Estrada de Ferro Madeira Mamoré

Danna B. Merril

Como já o dizemos na página de abertura desse trabalho, a Estrada de Ferro Madeira Mamoré é uma das ferrovias mais polêmicas que já foram construídas no mundo inteiro, sendo responsável, sozinha, pela ruína da diversos impérios financeiros e empresas sem fim, por milhares de mortes e discussões apaixonadas pelo país afora. Frequentemente, são realizadas exposições e mostras com as fotografias tiradas durante os anos de construção da estrada, quase todas elas verdadeiros documentarios daquele momento histórico e que valem como um documentário do que foi aquela epopéia.

Portanto, dado a importância da existência desse impressionante registro fotográfico para embasar essa discussões, claro está que isto deve-se apenas e tão somente ao monumental trabalho documental de Danna B. Merril, fotógrafo americano contratado por Pervival Farquhar para documentar a construção da estrada de ferro Madeira-Mamoré, trabalho esse que até hoje recebe elogios devido à sua qualidade e perfeição, em função das condições adversas nos quais foi realizado. Homem determinado, Danna Merril enfrentava, com sua câmara os mesmos perigos e desafios que os desbravadores da mata e construtores da ferrovia, merecendo ter seu nome registrado com destaque em meio à galeria dos heróis que assentaram, em meio à floresta Amazônica, uma estrada de ferro. Aqui no Brasil, infelizmente dos cerca de 2.000 negativos deixados pelo fotógrafo, apenas cerca de 200 chegaram intactos até hoje, mas sabemos que existem muitas cópias no exterior, até mesmo com descendentes dos contrutores ou sobreviventes da construção, pois frequentemente as recebemos via Internet, o que só reforça a amplitude da obra desse brilhante fotógrafo. Sobre ele e sua obra, vejamos o que diz a revista Horizonte Geográfico em sua edição de nro. 25 (dez/92):

"Sem dúvida alguma, fotografar obras da prefeitura de Nova York era ocupação bem mais segura que mergulhar pés e tripé da câmera no barro da Floresta Amazônica. Porém, este era o ofício de Danna Merrill e os 200 negativos que restam de seu trabalho, realizado durante a construção da ferrovia Madeira-Mamoré entre 1909 e 1910, demonstram que o fotógrafo não se limitou à documentação protocolar. A Madeira-Mamoré Railway Company havia percebido, no início das obras, que os 40 mil contos de réis acertados no contrato com o governo brasileiro estavam fora da realidade amazônica. A melhor maneira de provar isto era contratar um fotógrafo que desse uma idéia de empreitada. Estes eram os ossos do ofício de Danna Merril.

Porém, houve um dia em que ele realmente teve saudade da ordem e do concreto de Nova York. Tendo trabalhado a manhã toda debaixo de chuva numa obra distante quatro quilômetros do acampamento, Danna decidiu retornar sozinho. Cansado, com fome e desarmado, percebeu que estava sendo seguido por uma onça. Apressou o passo e quando o animal chegou perigosamente perto, conseguiu afastá-lo jogando barro nos seus olhos e gritando nervosamente. Conseguiu chegar ao acampamento, apesar de continuar avistando a onça no seu encalço. No dia seguinte, o animal foi localizado nas proximidades e no outro foi abatido. Aliviado, Danna Merril posou ao lado da onça, talvez com a mesma intenção de seus patrões: exigir aumento devido às condições inóspitas do local de trabalho"

Danna Merril posa ao lado da onça abatida

São também elogiosas as palavras ao fotógrafo, quando a ele se referem Manoel Rodrigues Ferreira, na segunda edição do seu formidável livro A Ferrovia do Diabo, e Boris Kossoy, então diretor do MIS, que no prefácio desse mesmo livro, reafirmam que ".....dentre os trabalhos de documentação fotográfica realizados no Brazil no início do Século, o conjunto de imagens tomado por Danna Merrill...constitui-se indubitavelmente em um dos mais preciosos exemplos.."

Outras referências bastantes elogiosas podem ser encontradas no livro referente a uma exposição de suas fotografias no MIS, Museu da Imagem e do Som, aliás hoje depositário do acervo representado por elas, nas palavras de Pedro Ribeiro:

"Danna Merrill chegou à selva munido de uma técnica refinada, que o capacitou a desenvolver uma fotometria empírica precisa, adequada ás sensibilidades ainda baixas das emulsões de então e à luz local, homogeneizada quase sempre pela densa umidade da atmosfera da região. Essa umidade, associada às altas temperaturas, seria também uma cruel condicionante aos processos de revelação e preservação de suas fotografias. Contudo, seu trabalho sobreviveu a todas essas dificuldades e, em parte, à própria destruição dos arquivos da ferrovia.

Na "Madeira Mamoré" de Danna Merrill, podemos notar o encontro de duas posturas na técnica de abordagem da fotografia documental. De um lado está a tradição dos grandes formatos, traduzida nos enquadramentos bem compostos, nos planos rigorosos, nas nuances tonais e na alta definição. Do outro, revela-se o fotógrafo moderno, audaz, explorador da variedade de ângulos, pesquisador do extremo da linguagem do seu equipamento, que por ser destinado à documentação tradicional, limitava sensivelmente sua manipulação, seu deslocamento e até a locomoção do fotógrafo.....

...São detalhes como esse que projetam Danna Merrill à frente de seu tempo, realizando uma abordagem tão ampla e dinâmica, como só viriam a ser conhecidas com o advento das câmaras de 35 mm e as objetivas intercambiáveis. A exposição desse trabalho resgata o fotógrafo genial e o reconduz ao lado dos expoentes da fotografia de sua época."

Pensamos da mesma forma, e parte desse trabalho, como não podia deixar de ser, é dedicado a esse valoroso fotógrafo, visto abaixo na companhia de Marion Hill, um texano que também teve grande colaboração para os trabalhos da ferrovia e sua divulgação, ao acompanhar o escritor Inglês H. M. Tomlinson em uma viagem pelos trilhos inacabados da estrada em 1910, que resultou no livro " The Sea & The Jungle", hoje um clássico na lingua inglesa.

Marion Hill e Danna Merrill

 

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