras a respeito do mérito dessas poesias. Se fosse desfavorável o juízo que delas faço, é escusado dizer que as não publicaria. Mas entendo que elas têm mérito real, e que não é só o estreito laço de parentesco, que me liga a seus autores, que me leva a fazer delas elevado conceito e julgá-las dignas da luz da publicidade.

"Meu pai, que faleceu a 24 de junho de 1858, na idade de 80 anos, era um poeta educado na pura escola clássica, e como tal deve ser julgado. Entretanto parece-me que tem um cunho original, que o torna bem diferente dos clássicos da época, que o viu nascer. Não faz abuso das alusões mitológicas, em que tanto se apraziam seus contemporâneos, quer do Brasil, quer de Portugal; inspira-se sempre nos princípios de uma filosofia eminentemente cristã, que revelam os nobres sentimentos de um coração bem formado, e as qualidades de um caráter puro e honrado”.   

"Sua linguagem, a meu ver, tem a severa correção dos quinhentistas unida ao apurado gosto e elegância dos últimos poetas da escola clássica em Portugal. Em seus versos o leitor, que os ler com alguma atenção, descobrirá às vezes o aticismo e a sã filosofia de Sá de Miranda, a galhofa ingênua de Nicolau Tolentino, e quase sempre essa grave, melancólica e singela elevação de linguagem, que nos faz lembrar Camões.

"Para que a elegia feita à morte de D. Pedro I seja bem compreendida, torna-se mister advertir ao leitor que ela foi escrita logo depois da morte do herói, época de grande superexcitação política, em que os ânimos de grande parte da população brasileira, exacerbados pelas últimas e fatais imprudências do Imperador, andavam revoltos e ameaçadores contra todos aqueles que ainda ousavam por qualquer maneira manifestar simpatia e admiração pelo fundador do Império. Meu pai era um desses, e é por essa razão que ele se exprime pela maneira que se verá no começo da elegia, procurando para cenário de suas inspirações um sítio bronco, alpestre e quase inacessível, o Itacolomi, onde, longe dos olhos do mundo foi exalar sua mágoa, e render homenagem à memória do varão, cujos heróicos feitos admirava, se bem que não desconhecesse os graves senões, que lhe mareavam o caráter, os inescusáveis erros dessa política nefasta, que trouxe um resultado o memorável 7 de abril.

"Ainda hoje as opiniões se dividem, e a lado dos que glorificam não falta quem estigmatize a memória do duque de Bragança. Seja como for, ninguém pode contestar a grandiosa e providencial missão que D. Pedro I foi chamado a desempenhar, e a poderosa influência que exerceu sobre os destinos de duas nações, erguendo uma do berço, levantando outra do abismo de sofrimentos, em que jazia quase agonizante, e deixando assim sua figura estampada na tela da história em brilhante e prestigioso relevo. Dois vultos culminantes da literatura portuguesa, Castilho e Alexandre Herculano, que ninguém poderá acoimar de poetas cesarianos, renderam culto de admiração, e consagraram eloqüentes e sentidas homenagens às cinzas de heróico duque de Bragança. Não é pois para estranhar que um poeta brasileiro extraísse de sua lira trenos doridos em honra do homem que tanto contribui para acelerar o movimento emancipador e funda a nacionalidade brasileira. É porém certo que a musa de meu pai tornou-se profética quando assim se exprime nos seguintes tercetos:

Se curvados comigo ao fado injusto
Muitos não unem hoje aos meus lamentos
Preces que votam ao varão mais justo,

Eu sei que um dia puros sentimentos
Saudosos lhe darão; -- eu sei que gratos
Lhe hão de erguer honrosos monumentos.

"Alguma coisa também poderia aqui dizer sobre a índole e qualidade do talento poético do meu irmão; mas creio que seria inteiramente descabido estender-me sobre esse assunto, não podendo infelizmente oferecer agora ao leitor senão duas de suas produções, e essas mesmas não sendo das mais primorosas de entre tantas, que escreveu. Inspirava-o principalmente a musa do idílio. Os enlevos, o espetáculos da natureza risonha e grandiosa de nossos sertões, as cenas singelas e as puras emoções da vida campestre namoravam-lhe a fantasia, e lhe extraíam da lira canções cheias de suave harmonia e da mais encantadora simplicidade. Não reinava nelas o cansado tom bucólico das églogas antigas, e nem tão pouco esse indianismo, que por algum tempo se pretendeu enxertar como uma espécie de poesia nacional. Eram, a meu ver, um brilhante ensaio do que se poderia chamar o idílio brasileiro.

"Infelizmente, a não ser uma ou outra dessas produções, que porventura tenham sido divulgadas nos jornais do Rio Grande do Sul, onde meu irmão residiu ultimamente por algum tempo, todas elas sumiram-se para sempre nas trevas do sepulcro com seu infeliz autor.

"Não devo terminar sem fazer aqui pública restituição de umas lindas estrofes, que roubei do meu finado irmão. Elas figuram neste volume no começo de uma poesia minha, que tem por título "Não queiras morrer". Entre os poucos papéis aproveitáveis que deixou, deparei o rascunho das oito ou nove estrofes, de que me apropriei, e a que o autor parecia querer dar seguimento. Achando-as lindíssimas e perfeitamente aplicáveis ao assunto, de que tinha de tratar, servi-me delas como de uma epígrafe, a que dei mais amplo desenvolvimento."

Ouro Preto, 15 de março de 1883

Poemas de João Joaquim
(abaixo dos links das poesias de BG)