O Garimpeiro
O que diz o
crítico
Hélio Lopes
Estória com desfecho é
feliz
Romance "O Garimpeiro" inicia-se, na toada de Bernardo Guimarães, com a
descrição de uma paisagem edênica. A natureza é sempre rica de árvores,
pássaros, frutas, ribeirões, ares amenos, horizontes tranqüilos. Os personagens
são introduzidos neste mundo sem maior delonga e imediatamente postos em ação.
Sabemos onde estamos, sabemos o tempo de início dos acontecimentos, e conhecemos
logo o Major, suas filhas e escravas. E também Elias, "aquele moço de
Uberaba". Lúcia e Elias amam-se.
O episódio da cavalhada no
capítulo segundo, página obrigatória de algumas antologias de há alguns anos,
aparentemente serve apenas para a defesa dos costumes interioranos, a
apresentação de um personagem estranho ao meio, o comerciante Azevedo, e melhor
conhecimento do protagonista Elias e do Major.
O pai de Lúcia desencadeia a ação.
Embora reconheça as qualidades de seu recomendado, o moço Elias, sobrepõe, a
todos os méritos morais, físicos e intelectuais do jovem cavaleiro, o amor da
fortuna. Elias é pobre e não poderá casar-se com Lúcia.
Azevedo é pretendente sem maiores
possibilidades. O narrador, opondo Corte e Província, litoral e sertão, traça
do fluminense um retrato digno dos peralvilhos da cidade. Depois, é sobrepujado
por Leonel, o baiano de Sincorá, dono de mais dinheiro. A figura do Major é
lamentável. Nem sequer tem nome. Tem um ofício. E, com o ofício, os pequenos
preconceitos do tempo e das pequenas sociedades. Funciona à moda de um leiloeiro.
A prenda em leilão é a filha. Quem oferecer o maior lance ficará com ela.
Afastado Azevedo, restam Alias e Leonel.
Os leitores do romance romântico não
se enfadem ao reencontrar o dinheiro, a fortuna, como elemento de tensão no
enredo das narrativas. Se, na história dos casamentos, a riqueza influiu em nosso
dias, seria estranhável se no século XIX assim também não acontecesse. Não se
precisa aqui, nesta obra, recorrer a mudança de estruturas sociais que
assinalaram a passagem do século XVIII para o XIX. O caso é muito simples.
Quando Leonel aparece, o Major está arruinado. Teme enfrentar o público
entregando Lúcia a Leonel para restaurar a posição perdida. A filha é apenas
uma mercadoria colocada no balcão. Este é o preço. Quem a poder comprar a
levará.
Qual o comportamento de Elias nessas
circunstâncias? A conquista de Lúcia exige dinheiro. Corre, então, à procura
da fortuna. O meio oferece-lhe a garimpagem. Procura no leito das águas o
diamante. A sorte não o favorece em Minas. Demanda às terras diamantíferas da
Bahia. Vai para Sincorá. De Sincorá regressa abarrotado ... de notas falsas.
É interessante observar o personagem
Elias. Construído dentro da fôrma inteiriça do homem bom, reflete as
imposições martirizantes da pobreza como abstáculo na realização do amor. A
agitação interna oriunda de seu medo, de suas ânsia, do desespero até à
idéia do suicídio e do assassinato provoca naturalmente a agitação exterior
manifesta num contínuo transporta-se de lugar a lugar. Elias está sempre em
movimento e num movimento de idas e vindas. A comunicação entre os amantes se
faz por bilhetes e cartas. Esse movimentar-se, porém, não é desordenado. Possui
uma finalidade: derrubar o entrave da pobreza e assim conquistar a mulher amada.
Nesse caso, a cavalhada descrita no capítulo segundo está parecendo funcionar
como um símbolo. Cumpre superar os empecilhos, derrotar os adversários e receber
o troféu da vitória das mãos da amada. O herói atravessa as dificuldades todas
exigidas pelas regras do torneio e o romance termina feliz, não obstante se estar
ao pé de um sepulcro.
Elias é ajudado na conquista de sua
felicidade por forças superiores. Temos a promessa feita a Nossa Senhora do
Patrocínio e temos o prognóstico de uma cigana: a estrela de pedra no leito do
rio. Essa heterogeneidade de crenças ajusta-se perfeitamente na cabeça de
Simão, o misto de índio e africano, cafuzo no rigor das palavras e não caboclo
assim como será chamado um pouco depois. Salva-se, no entanto, o romancista com
um "parecia ser...". Simão servira ao pai de Elias em Diamantina. A
fidelidade ao moço, a perseverança no trabalho e a fé em Deus fazem surgir o
diamante salvador.
O velho Simão, moribundo, é
assistido e quase roubado por uma criatura estranha que aparece e desaparece de
cena sem maiores explicações do narrador. Chegamos a conhecê-la pelos
terríveis epítetos que recebe: bruxa, harpia e demônio.
Dessa forma, a cigana é esquecida. O
diamante é prêmio do céu e do céu é a exigência, por conseguinte, do
casamento a realizar-se.
Os defeitos do Major são por
ele mesmo jogado às costas da "sociedade (que) tem tais
exigências...". Isto é: não se casa por amor, casa-se por dinheiro. As
desculpas do Major, sua auto-reabilitação se fazem com um belo diamante -- o
diamante encontrado por Simão -- luzindo entre os dedos!...
Cumpre assinalar ao lado de Simão,
fiel amigo de Elias, a escrava Joana, fiel amiga de Lúcia. São os confidentes
dos amantes. Joana é alforriada aos rogos de Lúcia. O major, em suas aperturas
econômicas, não a poderá vender. Joana é alforriada aos rogos de Lúcia. O
amor da branca vem a conservar, ao seu lado, a escrava. O amor da escrava-livre a
faz conservar-se ao lado da branca-senhora. É otimista o relacionamento entre
senhores e as poucas escravas negras no sítio do Major. Não aparecem
outras menções à escravatura. O romance publicado em 1872, apenas pela rama
toca no problema que, já nessa época, agitava-se no Brasil: a abolição da
escravatura, em que 1888 viria a realizar-se. Neste ano já estava morto Bernardo
Guimarães (1825-1884).
O romancista mineiro escreve como
conhecedor perfeito do espaço onde localiza a ação e as figuras que movimentam
a história. Embora pague sua dívida às imposições da ficção romântica
estereotipando os personagens e os eventos, há um sentido profundo de realidade
naquilo que narra. Talvez esse sentido profundo de realidade se perceba com maior
nitidez nas obras de Bernardo Guimarães por nelas não aparecer aquele verniz de
"literatura" no mau sentido da palavra.
A procura da realidade em Bernardo
Guimarães, ao que parece na propositada, mas natural, é arma de dois gumes: se,
de um lado, oferece ao leitor pouco ou menos exigente a impressão da realidade
perfeita, de outro a negligência de quem escreve, como se falasse, mancha-lhe o
estilo de senões perfeitamente evitáveis. Se o autor se desse ao mínimo cuidado
de cortas as excessivas repetições, apagar os ecos e outros pequenos defeitos de
seus discurso, teria evitado a censura de desleixo com que sempre o acusam.
Não obstante a justiça das
corrigenda, as narrativas de Bernardo Guimarães, breves e movimentadas, conduzem
o leitor quase sempre a um desfecho feliz com o prêmio para a virtude e o castigo
para o vício. Quase nada se percebe nos romances do espírito folgazão do
romancista. Quase nada se percebe nos romances do espírito folgazão do
romancista. Faz da ficção uma escola de bons costumes e para isso reveste-se da
compostura de um diretor de consciência.
Bernardo Guimarães não é apenas o
defensor de nossos hábitos interioranos, das virtudes caseiras, de nossas
tradições. É o defensor do homem naquilo que nele encontra de melhor: o
caráter. E o exemplo está em Alias, o garimpeiro.
O que diz o crítico
M.
Cavalcanti Proença
Bernardo sabe do que fala
"O Garimpeiro" é uma
narrativa regional e -- podemos acrescentar, sem exagero -- tradicional. Aí
estão as festas na vila do Patrocínio, a vida sertaneja, um capítulo inteiro
sobre a existência nos garimpos, onde o homem se identifica tanto ao solo que o
escritor exprime a recíproca, quando diz "esperançoso cascalho" lavado
pelos garimpeiros. Esperança dos homens que se transfere à terra em cujo âmago
se oculta o diamante.
Parece que foi Orville Derby quem
primeiro chamou atenção para o fato de haver no Brasil possibilidade de assistir
à história, pela simultaneidade de estágio sociológico, bastando poucas horas
de viagem, alguns quilômetros de estrada, para que o observador se transporte da
civilização industrial à vida mais primitiva. Este livro serve bem para
documenta a tese. Escrito em 1872, o processo de trabalho, o ambiente social, os
costumes que descreve são os mesmos que, ainda hoje, mais um século
transcorrido, regem a vida dos garimpos. Diferenças, quando as há, são
mínimas.
Bernardo Guimarães é autor que fala
do que sabe. Suas paisagens são verdadeiras, hábitos e mentalidade de suas
personagens não inspirados na realidade e, por isso mesmo, aparecem aberturas de
sol realista na bruma romântica da escola.
O Garimpeiro é romance de amor, e,
como era de preceito, um amor que vai seguindo sua correntezinha de riacho e, de
repente, reboja e espuma e encontra a sua cachoeira. Amor contrariado. O mocinho e
a mocinha, que tanto já merecem de nós, encontram o que será para ele o
poderoso rival, e para ela o futuro carrasco. Luta, lágrimas, gemidos, mas, no
fim, a exaltação dos oprimidos; por processos normais, se possível, por
milagre, se for premente a necessidade. O final restabelecerá o equilíbrio
temporariamente pelo enredo e pela ação do romance.
Assim ocorre nos filmes
"far-west", cujas peripécias só não matam de ansiedade os
espectadores, porque há confiança no "happy end", restaurador da
justiça, reparando até as lesões físicas dos heróis que simbolizam o bem.
Comercialmente seguros.
Um pouco dessa garantia de término
feliz, mas também a simplicidade no apresentar as suas narrativas, a habilidade
de dispor a efabulação, tem feito de alguns romances de Bernardo Guimarães --
este entre eles -- livros de permanente consumo, inabaláveis e imutáveis,
através de gerações sucessivas de leitores.
Românticos são os tipos que desenha,
mas, aqui e ali, a ironia de um escritor que convivia com os seus heróis põe
alfinetadas, desinflando exageros. A começa pela figura principal: "Lúcia
não tenha uma dessas cinturas tão estreitas que se possam abranger entre os
dedos das mãos; mas era fina e flexível. Suas mãos e pés não eram dessa
pequenez e delicadeza hiperbólica, de que os romancistas fazem um dos principais
méritos das suas heroínas; mas eram bem feitos e proporcionados."
Apago o excessivo particularismo da
realidade, as paisagens e até o físico dos personagens foram decalcados em
vivência do romancista, recriadas pela memória, postas em simetria por um senso
estético sem grande complexidade. O enredo vai deslizando em correnteza fluvial,
com remansos, itaipavas, cachoeiras, muito mais dramático do que trágico,
falando sempre ao leitor que busca na leitura não mais que distração, e certo
perigo e certa angústia, de solução garantida ao final do livro.
Esta simplicidade se reflete na
linguagem correntia, até seu tanto desleixada, mas em todos os casos concordante
com a narrativa. Giros sintáticos e vocábulos regional aparecem sempre, mas não
embaraçam a leitura, pois nascem do contexto e nele se integram de tal forma que
nele próprio encontram definição.
Em prosa, pelo menos, Bernardo
Guimarães não está preocupado com o artesanato da linguagem. É um oralista,
lembrando os livros mais espontâneos de José Lins do Rego, Jorge Amado e vários
outros menos lidos e menos queridos; merecendo lugar ao lado dos poetas populares,
contadores de histórias que, possuindo uma técnica tradicional, ficam entre o
folclore e a chamada leitura culta.Brasileiríssimos, portanto. Vem daí,
certamente, o prestígio popular de Bernardo Guimarães, há quase cem anos. O
povo reconhece e preserva para a imortalidade os que com ele se
identificam.
O que diz o crítico
Basílio
de Magalhães
BG evoca a época dos
dinamantes
Romance de costumes, totalmente mineiro, evoca "O Garimpeiro" a época
da cata de diamantes na região de Bagagem, onde se encontrou o celebre Estrela do
Sul, um dos maiores do mundo.
Gira em torno da paixão de Elias e
Lúcia, e o enredo, simples e despido de interesse a princípio, complica-se e
violenta-se no fim, quando a moça, contrariada pelo pai no seu amor, está em
vésperas de casas com o falsário Leonel. O devotamento do negro Simão por Elias
é um atestado da afetividade característica da raça africana, já desde muito
proclamada pelo fundador do positivismo.
Distingue-se esta produção de
Bernardo Guimarães pelos quadros de gênero, dois dos quais pintados a primor de
verdade e emotividade: o das "cavalhadas" e o do trabalho dos
garimpeiros em busca dos carbonos preciosos, no leito dos rios.
Tradição mineira de impressiva
teatralidade, que Joaquim Felício dos Santos esboçou em suas Memórias do
Distrito Diamantino" e Antonio Olinto dos Santos Pires desenvolveu em
conferência realizada no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, -- é a
de Isidoro, o garimpeiro que Bernardo Guimarães deverá, preferentemente, ter
perpetuado em novela ou drama.
Além dos termos técnicos de
mineração, como grupiara e pinta, encerra este volume outros de uso
popular e singularidade prosódica, assim como expressões sintaticamente
anômalas, vulgarizadas em Minas, como janta (por jantar), melcatrefe
(mequetrefe), cavaleira (por amazonas), tagarelagem (por tagarelice), ir na vila,
ir na desobriga, cavalo doutrinado (em lugar de cavalo ensinado).
Nas comparações, é à fonte
nacional que recorre e sempre feliz e original no paradigma escolhido. Exemplo:
"Lúcia tinha dezoito anos; seus cabelos era da cor do jacarandá
brunido..."
Eis, agora, uma observação constante
do livro e que é verdadeira ainda hoje, apesar de extinta a instituição:
"No sertão, não há fazendeiro, algum tanto abastado, que não tenha um
posto elevado na guarda nacional... Entretanto, não há povo mais essencialmente
pacífico, menos propenso à carreira das armas".
Íntegra do livro - O
Garimpeiro (doc) O Garimpeiro (rtf)
|